COISA DE CRIANÇA
Na rua onde morava um conhecido e antipático General do Exército, morava também um paraguaio cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.
Às vezes acontecia de cair uma ou outra em sua casa. Nada mais natural, coisa de criança.
Sempre com um linguajar desprovido de qualquer polidez, expulsava os garotos assegurando que os mandaria de volta para o Paraguai voando como aviõezinhos de papel, caso não tomassem mais cuidado ao brincar. Atônitos, os meninos sempre saíam correndo em busca de novos pares de meia para confeccionar novas bolas.
Popular pelo seu indelicado tratamento com que se relacionava, era temido por todos no bairro. Confesso que eu tremia só de vê-lo abrir aquela boca coberta pelo imenso bigode. As crianças já não mais se importavam; adoravam vê-lo enraivecido. Ele bufava feito animais em toradas.
- Da próxima vez que essa porcaria cair aqui, eu acabo com a vida de vocês – esbravejava o General.
Foi ficando engraçado. Os meninos começaram a irritá-lo de propósito. Todos os dias atiravam os objetos lá. Raramente conseguiam recuperar, já que o velho jogava cada bola em um balde de álcool e ateava fogo.
Ah, mas isso nunca seria preocupação. O pai comercializava meias numa loja na mesma rua. Meias não faltariam: cores, modelos e tamanhos variados. Fazer bolinhas era especialidade deles. Garantiam, ainda, que era muito divertido tê-las como brinquedo.
E foram infinitas bolas perdidas, ou melhor, queimadas. De vez em quando, nas tardes em que o general cochilava, algumas eles pegavam de volta. Na verdade, ultimamente jogavam-nas no quintal de casa só para chegarem até mim para conversar e rir um pouco. Tornei-me um aliado deles.
Só que essa história eu vos conto somente agora porque antes eu não podia nem abrir o bico. O homem berrava comigo! Não me dava água, nem comida.
De que adiantou? Seu fim? Queimado, carbonizado como as meias.
Há duas semanas, na ocasião em que foi atingido na cabeça por uma bolinha branca de seda, ficou tão furioso que espalhou tanto álcool em torno do balde para queimar o brinquedo, que o fogo alastrou-se por toda a casa. Eu escapei porque me debati feito doido na gaiola e voei.
Agora não sou mais um papagaio mudo. Meus amigos me adotaram e hoje posso tagarelar e contar muita coisa que presenciei ali.
Olha... Tem cada história! Qualquer dia desses, eu conto mais uma.
Promessa de papagaio!
Obs.: Conto escrito na escola há alguns anos, selecionado em sétimo lugar em um concurso internacional literário