Tinta & Pena • 25

Tinta & Pena - Parte 2 - Capítulo Doze

A Floresta Espinhosa

"Bem-vindo à Floresta Espinhosa

Receptiva e carinhosa

Fique à vontade para me explorar

Cuidado para não se furar!"

Vinci tinha uma espada em mãos. Nenhuma no coração. Quando criança, imaginava poder fazer mil coisas com um pedaço de madeira que para ele era uma poderosa espada. Cruzava mares, defendia inocentes, eliminava o inimigo com força, garra e determinação. E ele estava ali com uma espada verdadeira em mãos. Sealina era o nome dela. Pertencera ao seu pai antes de sua queda, como ele mesmo dissera. Uma espada nobre da nobre Dol Sirim, a Cidade do Mar. O que ele podia querer além disso?

A guerra em sua mente chegava ao clímax. No fim, o que o motivou a continuar (ou a vencer a batalha) foram duas pessoas: Nenian e Flecha. Apesar de o conhece-los há um pouco menos de dois dias, parecia um pouco menos de dois mil anos. Nenian, Flecha e até mesmo Lin, eram como aquelas pessoas que entram em nossas vidas, e nós temos a impressão que já a conhecemos há tempos - em algum lugarzinho em nossa mente. Foi pensando neles que ele levantou-se e procurou pela saída do Salão do Abate.

Seguiu por corredores escuros, desceu algumas escadas e logo viu a luz do dia iluminando os primeiros (ou últimos) degraus do último (ou primeiro) lance da escadaria. Desceu-os torcendo para não haver guardas ali. Teve sorte, pois como Trintem dissera, havia poucos tubarões naquele covil. A porta dos fundos do Salão ficou sem vigias, e (o que era melhor) aberta, para o caso de algum recuo necessário. Vinci saio protegendo os olhos da luz do sol.

Piscou-os e viu que o caminho que separava o abismo, que estava a sua frente, do lugar, no qual ele estivera, levava de volta ao interior das instalações "tubarônicas", para as ruas que ele tinha percorrido. Vinci sabia disso tão bem quanto sabia que o único jeito de escapar seria descendo o abismo em direção ao Vale dos Espinhos - Como Trintem "O Branco" dissera.

Ele já podia divisar a extensão floresta a sua frente e ficou pasmo. Não chorava mais, agia por instinto. Queria escapar daquilo tudo só para seus amigos outra vez. Bem... sejamos sinceros: Ele queria escapar de tudo aquilo só para ver Nenian outra vez. Queria alimentar-se da onda de energia que sentira na primeira vez que a vira.

Por ela ele desceu o paredão. Agarrando-se, como um gato assustado, as reentrâncias irregulares da rocha. "Para quem já voou numa gulina gigante isso é coco e água" - Pensava ele. Estava enganado. Não foi pior que o vôo em Delaina, mas chegou bem perto. Pôs finalmente o pé no chão, deitou-se nele e ficou por alguns segundos respirando fundo - aliviado. Em sua frente, a uns cinqüenta metros, uma floresta peculiar se estendia. Percebeu isso ao aproximar-se - Era uma floresta de espinhos. Plantas estranhas que ele nunca tinha visto nem em sonho. Achou-as condizentes com aquela terra, a "Amaldiçoada".

Vinci caminhou de um lado ao outro em frente àquele emaranhado de plantas espinhosas procurando por uma entrada. Talvez um arco feito de espinhos entrelaçados e uma placa: "Bem-vindo à Floresta Espinhosa, receptiva e carinhosa. Fique à vontade para me explorar, só tome cuidado pra não se furar!" Tudo isso talhado numa madeira velha, quase podre e ruida. Não achou nada parecido. Sentou-se numa pedra enquanto o Sol esquentava cada vez mais. Olhava para a orla da floresta, pensativo.

"Se não existe uma porta: abra-a. Se não há uma trilha faça-a!"

Levantou-se e retirou a Sealina da bainha azul, adornada com ondas esverdeadas que pareciam algas marinhas ondulando. Pela primeira vez a contemplou à luz da manhã. Era o objeto mais bonito e precioso que já possuíra na vida. Ornamentada no punho e no guarda-mão com pequenas figuras em alto-relevo de conchas e cavalos-marinhos em ondas. O metal que compunha a lâmina era levemente azulado . No centro do guarda-mão, acima do punho havia uma linda pérola incrustada, era azulada-esverdeada como uma bola de gude, com uma manchinha branca no meio que lembrava bastante um golfinho nadando. Ao mudar o ângulo de visão a impressão que tinha-se era exatamente esta, que o golfinho estava nadando calmamente.

Ficou fascinado.

Maravilhado.

Uma parte dele morreu só em ver aquela belíssima obra de arte. Ficou tão comovido que no futuro considerou este momento como divisor de águas. Jamais olharia para qualquer coisa, trabalho humano ou divino, da mesma forma. E o mar jamais seria o mesmo para ele, agora que tinha o aço-marinho em mãos.

