A LINGUAGEM DOS SONHOS

- Princesa! Princesa! Desculpe-me o atrevimento, por que Sua Alteza está chorando? – indaga uma linda cigana que residia naquele lugar próximo do bosque em que as duas por hora se encontravam.

A princesa parecia que jamais iria parar de chorar, por mais que a jovem cigana a consolasse. No meio de tantas lágrimas a princesa conseguiu forças para explicar o que estava acontecendo.

- Moça, tem noites que não estou conseguindo dormir direito! Tenho sonhos terríveis que me fazem acordar muito apavorada com eles! Porém há dois sonhos que todas as noites vêm e me assombram. Você tem tempo para que eu possa contá-los?

- Tenho sim, Sua Alteza! Será uma honra para mim compartilhar do seu sofrimento e espero que depois de contá-los, Vossa Alteza extirpe de vez com esta agonia do seu coração.

- Como você se chama, minha jovem?

- Eu me chamo Mahila, a cigana. – disse a jovem atentamente.

- Pois é, Mahila! Eu sou a princesa Ychy e resido num castelo que fica a um quilômetro deste bosque.

Controlando o choro e os soluços, a princesa então narra tudo sobre os seus pesadelos...

- Bem, todas as noites sonho que estou casando com um nobre. Só que ele está vestido de branco, até usa maquiagem branca; eu apareço vestida de noiva, porém a cor desse vestido é preta!

- Que horror, Princesa YchY!– falou a cigana levando uma das mãos à boca que já estava em formato de ó.

- Outro pesadelo é que entra um ladrão no meu quarto e arranca do meu peito o meu coração, limpa-o , cobre-o com um pano vermelho e depois coloca o meu coração dentro do peito dele.

- E o nobre? Não aparece nesse sonho? Esses sonhos aparecem nessa sequência que Sua Alteza me contou agora? – indagou Mahila, impressionada com os sonhos.

- Mahila, o nobre não aparece no segundo sonho; quanto à segunda pergunta, esses dois sonhos quando vêm, aparecem sempre nessa ordem. A minha agonia é que se não estiver errada, no dia do meu casamento, eu e o meu amado não chegaremos ao ápice do nosso amor, visto que seremos mortos por um ladrão. Primeiro o meu amado, depois eu...

Não aquentando mais segurar, a princesa Ychy volta ao choro compulsivo e a cigana pega carona e começa a chorar também.

Um bem-te-vi que estava indo procurar comida para seus filhotes, interrompe a sua jornada e pousa no colo da princesa e pergunta o porquê do chororô das duas beldades (a princesa e a ciganinha). Ychy não tinha mais condições de falar, então Mahila interrompe o choro e reconta a estória da princesa ao passarinho, assim como a interpretação dos pesadelos que reserva para Vossa Alteza um destino cruel.

- Posso fazer uma simples pergunta às duas? E já fazendo: por acaso as moças são entendidas em interpretação de sonhos? Se a resposta for não, por que então esse choreiro todo?

Novamente a princesa para de chorar, enquanto a Mahila encara o bem-te-vi que continua falando...

- Mahila, você ensinou-me que quando alguém tem pesadelo, pode ser a presença dos demônios dos sonhos (incubo ou sucubo), não é mesmo? Neste caso o sonho não quer dizer nada e aí vocês estão chorando à-toa!

- É mesmo, bem-te-vi! – apoiando a ideia do passarinho, Mahila se dirige á Ychy:

- Princesa, o nosso amigo penado pode estar certo. Não adianta a gente ficar aqui chorando sem ter certeza de nada. Vamos consultar quem realmente entenda de sonhos. Deixa-me pensar... Fada dos Sonhos... Morfeu, o deus grego dos sonhos...

- Mahila, seu amigo penado aqui tem outra sugestão. Não precisa ir tão longe! Aqui mesmo tem um mago chamado Teófilo, ele é portador de uma grande magia. Ele é amigo dos deuses e sabe interpretar sonhos como ninguém. O mago que lhes falei fica a três quilômetros a sudoeste daqui do bosque.

