COCA RECOCA QUE O MATO ME DEU....

Minhas lembranças me acompanham sempre e estão a todo o momento aflorando em meus pensamentos. Mas agora, mexendo nos arquivos fotográficos da família... Ah! Quanta coisa a relembrar...

Mas o que mais atraiu minha atenção e aguçou minhas lembranças foram às fotos de meu querido avô espanhol... Pai de minha mãe. Ele era uma delicia de avô, um homem sensível em sua ignorância, de um caráter ilibado. De uma força moral, tanta ou maior quanto seu tamanho físico, 1,96 de altura, forte... Muito forte, tanto que nos carregava pendurado em seu pescoço, eu, meu irmão e um dos primos que estava sempre conosco. E olha que já éramos altos. Ele viveu uma parte de sua vida como fazendeiro; e foi nessa época que reunia todos os netos para contar suas estórias. Ficávamos num terreiro, em roda, vovô fechando o circulo, todos sentados no chão e uma fogueira no centro.

E já nessa época, ouvíamos “senta, que lá vem estórias”.... Mas havia uma que me encantava, não tanto pelo conteúdo em si, mas pela maneira como ele contava... Ele não podia errar ou esquecer nenhuma palavra e as dizia muito rápido e de uma maneira peculiar. E foi justamente essa que eu gravei e jamais a esqueci. Alias, sou a única neta que sabe repeti-la na íntegra...

Não me perguntem, se tinha alguma moral embutida, ou coisa que o valha...

Sei que alguns (ou muitos) sentirão vontade de me estapear... Mas tentem falar bem rápido, sem errar e sem esquecer. Minha intenção é tão somente relembrar bons momentos que vivi na minha infância....

Senta que lá vem estória:

Era uma vez um menino que gostava muito de caçar passarinhos. Um dia nas suas andanças, caçou uma coca-recoca e todo feliz da vida, correu para casa, a fim de pedir a mãe para preparar a coca-recoca. A mãe muito contente se pôs a preparar a pequena ave.

Já na panela, com temperos, com os cuidados culinários, a coca-recoca começou a cheirar.

-Hummm! Que aroma delicioso, vou experimentar. .. Muito bom... Mais um pouquinho de fogo.

Mais um pedacinho... Ótimo... Mais um tequinho... De pedacinho em pedacinho, a pobre mãe comeu tudo... Nada sobrando.

O menino voltou e disse: mãe cadê a coca-recoca que o mato me deu?

-Comi tudo filho, mas toma um bocado de angu. O menino nervoso atacou o angu na parede e saiu. Andou. Andou e voltou dizendo:

-Parede me dá meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca. Coca-recoca que o mato me deu. A parede respondeu: Não tenho mais... Tome um sabão. O menino andou e viu uma lavadeira, lavando roupa sem sabão, deu a ela. Andou, andou e voltou:

-Lavadeira me dá meu sabão, sabão parede me deu, parede comeu meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca, coca-recoca que o mato me deu. A lavadeira sem poder devolver o sabão, deu ao menino uma camisa. O menino seguiu adiante e viu um homem sem camisa fazendo cestos e com muito frio. Deu então a camisa... Mas depois de muito andar, voltou e disse:

-Cesteiro me da minha camisa, camisa lavadeira me deu, lavadeira pegou meu sabão, sabão parede me deu, parede comeu meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca, coca-recoca que o mato me deu. O cesteiro deu então, um cesto. O menino novamente saiu andando e encontrou um homem vendendo pães... e resolveu dar o cesto...mais adiante voltou:

- Padeiro me da meu cesto, cesto cesteiro me deu, cesteiro pegou minha camisa, camisa lavadeira me deu, lavadeira pegou meu sabão, sabão parede me deu, parede comeu meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca, coca-recoca que o mato me deu. O padeiro deu então, alguns pães. O menino andou muito e viu algumas moças tomando café sem pão, preocupado deu os pães a elas e se foi... Lá adiante resolveu voltar:

- Moça me dá meu pão, pão padeiro me deu, padeiro pegou meu cesto, cesto cesteiro me deu, cesteiro pegou minha camisa, camisa lavadeira me deu, lavadeira pegou meu sabão, sabão parede me deu, parede comeu meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca, coca-recoca que o mato me deu. Sem ter como devolver o pão, deram lhe uma moça.

O menino andou, andou e encontrou um homem que queria casar, mas não tinha noiva. O menino compadecido deu a moça ao homem. Após algum tempo, ele retorna:

- Moço me da minha moça, moça outra moça me deu, outra moça comeu meu pão, pão padeiro me deu, padeiro pegou meu cesto, cesto cesteiro me deu, cesteiro pegou minha camisa, camisa lavadeira me deu, lavadeira pegou meu sabão, sabão parede me deu, parede comeu meu angu, angu minha mãe me deu, minha mãe comeu minha coca, coca-recoca que o mato me deu. O homem então, não querendo devolver a moça, deu ao menino um violão.

O menino andou, andou e encontrando um morro subiu, no momento em que o sol se recolhia para seu sono reparador... E diante de tão linda paisagem se pôs a cantar...

- De uma coca eu fiz um angu, do angu eu fiz um sabão, do sabão eu fiz uma camisa, da camisa eu fiz um cesto, do cesto eu fiz um pão, do pão eu ganhei uma moça, da moça eu casei um homem e do homem eu ganhei um violão, tudo com uma coca-recoca que o mato meu deu.

Fim da estória. E esse final ele cantava, acompanhado do violão, divinamente.

A moral da estória fica por conta de quem aguentou ler até o final... rsrsrs.

Quem quiser que conte outra.

KOKRANNE
Enviado por KOKRANNE em 10/07/2010
Reeditado em 10/07/2010
Código do texto: T2369585
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