A terceira força
Parecia que iria passar um dia sem tormentos ou dúvidas existenciais. Tinha, finalmente, conseguido elaborar satisfatoriamente sua teoria sobre a vida e, com isso, estava se sentindo em paz.
Mas logo no começo da tarde, se encontra com Afrânio. Era o prenúncio que sua paz terminaria, pois seu amigo não se contentava com explicações fáceis sobre a vida. Perguntava muito e acabava enredando seu interlocutor com tantas contradições, paradoxos, becos sem saída, sofismas, que deixaram Guilherme muito apreensivo.
Justamente, agora, logo no começo da tarde, quando Guilherme, após uma noite insone, finalmente se decidira pelo agnosticismo, como a “pegada” perfeita.
Chegou a lembrar que os roqueiros, diante de suas perplexidades existenciais, haviam se dividido entre o sonho bom, o pesadelo e o inferno escaldante! Oscilavam e megulhavam suas músicas, dependendo do momento, em uma dessas três teorias. Guilherme, portanto, achava natural encontrar uma terceira via, e que a atitude mais inteligente era a suspensão da sua decisão, optando pela dúvida de Descartes, mas sem o medo do filósofo francês, que arranjou um jeito de encontrar Deus, meio que escondido, dentro de sua filosofia racionalista.
Para o nosso Guilherme isso era o máximo da sua coragem, diante do mistério da vida, permanecer na dúvida, de cara com ela, sem medo. E agora aparece o Afrânio...
- fala, Guilherme! Estou revivendo o sonho do John Lennon, imagine só! todos de mãos dadas, prevalecendo o amor puro entre os seres humanos. Só existe essa saída, meu irmão!
- esse sonho acabou há muito tempo, Afrânio, qual é? Você tão perspicaz, absorvendo essa água com açúcar?
- Pois, pra você ver. Por acaso, andei estudando a fundo o agnosticismo. Quem segue essa linha é um medroso, não tem coragem de encarar de frente a vida. Um cara assim, coitado, tá em cima do muro, percebeu? Tem que optar: Com Deus ou Sem Deus, o resto é conversa fiada!
Não tem a possibilidade do meio-termo, hoje nem mineiro fica mais em cima da mureta, morou? Voltamos à velha questão Shakespeariana: “ser ou não ser”. Diria eu: “é ou não é”. Nada de teoria mista, ou de neutralidade. É cara ou coroa!
- Pô, Afrânio, assim você desestabiliza o meu emocional, lá vou eu ter outra noite mal dormida pra acertar o meu raciocínio, diante do que você está falando.
- pois muito bem, Guilherme, vou ajudá-lo. É só você pensar naquela teoria do Teófilo de Vasconcelos, aquele locutor de corrida de cavalos lá da gávea, no Rio de Janeiro, no tempo da cidade maravilhosa!
- me recordo, sim. Ele defendia a tese de que o apostador jogasse sempre na terceira força. Quer dizer: jogasse no terceiro cavalo mais apostado. Nunca no favorito, nem no segundo favorito.
- E o gaiato que apostava na terceira força ganhava alguma coisa?
- Raramente, Afrânio.
- Tá vendo? Isso, na prática, reforça a minha teoria,- replica o Afrânio. Ganha a primeira opção ou a segunda, nunca a terceira. É pão-pão, queijo-queijo.
Guilherme, já atordoado, se despede de Afrânio, novamente em crise existencial, entra no ônibus Gávea e fica imaginando, não o amor puro entre os homens, mas como se livrar de vez da sua amizade com o Afrânio, ou pelo menos ficar um ano sem encontrar com o amigo “chato”, para que pudesse, enfim, respirar aliviado, voltar a ter o seu raciocínio todo arrumadinho, e viver em paz a sua vidinha... Afinal, qual o problema com a terceira força? Ia Guilherme, afundado no banco do ônibus, pensando: “Nada de “Rock-pauleira”, nem muito menos “Funk.” Um simples e modesto “tico-tico no fubá” já tava bom demais..” Mas pra chegar a essa nova conclusão, depois que o Afrânio aparentemente derrubou a tese de terceira força, teria que passar outra noite em claro, até chegar a uma nova decisão que apaziguasse o seu espírito irresoluto...