- Vamos às buscas de nossas respostas, Mahila. Você quer vir com a gente, bem-te-vi? – pergunta a princesa agora com esperança de que tudo termine bem.

- Se for com vocês, quem dará comida aos meus filhotinhos? – pergunta o passarinho em dúvida.

- Venha conosco, bem-te-vi, prometo que lhe recompensarei mais tarde!

- Não quero recompensa não, Alteza! Apenas quero que os meus filhinhos não tenham fome. Tá bom! Vou com vocês! Ao que me parece só eu é que sei o caminho certo para se chegar ao mago mesmo!

As duas moças vibram com a notícia e colocam os pés a caminho ao encontro com o mago.

- Nossa, que castelo lindo! Como faremos para entrar?

Mal a princesa fechou a boca e a enorme porta do castelo se abriu. Assim também aconteceram com as outras portas, até as nossas personagens estarem diante do mago, no local em que este trabalha.

Teófilo aparentava ser bem velho. Devia ter no mínimo uns oitocentos anos, trajava uma roupa parecendo um robe longo feito de seda na cor amarela, toda estampada com pequeninos olhos de Hórus, um Kepá, chapéu parecido com o dos cardeais, também amarelo com o símbolo do infinito grande nele, ou seja, do número oito deitado. O olho de Hórus e o símbolo do infinito eram na cor preta. O mago não tinha um fio de cabelo se quer e nem tão pouco usava óculos. O local onde Teófilo trabalhava lembrava uma imensa biblioteca com as paredes cheias de estantes nelas embutidas e sobre essas estantes, livros raríssimos e amarelecidos, porém sem nenhuma poeira. Uma mesa enorme com os apetrechos mágicos e há um telescópio gigantesco de alcance eterno. Teófilo tem um olhar doce e uma voz grave de fazer inveja qualquer baixo de um excelente coral. As moças não sentiam medo do mago, muito pelo contrário, estavam encantadas pela tal oportunidade.

- Princesa Ychy, não precisa se preocupar com o seu futuro. Ele será digno de sua bondade, de sua realeza. – disse o mago serenamente.

- Ahn! Não estou entendendo nada! Meu futuro? Estou aqui por causa dos meus sonhos! Quero saber como faço para me livrar dos demônios dos sonhos que estão fazendo com que eu tenha toda noite pesadelo, inclusive dois deles se repetem todas as noites... não aquento mais de tanto dormir mal e acordar com o rosto amarrotado. – afirmou a princesa Ychy.

- Alteza, a senhorita está apegando a uma aparente realidade que melhor lhe apraz, no que aparentemente seja mais fácil de ser resolvida, em sua opinião. – disse o mago com firmeza, olhando a princesa com o seu meigo olhar.

- Continuo não entendendo nada, mago Teófilo! O bem-te-vi contou a estória dos tais demônios, confirmado pela jovem cigana Mahila! Não é Mahila?! – fala a princesa procurando e encontrando a sua amiga balançando a cabeça confirmando a estória.

- Bem-te-vi? Este bem-te-vi? – questiona o mago se transformando na pequenina ave.

- Então é você o bem-te-vi!... - disseram as duas amigas uníssonas e assustadas, temendo que algo de ruim pudesse acontecer a elas, uma vez que foram atraídas para lá.

- As senhoritas não precisam ficar assustadas. Não lhes farei nenhum mal. A princesa tem sonhos que a perturbam e não a deixam dormir direito. Tenho os significados desses pesadelos, se Sua Alteza não quiser a explicação, podem ir embora as duas. Vocês nunca tiveram presas aqui. – explana mago Teófilo, deixando agora Ychy e Mahila aliviadas.

- Desculpe-nos, senhor mago, pelas desconfianças é que...

-Não precisa explicar princesa. Compreendo o comportamento de vocês. Não há do que desculpar...

- Então conta-nos já, mago Teófilo! O que o senhor quis dizer que eu terei um futuro digno da minha bondade e realeza?

- O que a senhorita tem durante a noite não tem nada haver com os demônios dos sonhos, apesar deles existirem. O que Vossa Alteza tem na hora de dormir não são pesadelos e sim sonhos divinatórios.

