Tinta & Pena • 16

Tinta & Pena - Parte 2 - Capítulo Três

Luz & Manhã

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"Depois da tempestade há uma calmaria

Através das nuvens brilha um raio do sol"

(Hunting High And Low - Stratovarius)

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Aquilo que Bobby chamava de Salão dos Portais, não podia ter um nome mais apropriado. Vinci jamais tinha entrado numa construção tão grande e antiga como aquela. O Palácio do Rei Munfenzol IV de Mastro Forte, o carinhosamente chamado de "vagabundo", era antigo o bastante para ter plantas nascendo entre suas rachaduras. Mas ainda assim não chegava nem perto da antiguidade do lugar em que Vinci agora pisava, contudo o Salão dos Portais era mais conservado que o Palácio do Rei de Mastro Forte, bem mais. Tudo, naquele antigo lugar, o fascinava. As esculturas, os quadros, estes nem sempre pintados em telas, mas alguns em paredes... e, claro, os portais. Portas, sempre trancadas, estavam em toda parte. Não eram padronizadas e nenhuma era igual a outra. Era como se cada uma tivesse sido construída por um povo de cultura diferente. Os entalhes, as formas trabalhadas em metal, as cores, tudo o que adornava as portas tinha sua própria história, por assim dizer.

"Cada porta pertence a um mundo", pensava alto Vinci, enquanto caminhava abismado.

- O bobão parece que nunca viu coisa nenhuma... - Dizia Bobby.

A figura do urso branco não combinava nada com o lugar. Pensava Vinci. Bobby era brincalhão, irreverente, despretensioso, o lugar era exatamente o contrário disso tudo. Era secular, reverente, austero, em fim, era verdadeiramente glorioso.

- São muitos? - Perguntou Vinci quando se encontrava descendo com Bobby uma escadaria espiralada.

Bobby, que assoviava, foi pego de surpresa.

- Muitos o que? - Disse ele dirigindo as duas pérolas negras, que eram seus olhos, para Vinci.

- Ah seu bobão... você sabe... os outros... - Disse Vinci que já se sentia a vontade com Bobby. O que não era comum nele, isto é, sentir-se a vontade com alguém que conhecera a tão pouco tempo.

- Quer dizer seus amigos de Gunpix. - Disse Bobby - Não, até agora são três bobões só, contando com você.

"Ufa!" Pensou Vinci, que não se dava bem em grupos muito grandes... dois garotos, seria coisa fácil de se lidar... mas se fossem duas garotas, aí seria mais complicado. Logo ele que nunca se saia bem com as garotas...

Era nessas coisas que seus neurônios se ocupavam enquanto caminhava para seu Q-pix onde ficaria alojado com o seu grupo, o seu Gunpix.

Apesar de todas as "coisas" que Vinci Laipotem tinha visto nos últimos dias de sua vida, e seu guia Bobby estava entre elas, seu encontro com "os outros" mencionados por Bobby , os outros integrante de seu Gunpix, ainda assim, foi surpreendente.

A porta do Q-pix estava aberta. De dentro do quarto vinha uma luz. Uma luz emanava do quarto. Uma manhã inteira de sol num jardim de belos campos verdejantes e floridos, se encontrava naquele quarto no meio de um deserto de gelo.

A luz e a manhã, que Vinci encontrou naquele dia, tinham um único nome: Nenian Sillmarin

Apesar de ser a criatura mais próxima de um humano que Vinci já encontrara, desde que estava em sua Estrada Estreita, foi também a mais impressionante de todas.

Mas estou me adiantando, uma vez que nem lhes contei ainda como foi o encontro.

Os dois que estavam no quarto estavam numa conversa animada. Vinci ouvia as risadas ao se aproximar - os primeiros raios de sol da manhã.

Bobby anunciou sua chegada, não precisar se apresentar era um alívio para Vinci.

- Meus amigos bobões, chegou mais um bobão para completar seu time de completos bobalhões: dotado de uma bobice rara, aqui está Vinci Laipotem de Mastro Forte.