Olhou para a vegetação fechada em sua frente. Era como se a floresta tivesse tido o trabalho de fechar-se. Como os homens faziam com as muralhas. Espinhos grandes e pequenos, grossos e finos o ameaçavam. A muralha media de três a cinco metros de altura.

Vinci desferiu o primeiro golpe com grande fúria. Lembrava-se de tudo o que acontecera a cada golpe. Fechava os olhos e as imagens recentes repassavam-se. As terras correndo em baixo das rápidas e rígidas patas da loka (pronuncia-se lóca). O olhar inteligente que ele viu no animal na luz alaranjada das tochas. A luz na escuridão do Salão do Abate. Tudo isso dançava ao som das últimas palavras de Trintem Laipotem.

Já tinha amputado muitas plantas espinhosas (algumas carnívoras), de cores chamativas, vermelhas e amarelas com verde, quando levou (mais) um susto. Algumas heras compridas se recolheram rapidamente ao serem atingidas, causando uma grande movimentação nas demais plantas em sua volta. Vinci ficou paralisado. Sabia que o objetivo primário de uma arma era atingir seres vivos animados. Mas isso era a última coisa que passava pela cabeça dele ao se considerar Senhor da Sealina. Ao perceber que tinha atingido uma planta "animada" ficou horrorizado, sim, e paralisado.

Alguns segundos depois o estardalhaço parou. Vinci continuou apreensivo, com intervalos maiores entre um golpe e outro. Com o fim de perceber algum som de protesto ao último golpe da espada do mar. Não ouve mais movimentação senão a sua própria. As folhas, os caules, brotos, ramos e espinhos caiam aos seus pés como micro-soldados caídos num campo de batalha, mas o sangue que fluía e borrifava o ar era verde e branco.

Aos poucos os "inimigos" foram rareando, até que cessaram. Vinci encontrou-se numa rua no meio da Floresta Espinhosa - que era como chamava-a - Tinha transposto a muralha. A rua dava caminho tanto para direita como para esquerda, menos para frente, à frente havia (o que provavelmente era) mais uma muralha. Quando quis ficar em dúvida sentiu um breve calafrio, ao ter a súbita percepção que alguém, não muito amigável, (talvez um dos Pássaros que seu pai falara) pudesse segui-lo e captura-lo (mais uma vez). Talvez fosse infundado o seu medo, mas talvez não. Uma vez que ele deixara um indicativo muito grande de qual caminho seguira. Esse indicativo ficaria menos "indicativo" agora. Se ele tomasse logo uma decisão de para qual lado seguiria. Continuar a fazer buracos na parede seria tolice - pensava ele, e tinha razão.

Perceptivamente, o caminho da esquerda era um pouco mais estreito que o da direita. E se estreitava cada vez mais - era a impressão que dava. "Já que estou seguindo minha Estrada Estreita, esse só pode ser o meu caminho"

Pensou Vinci, e então a voz de seu pai falou:

"O que é a Estrada Estreita? Se não um caminho estreito até a Larga?"

- Pois bem - respondeu audivelmente - mesmo se o estreito não for o caminho certo, me levará até lá.

Limpou a lâmina da Sealina na camisa e pôs de volta na bainha, seguindo o caminho da esquerda. O mais estreito.

[...]

Aqui vamos deixa-lo por enquanto, pois precisamos saber o que a outra parte do Gunpix de Silan fazia neste momento. Sabemos que eles encontraram um membro dos Pássaros do Crepúsculo, na rua que passava entre a plantação de girassóis, e que ele lhes contou da captura de Vinci e onde, provavelmente, ele estava. Flecha pediu a ajuda do Pássaro, que a propósito chamava-se Krivelin, para encontrar Vinci. E é aqui que os encontramos novamente.

Flecha olhava para o Falcão Negro (que chamava-se Krokan) como você talvez olharia para um dinossauro bem em sua frente. Queria evitar fita-lo mas seu senso de sobrevivência de "caça" obrigava-o a olhar para o "caçador" esperando pelo bote e pronto para se enfiar no primeiro buraco a surgir. O negrume cintilante das penas da ave só era contrastado pelo laranja forte de seus olhos brilhantes.

- Mas tudo bem... - Disse o dono da ave - posso levá-los até lá se é o que querem... Digo "levá-los" pois se forem com suas pernas não chegaram hoje, nem amanhã, talvez dia nenhum. O que preciso saber de vocês,"machos" (olhando para Flecha e Lin), é só uma coisa: Estão dispostos a viajar na bagageira? Pois Krokan é forte, mas não conseguirá voar com todos vocês em suas costas. O limite para as costas é dois, o guia mais um. Suponho que a moça deva ir montada e vocês dois na bagageira, estou certo?