- Como assim, mago Teófilo? – questiona Mahila querendo entender melhor tudo aquilo.

- Vou explicar às senhoritas!Não precisa repetir os sonhos para mim porque já tenho o conhecimento deles. Futuramente as coisas acontecerão na mesma sequência dos seus dois sonhos. No primeiro sonho, sua Alteza diz que está se casando vestida de preto e o seu noivo de branco. Na cultura ocidental, a cor preta simboliza morte ou ausência de. Ao casar-se de preto, significa que Vossa Alteza não está a fim de casar com este nobre, não há nenhuma química entre a senhorita e o seu noivo. A mesma coisa acontece com o seu noivo. Este nobre virá das bandas do oriente, porque é lá da cultura oriental que o branco representa o luto. Vou reforçar. A maioria dos povos ocidentais, principalmente cristão, a cor preta representa luto ou ausência de; assim como a maioria dos povos orientais escolheram o branco para representar o luto. Resumindo, os dois, Vossa Alteza e o noivo, não irão se casar e isto será de comum acordo.

- E o segundo sonho, senhor mago?! O que significa? – pergunta Ychy com olhos e ouvidos bem arregalados.

- Se no primeiro sonho o amor que lhe fora oferecido não existia e Vossa Alteza e o seu noivo por isso não quiseram se casar, no segundo o amor não virá fortuitamente. O ladrão que aparece no seu sonho na verdade será o seu amor, a sua pessoa amada, a sua alma gêmea. Ninguém suspeita de uma pessoa de alto poder aquisitivo poder cometer algum furto, embora isso não corresponda à realidade, mas para efeito de estereótipo e simbologia do seu sonho, esta máxima está valendo; ou seja, o seu amado será uma pessoa oriunda da camada popular, um plebeu. Ele aparece no seu sonho como ladrão por puro preconceito seu, da sua família real e da corte em si. O seu amado entra no seu quarto e arranca-lhe o coração, isso significa que a princípio você não aceitará esse amor e resistirá em aceitar amá-lo. A partir daí o seu amado fará de tudo para conquistá-la e conseguirá, tanto é que ele entrará no seu quarto. O quarto representa a nossa individualidade dentro da família, do lar. O ladrão não sai procurando pelo castelo onde fica o seu quarto, ele sabe; se ele sabe é porque ou você mostrou onde fica o seu mundinho ou você já o levou lá. Resumindo: agora ele tem o seu consentimento, mesmo que você queira disfarçar. O rapaz rouba o seu coração, limpa-o e o coloca num pano vermelho. Tirar o seu coração e limpá-lo significa que o preconceito que o seu amor tem por ele chegou ao fim, não existe mais, portanto ele (o coração) já aceita claramente esse amor que já se transformou em paixão, representado aqui pelo pano vermelho (vermelho na cultura ocidental representa o amor, o sexo e a paixão). Nesta noite vocês se amarão plenamente em todos os sentidos. A partir daí Sua Alteza e ele terão um amor recíproco, por isso que ele coloca o coração de Vossa Alteza no peito dele, simbolizando que você agora faz parte dele e vice- versa. – acredito que já terminei com a explicação do seu outro sonho.

- Espera um pouquinho mago! Entendi direito?! Não vou casar com um nobre e sim com um plebeu e depois de vencermos o preconceito, eu e o plebeu nos casaremos! –disse a pensativa princesa.

- Nossa Alteza, que estória linda! – falou a cigana encantada com que ouvira.

- Princesa, esqueci de dizer o velho jargão.

- Qual, grande mago?

- Que vossa alteza, além de casar com esse plebeu, viverá feliz para sempre – disse o mago à Alteza encerrando o assunto.

- Mago Teófilo, será que vou me casar também e viver feliz para sempre?! – indagou a cigana Mahila em tom de brincadeira.

Todos os presentes acabaram caindo na gargalhada.

O FILHO DA POETISA

Filho da Poetisa
Enviado por Filho da Poetisa em 22/07/2010
Código do texto: T2393708