O segredo de Rapunzel
A verdadeira história de Gabriela Rapunzel, a princesa aprisionada na torre
Você já teve a sensação de estar presa? Eu não sei se é fácil pra todos entenderem como é passar a vida inteira trancada na torre mais alta, do castelo mais alto, da província mais distante, do reinado mais esquecido de todo o planeta. Dá pra entender? Imagino que não seria uma tarefa fácil para qualquer um, e é quase estressante estar na minha situação. Eu sou a princesa presa na torre.
Quando somos jovens garotinhas, correndo pelas planícies das terras baixas, ninguém nos conta como a vida é, apenas continuamos correndo entre os prados e imaginando o que o futuro nos aguarda. Quando eu tinha apenas quatro anos, minha mãe foi escolhida em casamento pelo príncipe Ricardo XVII, o maligno chefe das terras de Midland. Minha mãe não teve outros filhos e eu me tornei a única herdeira ao trono. Rei Ricardo, apesar de detestável como rei, se mostrou um pai amável e cauteloso, quando minha mãe desfaleceu aos meus sete anos.
O problema veio aos meus oito, em uma carruagem de ouro com um cocheiro de barba longa. Uma condessa das terras altas chegou ao palácio com o seu cocheiro, duas damas de companhia e uma proposta atraente ao rei Ricardo. Em troca de torná-la sua rainha, Ricardo teria a devoção completa dos moradores das Terras altas governadas por Antonio I, pai da condessa e, com isso, o comércio poderia se expandir facilmente por todo o continente. A condessa Alexandra se tornou a rainha, e o filho que ela teve um ano após o casamento, o único herdeiro do trono, por que a filha mais velha do rei, eu, havia desaparecido e possivelmente se afogado no lago. Enquanto o cocheiro e a rainha se encarregavam de espalhar a terrível notícia da minha morte – uma mentira, por sinal – eu estava aprisionada no alto de uma torre, tendo a própria rainha como minha carcereira. O que Ricardo não sabia, é que a sua esposa Alexandra era uma grande dominadora das artes negras. Em outras palavras? Alexandra era uma bruxa.
Envenenando meu rei, dia-a-dia, com pequenas doses de veneno de rato, ela ficava mais e mais poderosa tendo a devoção do povo voltada para si. Quando Ricardo desfaleceu, perdi quase que por completo minhas esperanças de ser salva, meu único rei, o único homem que eu já admirei e amei estava morto, e a nefasta Alexandra tinha o poder. E eu? Estou até hoje presa na tal torre. É irritante minha situação atual, se quer saber. Poderia ser pior, creio eu, mas até descobrir o que seria pior, fico com algumas lamentações sobre continuar aqui em cima. Queria conhecer o resto do palácio, ver como anda as colheitas em Midland, ser a rainha e tornar a vida mais fácil e livre para todas. Se eu fosse libertada dessa prisão, encontraria meu príncipe encantado e seria a melhor rainha que o mundo já viu. Quem me dera, se fosse possível...
Tenho hoje meus singelos 19, e nunca ao menos estive à presença de alguém além da rainha. Não me lembro muito do passado, e mesmo que lembrasse não posso viver de lembranças. Hoje é só mais um dia como outro qualquer, e eu não espero que nada demais aconteça, e diferente dos outros dias, hoje aconteceu. Nunca fui muito boa em adivinhações mesmo. Estive sentada frente a sacada o dia inteiro, quando ouvi um som desconhecido, lembrava um pássaro mas a melodia era suave e marcada demais. Debrucei-me a beira da janela e vi um cavaleiro montado em seu cavalo branco tocar um instrumento estranho enquanto cruzava a estrada frente a minha janela. Assoviei alto, mas o cavaleiro não me ouviu, e voltou ao seu passeio. A torre era tão alta, que o cavaleiro não pôde me ouvir. Um pouco de esperança me assaltou a alma, as estradas não eram tão desertas assim como eu previa, e quem sabe assim alguém viesse me resgatar! Alexandra se torna cada dia mais cruel, mas sua maldade não chega a face, com mil pactos com as trevas ela se mantém jovem e linda, como nunca fora antes de ter dinheiro. O dinheiro que devia ser meu por direito!
Certo dia, eu cantava a beira da janela, observando a estrada, quando um andarilho passou rente a torre. Chamei alto e ele olhou para cima, mas a torre é tão alta, que o andarilho não pôde me ver. Pouco tempo adiante, um outro homem cruzou a minha janela, não trajava roupas de soldado ou da corte, mas era minha esperança. Chamei por ele, que não conseguiu me ouvir, assim como o cavaleiro de 20 noites atrás. Sentei a janela e cantei uma triste canção pra tirar aquele peso do coração, e enquanto eu cantava, ouvi uma voz. A voz que chamava por uma princesa. Corri a janela e o homem olhava para cima:
- O que fazes tu aí em cima, ó formosa dama? Deverias estar aqui deixando que as flores te invejem e que eu te galanteie.