- Ela é uma nindano - Disse Lin.

- Perdão?

- Nindano, o Povo Pássaro. - Disse Lin - Ela tem asas e voa, pode nos acompanhar enquanto eu vou montado e o nosso amigo Flecha de Barril aqui vai na bagageira. - Completou dando um tapinha nas costas de Flecha.

- Não! - Protestou Nenian ruidosamente - Nunca - Falou mais baixo.

- Por quê? - Perguntou Lin.

- Você não conhece bem os nindanos conhece? - Interveio Flecha rapidamente - Eles não podem voar longas distâncias, isso é extremamente cansativo para eles. Só por que você pode correr não significa que consiga seguir um cavalo correndo, não é? - Pensou em concluir assim: "Seu egoísta", mas reprimiu-se.

- Tudo bem então está decidido. - Disse Krivelin.

- Não está nada decidido - Falou Lin - é contra a Lei de Dreamenin, um príncipe, como eu, andar na bagageira de qualquer carruagem que seja, mesmo se for um passarinho crescido. - Recebeu um olhar nada amigável de Krokan com seus olhos que pareciam fogo numa bola de vidro.

- Tudo bem eu vou na bagageira - Falou Nenian.

- Seu... - Ia falando Flecha mas conteve-se novamente.

- Está certo, não me convém mexer nas leis de vocês da grande terra no Oeste, mas que são leis muito estranhas, ah isso são... por um príncipe a frente de uma donzela... - Dizia Krivelin mexendo em alguma coisa em sua bolsa presa nas costas de Krokan. Retirou por fim a bagageira, que era uma grande bolsa de couro amaçada, jogando-a no chão.

Nenian e Flecha perceberam horrorizados a movimentação na mão de Lin em direção a sua espada findolina.

Nenian delicadamente pôs sua mão sobre a dele, olhou nos seus olhos e falou só com os lábios: Pelo Gunpix.

Para o alívio dela e de Flecha ele relaxou.

- Pelo Gunpix... - Falou ironicamente virando-se para ver Krivelin terminando amarrar a primeira alça da bagageira numa das patas de Krokan. Dera muito nós e agora dava o último, passando sistematicamente para a outra.

- Podemos ir viajantes? - Disse Krivelin ao dar o último nó e verificar se estava mesmo firme..

Nenian e Flecha olhavam para a bolsa que ele chamava de bagageira e só agora entendiam plenamente o que significava "voar na bagageira". Significava que eles iriam pendurados por uma alça de cada lado numa bolsa de coro amarrada acima de um grande exporão na pata do pássaro negro - o que garantia que eles não escorregariam durante a viagem. Voariam pendurados como num grande "balanço de parquinho" que balançaria muito, muito mesmo.

- Espere, precisamos nos despedir de Felícia e Mãe. - Disse Nenian apreensiva.

- Não temos tempo Nenian, Vinci corre perigo. - Falou Flecha - Se não formos já, quando chegarmos lá, podemos nos arrepender pelo resto de nossos dias com o que vamos ver.

- Está certo, mas vamos voltar aqui quando tudo acabar bem. - Disse ela.

- Se. Se tudo acabar bem minha jovem, o que certamente não acontecerá - Disse Krivelin preparando Krokan para a viajem, montando-o e convidando Lin para fazer o mesmo.

Quando Lin obedeceu, todo sem jeito, Krivelin falou com sua voz grave:

- Krink Krokan - ken kun kan! - Rapidamente deixando todos com a pergunta: "O quê ele falou?" na cabeça.

Krokan esticou suas longas asas como se estivesse espreguiçando-se, então bateu-as levemente até ganhar uma altura razoável, deixando a bagageira a um palmo do chão.

Flecha e Nenian finalmente notaram que não eram apenas duas alças amarradas nas patas de Krokan. Mais duas alças grossas prendiam-se na cela, em cima do animal, num círculo-corredor de ferro - o que tinha grande participação na aterrissagem, e diminuiria o balanço de qualquer forma. Então subiram tremendo e segurando-se um no outro se sentaram.

- Krink Krokan Ken! - Gritou Krivelin ao que Krokan respondeu com um:

- Woaaaaa!

E ganhou altitude numa velocidade muito superior ao que seus três novos passageiros gostariam.

Rapidamente o campo de girassóis ficou para trás e a casa de Felícia era apenas um ponto na grande extensão de terra em baixo deles. Lin agarrava-se a Krivelin de olhos fechados. Flecha segurava-se em Nenian e Nenian segurava-se em Flecha, amedrontados de mais para divertirem-se com aquela experiência fantástica.

- Wouaaaa! - Gritava o Falcão Negro nos vastos céus de Benna, a Amaldiçoada.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 27/06/2010
Reeditado em 07/10/2010
Código do texto: T2345085
Classificação de conteúdo: seguro
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