SONHOS POSSÍVEIS
SONHOS POSSÍVEIS
Ana Maria Maruggi
Sonhava em ser modelo a moçoila, mas sabia que os predicados não satisfariam nem uma loja de alianças. Sua irmã zombava: “com esse nariz grande ninguém vai te querer maninha nem pra desfilar com capa de macacão anti-chamas”. Maldosa e cheia de preconceitos essa irmã de Shirley destilava veneno pela casa. Quando brigavam então a coisa ficava ainda pior, ela dizia que para o nariz talvez uma cirurgia plástica ajudasse a minimizar o tamanho e a forma, mas o que fazer com pé de mulher que calça 43! Nem com reza braba reforçava ela. E Shirley chorava miudinho fechada em seu quarto enquanto Verinha saia com as amigas, e voltava aos beijos com namorados.
Shirley passava horas diante do computador, arranjava namorados virtuais e mandava fotos de Verinha. Vivia uma vida sem roteiros e sem magia. Ficava feliz quando uma emoção a pegava na sala de bate papo.
Um dia entrou numa sala de modelos e ficou observando a conversa dos internautas. Uma delas falava de uma entrevista que tivera naquele dia numa grife de tênis “Jogging” e que não foi aceita por causa do tamanho do sapato. Continuou dizendo que eles queriam uma mulher que usasse 43, onde vão encontrar isso! Shirley imediatamente acessou a página da fábrica de tênis e viu no “trabalhe conosco” uma convocação para mulheres que calçassem acima de 40. Eufórica ela enviou currículo e uma foto dos pés e dos sapatos que ela usava. Na manhã seguinte lá estava uma resposta para agendar uma entrevista. Ao telefone ela foi sincera ao dizer que não era bonita apesar de ter cabelos escuros e sedosos, que seus pés eram feios, que tinha nariz grande, que suas mãos eram desengonçadas, que seus olhos eram ligeiramente tortos, mas que calçava 42 se fossem sandálias e 43 se fossem tênis. Pela primeira vez falou de sua feiura como predicado positivo.
Uma semana depois lá estava a moça num estúdio moderno com dezenas de fotógrafos e câmeras voltadas para seus pés. Ela tinha que caminhar 4 passos lentos em um piso super branco e liso, depois parar abruptamente. O tênis “jogging” em sua nova cor lilás iria para a mídia com os pés de Shirley dentro deles. No slogan o locutor dizia: Para as mulheres tênis “jogging” que calçam grandes pés no mundo.
Foi o primeiro de muitos chamados para fazer propaganda. Shirley virou modelo afinal. Vendia alianças para dedos de todos os tamanhos, óculos de todos os formatos que apoiavam bem sobre qualquer nariz, de shampus para cabelos negros, meias, computadores etc.
Com isso a moça ficou famosa e não teve mais tempo para os chats, mesmo porque seu namorado, aquele fotógrafo do estúdio da “Jogging” não a deixava livre um só minuto.