- Quem me dera, gentil senhor, mas estou presa aqui faz muitos anos.
- Eu não posso escutar-te daqui debaixo. Deixa-me subir? – O homem observou a torre e depois completou; - mas não há portas!
- Nem janelas baixas! Não sei como deixar-te entrar.
- Não se aflija, ó adorável donzela, jogue suas tranças que eu chegarei até você!
Joguei minhas tranças pela janela, e o homem subiu por elas, até mim.
- Ora! Mas quem diria? És ainda maior beldade de perto do que de longe! Como nunca te vi cruzar pelo reino?
- Já te disse, cavaleiro, sou aqui prisioneira.
- Por que não foges?
- Não há portas, cavaleiro.
- Sinto informar-te, mas não possuo tal posição de cavaleiro.
- Sim, e quem és tu?
- Arthur, filho de Zacarias. E tu quem és?
- Gabriela, filha de Ricardo XVII, mas pode dizer-me Rapunzel.
- Filha do falecido rei? Rapunzel... Que belíssimo nome, para a mais bela dama que eu já vi! Deixa-me tirar-te desta prisão.
- Eu gostaria de tua ajuda, mas com Alexandra em Midland, dariam por minha falta antes mesmo de me permitir fugir.
Ouvi Alexandra chegar, seus passos ecoavam na minha mente e pelas escadas da torre.
- Tu tens de fugir, Arthur. Ela está chegando!
- Sim, eu vou. Mas, voltarei minha dama. E te salvarei. Prometo!
- Vá logo! É perigoso ficar aqui.
- Queres que eu volte?
- Sim, quero, e só te deixo partir por que zelo por tua segurança.
Arthur pegou minha mão e beijou-a, depois partiu descendo a torre pelas minhas tranças. Mal ele fora embora, Alexandra adentrou meu quarto:
- Que fazes nesta janela, insolente?
Não respondi, e isso despertou-lhe mais ainda a fúria.
- Não vai responder? O gato comeu-te a língua? Pois bem, fique aqui sem ceia e podes voltar a se lamuriar na janela. Não sonhe demais, Gabriela, sonhos são o caminho do fracasso.
É mentira o que ela diz. Eu sei, depois de hoje eu sei que sonhos vão se realizar se eu sonhar com vontade e pedir direito. E sei que meu príncipe vai voltar amanhã.
Arthur voltou no dia seguinte, e no dia depois daquele, e no outro, e no outro... Sentia-me grata com todos os Deuses pela alegria que ele trazia. Sua voz e coragem eram um sopro de felicidade na minha vida. Fazíamos planos pra quando fossemos fugir e ele me ensinava a tocar flauta. Não conseguia compreender por que ele não me ajudava a fugir logo, então perguntei-lhe:
- Por que não me tira desta torre?
- Não é por falta de amor ou coragem da minha parte, Rapunzel, mas seria perigoso fugir sem um plano perfeito. Não quero arriscar te perder...
- Alexandra está voltando! Desça, vamos, desça.
Ele sentou a janela e segurou minhas tranças, suas botas bateram nas pedras da torre e ele deu o primeiro passo rumo a descida. Antes de descer, voltou a sentar a janela e me disse:
- Eu voltarei, Rapunzel. Todos os dias até poder te levar comigo.
E me beijou os lábios. Nunca havia sido beijada antes, e quando ele me tomou nos braços, esqueci que a madrasta subia as escadas, esqueci do perigo, esqueci de tudo. Ele se foi, descendo a torre pelas minhas tranças e eu me virei para Alexandra, sem jamais tirar Arthur do pensamento. Tomei coragem e perguntei ao monstro que me deixava presa:
- Alexandra, por que tu não me deixas sair?
- E perder meu lugar no trono?
- Eu nem quero teu lugar, deixe-me sair que eu fugirei para longe, bem longe daqui e tu nunca mais me verás.
- Em primeiro: não te acredito, e em segundo: de onde vem toda essa fome por liberdade? Tu não eras assim...
- Eu quero ver o mundo! Deixa-me ir, quero conhecer a praia e tocar flauta!
- Como tu sabe algo sobre a praia?
- Os livros do meu pai, Alexandra. Todos contam histórias de guerreiros cruzando os mares em busca de liberdade e tesouros.
- Flauta, Rapunzel?
- Eu conheço algumas coisas...
Alexandra mexeu as mãos no ar e disse:
- Não minta a minha pessoa, Gabriela Rapunzel. Vós não podeis mentir para mim.
Quando me vi, estava presa a verdade, e não consegui mentir-lhe:
- Um homem que me visita me ensinou.
