O Paraíso do Viajante
Mãos invisíveis e muito delicadas desfiavam as nuvens em outro dia de verão, com o sol alto a brilhar no céu. Teciam-nas em formas divertidas, as quais o viajante sempre contemplava em seus devaneios: um cavalo a galopar pela imensidão, se tornando líder de uma tropa criada num sopro; um enorme dragão distribuindo baforadas que se condensavam até formar corações como os desenhados pelas crianças da aldeia; pipas com rabiolas que se tornavam serpentes a uma mudança do vento.
O vento! Este sempre aquiescia sua alma. Trazia canções de um tempo distante, deixado a muito para trás, refrescava o calor com os respingos do mar. Acariciava seu rosto, o beijava, lembrando a esposa que o esperava voltar um dia. Ele sempre sorria, sempre, cada vez que memórias felizes fulguravam em sua mente, em lindos prados e colina alta, com um grande carvalho fazendo sombra no topo. Ali ele namorava ou levava os filhos para brincar, sabendo que encontrariam sua outra metade sob os mesmos galhos, e no tronco entalhariam seus nomes.
Sentia saudades, mas o embalo das águas límpidas, azuis como o céu e suas poucas nuvens moldadas, logo o confortava. Aninhava sua pequena balsa com o carinho de uma mãe, enquanto inúmeros peixes coloridos a rodeavam. Por vezes arriscavam alguns saltos, caindo em seu colo como um presente para matar a fome, ao passo que as gaivotas e pelicanos, por não possuírem a mesma sorte, tinham de mergulhar para pegá-los. Por vezes eram golfinhos a seguir o barco, cantando daquela forma que só eles conseguem, ou então uma baleia fazia sombra nas profundezas. Seu cântico era melancólico porém belo, carregado de gentileza. Impossível era sentir medo diante de algo tão grandioso.
Lágrimas vertiam de seus olhos, mas eram de felicidade. Uma eterna felicidade, pois aquele era um terrível bandido, cuja família nem suspeitava de onde vinha o sustento até então. Um dia cometeu o erro de se entregar a uma ambição que fugiu de seu controle. Invadiu os salões de tesouro do rei. Foi capturado e sentenciado a navegar para sempre em uma balsa, sob um encanto que o impedia de morrer.
A mágica forçava um sorriso em seu rosto, mas os olhos expressavam uma agonia imortal.
“And you will go to Mykonos
With a vision of a gentle coast
And a sun to maybe dissipate
Shadows of the mess you made”