O CÉU, A MENINA E O VELHO CARECA
Ontem o céu não queria conversa. Escureceu cedo, fechou-se para o mundo e desabou em lágrimas no começo da noite. Saber por que sofria, ninguém saberia dizer. Nem a lua e as estrelas quiseram partilhar a companhia melancólica. Não deram as caras no céu. Mas havia alguém que, indiferente ao sofrimento que o céu esforçava-se para sustentar, arriscou pisadas divertidas pelas ruas desertas.
Os pés de pequena bailarina saltavam, uma a uma, as poças de água gelada, alheia ao frio e a baixa temperatura. De vez em quando ria para nada em especial, apenas ria, e então, voltava a pular, desviando aqui ou ali das pedras nas calçadas pouco iluminadas. Até o vento, embalado pela felicidade estranha dela, entrou na dança e brincou com seus cachos loiros.
E ela divertia-se solitária, em meio a uma cidade que já se recolhera para o descanso. Portas e janelas vedadas para impedir a passagem da brisa enregelante, luzes apagadas. Mesmo assim ela caminhava com um sorriso radiante moldado no rosto de boneca de porcelana, pouco importando-se com o fato do céu estar de mau-humor e derramar-se em lágrimas sobre ela.
De passo em passo, de salto em salto. Foi assim que ela chegou do outro lado da cidade, seguiu pela ponte de carvalho velho que passava por cima do rio e parou ali. Enfim, ela notara o céu em todo o seu desapontamento e infelicidade. E sorriu um lindo sorriso de criança feliz. Um velho que por ali passava e que resolvera por necessidade tomar o caminho mais rápido para casa através da ponte,viu tudo o que sucedeu, e até hoje jura de pés juntos e calcanhares batendo que é verdade.
O velho de pouco cabelo na cabeça e barba branco-algodão contou para quem quisesse ouvir que viu na noite de ontem uma menina parada sobre a ponte, sorrindo para o céu nublado. Ele alegou que a viu levantar um dos braços curtos e acenar para o céu, como se ali visse alguém que lhe fosse muito íntimo. O velho careca arregalou os olhos marejados e contou que o céu parou de chorar na mesma hora. Ele informou que exclamou ‘Jesus, Maria, José’ e engasgou-se com a própria saliva. A garotinha virou-se e o espiou curiosamente, ainda da ponte. E ela lhe sorriu, antes de subir na murada de pedra que ladeava a ponte e atirar-se para a boca do rio, desaparecendo sem nem tocar nele.
Há quem diga que o velho pirou, está louco, que foi muita chuva na cabeça, que está velho e pouco enxerga. Mas há quem diga que o velho teve um raro e breve encontro com um anjo.