Torre

Eram sete torres sob uma noite amarelada e esperada ansiosamente. Mas, havia mais. Os degraus deslizantes que escorriam pelas paredes, muros e chaminés, os galpões escuros, os portões fechados e as salas trancadas. Embora todos soubessem o que aconteceria, teve que esperar o esvaziamento. É no escuro onde tudo acontece, só nele. Chegado o ponteiro ao onze, olhou da torre para a terra desolada sob o refletor, teria que andar até lá. Carregava a caixa nos braços e uns vidros brincavam dentro dela, rezou para que não derramassem, não em cima dele. Desceu com cuidado, mas sem gastar muito tempo, e logo estava atravessando o pátio. Lá encontrou três outros, mal se conheciam, mas foram designados para fazer aquilo juntos. Talvez, para dividir a culpa.

Cada um trazia sua caixa de substâncias para serem descartadas, na verdade, um deles empurrava um carrinho, parecido com os de supermercado. Eram frascos demais, não caberiam em uma caixa. Cumprimentaram-se, fingindo que se importavam com o que fariam. Na verdade, estavam adorando. Era só mais uma incumbência medíocre e aquela lhes renderia uma deliciosa folga num sábado. Enfim, cruzaram o caminho até a terra solitária. Era um pequeno recorte no cimento que surpreendentemente resolveram preservar. Em algum dia, ele seria útil e não demorou. Era tão seco, pálido e morto que poderia ser facilmente confundido com cimento e confundiam.

Havia uma pá e as instruções exigiam uma cova de sete palmos, mas dois ou três seriam o bastante. “Já está tudo morto mesmo”, pensaram. Quase estavam certos, pela primeira vez. O do carrinho tomou a iniciativa e timidamente fez um buraco, enquanto os outros esperavam destampando os frascos. “Maldita terra”, “maldito trabalho”, “maldito buraco”, quase dava para ouvir. O suor começou a escorrer, mas logo ele se deu por satisfeito. “Não tem nem um palmo”, o outro disse. “Se furarmos mais, chegaremos ao inferno.”

Descartando a ideia de irem ao inferno, contentaram-se com o buraco e sem qualquer cerimônia, começaram a despejar. Primeiro os frascos menores. “Tem certeza de que não vão precisar mais disso?” Ninguém respondeu e já começaram a despejar o segundo. As substâncias eram extremamente fortes e quando tocavam a terra faziam subir uma poeira fina e algumas reagiam em contato até mesmo com o ar. Logo, sentiram um odor insuportável que queimava as narinas e feria a garganta. Só naquele momento é que a operação lhes pareceu realmente inescrupulosa. “Por que não descartaram isso com os outros materiais?”, a voz saiu meio entranha, porque protegia o nariz com uma das mãos. Já estavam na terceira garrafa. A terra do buraco estava avermelhada e um barro começava a se formar. Despejaram mais uma. “Puxa, onde compraram esse? Isso é ilegal!” Esvaziaram mais uma garrafa. O odor piorava e o buraco enchia, já estava quase na borda. Transborda! Transborda! “Não vai caber tudo”. Para resolver o problema, decidiram ampliar o buraco. “Com cuidado, com cuidado, se espirrar em mim, mato você.” Dois ou três golpes e o líquido começou a diminuir, estava escorrendo para algum lugar. Para o inferno? Aproveitaram e despejaram o restante. Um frasco em cada mão. O odor tornou-se insuportável, tossiam e mal respiravam. Foram embora. Estava feito.

Não tiveram uma noite muito tranquila, talvez já fosse a pontinha da culpa. Afinal de contas, estavam imundos, trabalho sujo, sabe? Souberam no instante em que chegaram à indústria, do portão já puderam ver oito torres. Mais uma? Correram e se juntaram à multidão que estatelada olhava a árvore frondosa que brotara no pequeno pedaço de terra. E ela era realmente grande e vistosa. Uma maravilha! Folhas redondas e inacreditavelmente verdes pendiam sobre um tronco largo que precisava de cinco homens para ser abraçado. As raízes destruíram parte do pátio e o refletor mais próximo já estava torto. “De onde veio aquilo?” Do inferno?

Dizem que aquilo não parou. Toda noite apareciam mais e mais árvores e logo as dependências da indústria ficaram comprometidas. Apareceram flores, cipós, arbustos, grama e milhares de árvores. Dizem que toda noite apareciam duas ou três e quando tentavam cortá-las, no outro dia apareciam duas vezes mais. Não demorou para que tivessem que abandonar as torres, os galpões e as salas e dizem que naquele lugar apareceu uma floresta maravilhosa e que as árvores de lá exalavam um perfume delicioso. Dizem que é cheiro de vingança, outros dizem que é de desaforo, eu digo que foi bem feito!