E então Vinci viu, a luz do sol, emanava dos olhos, dos cabelos, do sorriso e da voz da criatura. Que disse:

- Nenian Sillmarin dos Nindanos de Solvim em Landonlimnadoran, A Árvore da Vida, que viva para sempre! É um prazer conhece-lo filho do Povo Livre - Apresentou-se Nenian.

Vince estava por demais consciente de seu estado - sujo, desarrumado e úmido pela neve (que derretera) acumulada em seu corpo - para não ficar embaraçado.

Quem ficou muito tempo no escuro não suporta a luz imediata, foi o que aconteceu com nosso amigo que chegou a ter vertigem. Além de ter ficado mudo. Não sabia como responder a saudação e mesmo que soubesse não o teria feito, seu coração brigaria com sua língua pelo espaço na boca.

Antes que a situação ficasse ainda mais embaraçosa o terceiro membro do Gunpix salvou Vinci. Era uma criaturinha simpática e pequenina. Tão parecido com um humano quanto parecido com uma raposa, se é que isso é possível de qualquer forma.

- Flecha de Barril dos Mogues de Correnagua nas Colinas Amigas no Norte. É um prazer conhece-lo filho do Povo Livre de Holigard. - Disse e curvou-se até encostar seu focinho/nariz no chão, e deu três toques no chão com ele.

Vinci ainda estava tenso mas conseguiu emitir algo parecido com "prazer", e sentiu que as apresentações estavas completadas.

Nenian era uma bela jovem, seus cabelos castanhos claros estavam numa longa trança. Vinci viu sabedoria nos olhos dela, e ficou ainda mais tímido. Nenian vestia roupas que pareciam serem feitas de folhas, mas um tipo especial de folhas, mais semelhantes a tecidos. Portava um diadema com uma flor branca no centro e um colar com um pingente que era uma borboleta em que a cabeça e o abdômen eram, cada um, uma folha. Vinci sabia que aquela era sua Onpix, sabia de alguma forma.

Flecha também tinha um colar, sua Onpix era uma folha em alto relevo em uma colina. A Onpix das Colinas Amigas do Norte.

O Q-pix, isto é o quarto do grupo, era bastante confortável e espaçoso. Havia um grande armário com alguns pergaminhos, uma mesa de madeira vermelha, forrada com uma bonita toalha com o desenho de um única flor azul no centro. Não que Vinci tenha notado isso, sabemos em qual "flor" ele estava interessado. Havia três quadros nas paredes, simples e delicados. Vinci também não os notou. Não naquela hora.

- Acho que os bobões têm muitas bobagens a conversarem. Então eu vou indo, Lerpernitor logo verá vocês. Até logo amigões bobões. - Disse o urso Bobby dando novamente seu abraço apertado em Vinci, Nenian e em Flecha, que praticamente desapareceu nos largos braços de Bobby. Depois retirou-se assoviando uma canção - uma canção bem bobona provavelmente.

Vinci temia o silêncio que cairia na ausência de Bobby mas este não veio.

- Então você é de Mastro Forte no Sul - Disse Nenian, lançando as luzes que vinham de seus olhos para Vinci, que não resistia e fitava a mesa - ainda sem notar, conscientemente, a flor na toalha. - Como está a resistência?

- Resistência? - perguntou Vinci ainda sem conseguir por os olhos em Nenian. - Não houve nenhuma pelo que eu sei, - continuou ele inseguro - pelo que o olíre me contou só ouve morte.

- Que pena... - Disse Nenian como quem ia começar a chorar, e de fato havia lágrimas em seus olhos (o que Vinci achou um pouco infantil da parte dela, contrastando com a aura de sabedoria que emanava dela) - Onde está sua família? - Nenian sabia que falava muito, e as vezes coisas que não devia, mas infelizmente só se dava conta disso depois de ter falado. - Me desculpe, não devia falar sobre isso - corrigiu ela a tempo.

- Não, tudo bem - disse Vinci que agora já podia dar breves olhadas em sua amiga de Gunpix. Não sem ficar embaraçado - Minha família era só eu e meu pai, e eu não sei onde ele está... mas acredito que esteja vivo.

