EU A LUA E A FAZENDA
 


 
Quando criança, na cidade interiorana onde nasci,  um vizinho nosso - fazendeiro rico -conhecido por Zé Quincas cedeu a sua fazenda, por um tempo, para o meu pai. Temporada inesquecível para mim. Ficamos na casa grande com todas as regalias.

Lembro de cada detalhe: Do piso de tijolos antigos, do cheiro de terra molhada pelo orvalho, da imensa e singela pastagem... Que tapete! Que cor! 

Corríamos, brincávamos até a exaustão; subíamos nos pés de frutas e lá em cima fazíamos a festa. Quantos risos! 
À  noite o sono chegava pesado. Acordávamos cedinho, com o caneco de ágata a mão  descíamos, até o curral, onde o senhor José, sentado em um caixote, ordenhava a vaca mimosa. Às tetas da mimosa, cheias de leite, enchiam os nossos canecos. Bebíamos  até não mais querer... Que coisa boa!

Não havia luz elétrica... A lua se fazia dona de toda a atenção. Na minha inocência eu olhava para o alto, e andava, andava... pensando que ela, a lua,  seguia-me. Parava, e ela também; seguia...  E, lá estava ela a me seguir... Caminhando de cabeça para o alto, ora, em linha reta, ora, rodopiando, esbarrando nas estacas, lá íamos nós, eu e a lua.
Outras vezes, como se possível, eu corria da minha própria sombra – quanta inocência!
A luz da lua me proporcionava momentos inesquecíveis!

A  amizade que fiz com os filhos dos moradores da fazenda, deram-me alegria... Sentávamos nos degraus da casa grande, e brincávamos inocentes e felizes, das brincadeiras que  estão quase extintas: Passar o anel,  boca de forno, brincadeira de roda... Ah! Que saudade!

Lembro-me que certa vez... Mamãe nos deixou dormir um pouco mais tarde, tínhamos visitas. Os três filhos da D. Alzira – os visitantes – estavam conosco. Brincávamos à luz da lua; os lençóis branquinhos, ainda no varal, pareciam mais brancos á luz do luar. As toalhas agitadas pelo vento, com vigor, clamavam por liberdade.

A criança mais velha, tinha seus quatorze anos de idade...  Muito peralta, com ar superior, contava  estórias de fantasmas. Escutávamos atentos, sem bater as pálpebras e com a boca aberta. Ouvíamos, em silêncio. Todo ruído era motivo de gritos e tremores, enquanto que o narrador mirim... Gesticulava muito e argalhava, zombando da  nossa inocência. 
O garoto estava  contando  a estória da “Mula sem cabeça”... Imaginem!
Ouvimos um mugido forte, e um barulho de cascos de boi em disparada. Até ele parou. Avistamos um vulto enorme, todo  branco,  a correr para lá e para cá...  em meio ao canavial.

Toda a coragem do narrador caiu por terra! 
– Mãae! Gritou apavorado. Às crianças estavam pasmas... O medo foi tão grande que nos calou.
Com os olhos arregalados... Parecíamos hipnotizados. 
Os nossos pais correram  perguntando em alvoroço: – O que foi? O que está acontecendo? Apontamos para o canavial, em choro coletivo.

Os homens da casa  foram caçar o fantasma: “A mula sem cabeça.” Voltaram cansados de correr atrás da fera. Rindo bastante, disseram:
Foi a mimosa que arrancou o lençol do varal e saiu em agonia, por não poder enxergar.
Todos riram ao mesmo tempo... Menos nós!

O narrador das estórias fantasmagóricas ficou envergonhado, não mais contou nenhuma estória.




EstherRogessi,Conto Fantasia: Eu, a lua e a fazenda, Recife, 15/05/10
 
 


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"Após esta leitura qualquer semelhança é puro plágio!"
 
EstherRogessi
Enviado por EstherRogessi em 15/05/2010
Reeditado em 31/03/2018
Código do texto: T2259037
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