- Um homem? Um homem te visita quando não me encontro na torre? - Ela me bateu no rosto e me deixou cair no chão para depois levantar-me: - E como ele sobe a torre alta?
- Por meus cabelos dourados.
- Pois ele se arrependerá de intrometer-se no meu reinado!
- Ele nada te fez, deixe-o em paz!
- Cala-te, sua insolente!
Naquela noite, Alexandra cortou minhas tranças, e me amarrou ao pé da cama. Adormeci somente de madrugada, exausta de tanto chorar pela segurança de Arthur. Na manhã seguinte, Arthur parou a minha janela e gritou:
- Rapunzel, Rapunzel, jogue suas tranças cor-de-mel.
Antes que eu fosse capaz de avisar-lhe que partisse, Alexandra tapou minha boca e lançou as tranças a ele. Arthur subiu a torre como sempre e ela estendeu-lhe apenas a mão que não me segurava, só quando já estava debaixo das garras dela ele se deu conta do que acontecia. Alexandra lançou-o pela janela, sobre as roseiras e eu pude apenas ouvir seus lamurios de dor. Nada podia eu, a princesa presa na torre fazer.
Alexandra desceu atrás dele e ouvi gritos e sons de metal se batendo. Eles estavam lutando, mas presa a cama eu nada podia fazer, arrastei me com cama até onde consegui. Os sons haviam cessado. Arthur pediu com a voz rouca, lá debaixo da torre:
- Cante para mim, Rapunzel. E por favor, não tenha medo.
E eu cantei, cantei pra ele, e passos subiam as escadas. Eu tinha medo. Era o velho cocheiro parado a porta:
- Eu já não lhe mandei ficar em silencio? Mas, você arruma confusão, Gabriela! Por isso vou ter que te machucar muito. Você vai ter que morrer, por que você é uma menina muito, muito malvada.
- Não tenha medo.
- O que?
- Não tenha medo.
E voltei a cantar. O cocheiro avançou na minha direção e eu lhe empurrei com os pés, fazendo isso eu quebrei a madeira da minha cama e soltei meus pés. Lancei-me sobre ele, mas ele era mais forte e me derrubou no chão. Foi quando Arthur entrou na sala e empurrou o cocheiro malvado pela janela.
- Como estais vós?
- Eu tive medo.
- Venha! Vamos embora!
Alexandra surgiu flutuando na janela e lançou um raio azul na nossa direção, Arthur e eu nos abaixamos o suficiente para não sermos atingidos. Corremos pelas escadarias o mais rápido que conseguimos, mas eu sentia que Alexandra estava atrás de nós.
- Deixe-me ir! Fique com o palácio, as jóias, o trono, fique com tudo só deixe-me partir!
A bruxa má assumiu a forma de um dragão asqueroso, coberto de gosma e musgo verde e lançou-se sobre nós. Arthur atingiu-lhe com a espada certeiro no coração, e o monstro caiu desfalecido no chão.
- De onde vieste com esta espada? Tu me disseste não ser cavaleiro.
- E não sou. Sinto muito, Rapunzel. Sou apenas um ferreiro.
- Jamais duvide de seu poder, vós salvastes-me da malvada rainha e agora estou livre para governar o povoado, de forma justa e honesta!
- Vais partir como prometeu a rainha?
- Não me curvarei diante de tão malvada criatura. Governarei o povo com o poder que é meu por direito.
- Mas, Rapunzel, não vai fugir comigo para longe? Vós não lembrais que planejamos...
- Sim, mas as situações foram alteradas, Arthur. Se quiseres, fique comigo, como meu rei, e governaremos Midlands e as terras altas.
- Não. Eu voltarei para o meu povo. Venha comigo, seja uma aldeã como o resto de nós...
- Arthur, alguém tem de governar o povo, e essa serei eu. Vós virais comigo, ou não?
- Não.
- Então não conte a ninguém a minha história e te deixarei partir.
Ameacei-o com minha adaga apontada para seu pescoço.
- Não contarei nada a ninguém, Rapunzel. Nunca mais.
E Arthur partiu pela mesma estrada pela qual ele vinha todos os dias. Nunca mais vi o ferreiro novamente, e nunca me disponibilizei a procura-lo.
Foi necessário aguardar apenas uma semana para que um conde passasse por aquelas terras, e quando passou, ele me tomou nos braços e nos casamos.
Meu novo marido e rei, ex-conde Eduardo II foi homenageado não só por ser o novo rei, mas por me salvar, princesa Gabriela Rapunzel, de um terrível dragão. É assim que nós rainhas e princesas vivemos dia após dia, e é essa a história que passaremos de geração em geração, afinal, nenhuma rainha deve se ver envolvida com um mero e fraco ferreiro. Esse é o meu segredo, e não diz respeito a ninguém por que, no final, todos nós viveremos felizes para sempre.