- Sim ele está - Afirmou Nenian.

- Assim espero - disse Vinci com um projeto de sorriso.

Nenian correspondeu com um sorriso verdadeiro. E o coração de Vinci se alegrou. Afinal tudo valera e valeria a pena de alguma forma. Lembrou-se instantaneamente das palavras de Bobby "Vamos ser amigos para sempre", era tudo o que desejava daquela jovem. Bem, talvez algo mais que isso...

- É uma pena não é? - Perguntou Nenian olhando para a janela circular que dava para o corredor. - Uma pena, justo no dia que você mais esperou na vida acontecer uma calamidade dessas...

Vinci não tinha aguardado dia nenhum, mas preferiu não mencionar o fato que ele era praticamente um desertado do mundo conhecido.

- Sempre sonhei com esse dia - continuou Nenian, vendo que seu amigo, apesar de caladão, estava bem interessado na conversa - Vivi ansiosa por ele, agora estou tensa e ansiosa pela nossa missão - Dizia ela enquanto esfregava as mãos uma na outra. (Vinci admirava como a voz dela parecia calma ao mesmo tempo que falava isso) - A propósito o que você vai ser Vinci... aliás, que tipos de Poderes existem em Mastro Forte?

- Poderes? - Perguntou Vinci desconcertado.

- Cargos, profissões, vocações... - Disse Flecha, que agora foleava um pequeno livro de capa vermelha e letras douradas.

- Bom eu trabalhava numa oficina com meu pai, fazíamos redes de pesca... - Disse Vinci desconfiando que falava bobagem.

- Não é isso criatura - Interrompeu Flecha - mas poderes, das cidades escolhidas que formam o Hexágono da Lei. Por exemplo em Solvim, de onde vem Nenian, temos, artesãos, que são os que trabalham construindo armas e outros instrumentos, os atiradores, que são arqueiros, besteiros, lanceiros, em Dol Sirim temos os famosos Cavaleiros Marinhos...

- Isso, é isso que vou ser! - Explodiu Vinci sem poder mais conter-se - Meu pai era um cavaleiro desses, e receio que deva seguir os seus passos - Completou baixando o tom.

- Então você é da Cidade do Mar! - Exclamou Nenian - Incrível, como nunca nos vimos, quer dizer, a quanto tempo está em Mastro Forte?

- Desde que me lembro - Se limitou a dizer Vinci. Por algum motivo seu pai fugira do norte talvez até escondendo-se em Mastro Forte, mas ele preferiu não mencionar isso.

- Que pena, - Disse Nenian - quer dizer, se permite que fale assim, mas entre nós os "Povos Antigos", como chamam, costumamos dizer que Dol Sirim é a única cidade realmente bela do Povo Livre. Ah... (suspiro) as Praias Brancas, aaah as cornetas de prata anunciando o dia e as bandeiras brancas desfraldadas dançando na brisa do mar. E a maravilhosa pedra de Artonanca! Ai, que saudade... faz tempo que não vou lá, a última vez foi no ano passado no casamento de Lilli minha irmã mais velha. Foi lindo. É claro que nem se compara com Solvim lógico, mas... é de uma beleza marinha única.

O breve relato sobre Dol Sirim (a cidade de seus antepassados), encheu de emoção o coração de Vinci. Agora ele desejava ainda mais conhecer a tal cidade do mar.

- Não posso esperar para chegar lá - Disse ele por fim.

- Dependendo de onde será nossa missão a gente pode até passar lá sim - disse Nenian, não menos empolgada.

- Tomara, vai ser maravilhoso - disse Flecha que também nunca tinha estado em Dol Sirim antes.

Então, sem nenhuma razão aparente, deram as mãos , formando um círculo em volta da flor azul na mesa e se entreolharam.

O Gunpix estava formado.

No coração de cada um deles ecoava as palavras de Bobby.

"Nós vamos ser amigos para sempre"

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Desenhos e mapas sobre essa estória podem ser vistos nos "meus e-livros".

Desenhos por: Even Line.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 05/05/2010
Reeditado em 24/04/2011
Código do texto: T2239657
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