O Mundo é uma Bola

- É uma pena que o número de pessoas que seguem a ciência ainda seja muito pequeno. A visão da ciência hoje está nos mostrando mundos inimagináveis, mormente depois dos avanços da física quântica.

- Não dá pra imaginar?

- Não, pelo seguinte: a imaginação da mente humana está limitada às percepções da experiência e não consegue dar um passo além disso. Mesmo o poeta ainda fica restrito às imagens provenientes do que ele conhece do mundo concreto. Evidente, como um mago, joga com essas imagens magistralmente. Mas sempre aquém do que a ciência vai descobrindo.

- É verdade, começo a entender. Você agora me fez lembrar que há uma unanimidade com respeito a unicidade do mundo que conhecemos, daí universo. Vez por outra a humanidade se deixa hipnotizar por certos conceitos que se tornam tabus. Por que razão o Um tem que ser mais importante e que acabou redundando em um Deus único? William James já se rebelava contra isso. E com muita graça dizia: por que não o número 47, ao invés do número 1? Com sua rara inteligência, perguntava se os antigos é que não estariam certos. Um mundo com vários Deuses. Seria bem mais animado, ou, quem sabe, bem mais trágico...

Conversavam, assim, os dois amigos, dentro de um bar, em uma cidade do interior, enquanto esperavam que cessasse a chuva que caía torrencialmente, naquela tarde. Um dos amigos era cientista, físico nuclear, enquanto o outro era um ex-quase-futuro filósofo, que se tornara um cético moderado, justamente para não ter que lidar com o que a ciência começava a anunciar: novos mundos, novas dimensões e, o mais alarmante, a vida artificial sendo criada pelo próprio homem.

Mas como ninguém é de ferro, a conversa acabou derivando para o futebol.

Afinal, estava pra começar uma nova Copa do Mundo, na África do Sul.

- Você concorda com aquela velha e surrada teoria sociológica de que o futebol é o maior exemplo de democracia que temos no mundo? – pergunta o cientista para o seu amigo ex-quase-futuro filósofo.

Já bem descrente de tantas teorias neste mundo de Deus, ou dos Deuses, o nosso quase futuro filósofo responde: - Olha, não acredito, mesmo! Até aceito que esses sociólogos, psicólogos e demais representantes dessas tribos, visando escrever uma tese para concurso, ou para ganhar dinheiro em suas profissões, elaborem essas teorias, exercitando suas inteligências, e nos ofereçam seus trabalhos, para o nosso deleite intelectual, assim como gostamos de apreciar um quadro de um pintor fantástico, ou um poema maravilhoso. Agora, daí a achar que essas teorias são verdades, vai uma enorme diferença.

- Então você não aceita como uma verdade? Por que razão?

- Porque se aceitarmos que o futebol é o maior exemplo de democracia, teremos que concordar também que a vassoura, quando era utilizada como brinquedo pelos nossos avós, todos sem exceção, desde o mais pobre até o mais rico, imaginando que era um cavalo, fosse o avô preto, branco, mulato ou indígena, seria igualmente o maior exemplo de democracia. Todos praticavam o jogo do "faz de conta" em pé de igualdade. Não é nada disso. A bola sempre atraiu a criança (atrás de uma bola vem sempre uma criança, no duplo sentido...) e por extensão o adulto desde os tempos da caverna e isso não tem nada a ver com democracia. E vou dizer mais o seguinte: até os bichos adoram correr atrás de uma bola. Nós, humanos, temos o ímpeto natural de agarrar as coisas, de possuí-las, e quando estamos desesperados, chutar tudo para o alto! Isso é atávico, meu amigo. Isso vem de tempos imemoriais. Em um tempo em que nem se sonhava com a tal democracia dos gregos. O homem sempre foi assim e continuará a sê-lo. E vou dar o argumento definitivo: o que é que mais teima em escapar do nosso controle? A bola, cara pálida! E acrescento: a bola, nos dois sentidos... Daí essa atração fatal e o amor universal pelo futebol. Essa é a única verdade, o resto é bobagem pura, sem falar que o futebol, atualmente, é bem elitizado. Ora bolas!!!