Tinta & Pena • 13

Tinta & Pena - Parte 1 - Capítulo Treze

Uma Janela Para O Passado

- Eu também não entendo por que a Folha Cortada resolveu priva-lo da seiva da árvore de vida em Rivergard. - Começou o Prof.° Galhopula - Mas se é assim.... Eu vou instruí-lo no que é necessário por hora para você continuar na estrada que você já devia ter começado a trilhar há mais tempo. Mas tudo bem, melhor tarde que mais tarde ainda, não é? Você deve, e pode, recuperar o tempo perdido. Pois bem, começarei a falar sobre o Hexágono da Lei, que é a Ordem que surgiu da união do Povo Antigo com o Povo Livre, na fundação e reconstrução das cidades depois da Guerra da Aliança.

- Perdão professor - Interrompeu Vinci - Mas.. se preciso aprender quero ter certeza das coisas e não mais dúvidas. O povo chamado "Antigo" é o qual o senhor faz parte, certo? - Disse Vinci olhando para o girassol adolescente saindo do bolso do colete do Prof.° Galhopula.

- Sim correto Folhaverde, disse ele -. Nós os boguinites, os altos nindandos, os mongues, e todos os que habitavam esta terra antes da chegada do Povo Livre, que é como se autodenominaram depois da vitória sobre o mal que eles mesmos criaram. Venceram sobre o mal, o Vazio, aquele que um dia foi Kann Míros, já ouviu a história dele? Não? Fica pra outra oportunidade, pois agora você precisa fazer a sua. Onde eu estava... Sim mesmo, o Povo Livre venceu sobre o Vazio, venceu com nossa ajuda claro, na guerra que eu lhe falei...

- Sim a Guerra da Aliança. - Respondeu Vinci enquanto pensava sobre o que uma certa mothina tinha falado. Tinha falado sobre eles (o povo ao qual Vinci pertencia) serem forasteiros nestas terras, ela estava certa, até certo ponto certa.

- Onde estávamos? - Continuou Galhopula sem tirar os olhos azuis de cima de Vinci. Era um professor faminto. Faminto de alunos. E um aluno como aquele era um banquete e tanto.- Sim mesmo, o Hexágono da Lei. - Continuou - Ele foi formado a fim de criar e estabelecer um exército nobre! (...) Puro! (...) Valente! (...). Capaz de manter a paz, a ordem e a segurança em Rivergard enquanto os anos quebrados passavam... e ainda passam.... Longos anos Folhaverde. Longos anos quebrados... E como passam.... Sempre passando e passando... e passando - disse fechando os olhos - Como o vento... como as nuvens que ora se despedem de nós indo para os Altos Palácios Ninguilinos... O que trarão as ondas do tempo... Oh doce Falafina... Por quê? (....................) Mas sim... eu me perdi... Onde estávamos? Sim mesmo nos Altos Palácios de cristal dos Nings... Não... Perdão, Folhaverde, estou precisando do meu cachimbo. Vamos entrar, sim?

Sem responder Vinci levantou-se e já estava andando em direção ao Sapato.

- Não está esquecendo nada Folhaverde? - Disse Galhopula - O que pensa que vamos comer?

- Peixes? - Perguntou/Respondeu Vinci, com um sorriso e já foi pegando a cesta de pescados.

Galhopula não sorriu.

- Você não tem nada do seu pai - disse ele. - A não ser o nariz - acrescentou.

- O que tem meu nariz? - Perguntou Vinci como um pré-adolescente excessivamente preocupado com a aparência.

- Nada. Em perfeito estado. - Respondeu Galhopula - Mas, para molda-lo, usaram a mesma forma que usaram no do seu pai. Sem dúvida.

Com isso Vinci não soube mais o que dizer. Dirigiu-se ao Sapato com a cesta em mãos. O zulou ainda se mexia. "Ô bicho brabo" pensou Vinci. Palavras de um antigo amigo idoso que usava um chapéu de coro e pescava com tarrafas nas águas rasas.

Vinci agora tinha uma visão mais clara do Sapato. Que era na verdade uma bota velha, e bem velha. Velha como... Como Galhopula. Talvez ele morasse ali desde criança, ou talves o tataravô dele morasse ali desde criança. Ou mesmo antes, afinal eles não eram o "Povo Antigo" a toa. O sinal da idade estava no sapato. Gravado como rugas e cabelos descoloridos. As heras tomavam grande parte da "parede" exterior da moradia. Depois de fazer a inspeção, Vinci concluiu que o sapato precisava de um sapateiro com urgência.

Embora estivesse assim por fora, por dentro era bem organizado. Vinci seguiu Galhopula até a cozinha. Não havia sinal de Velminor.

- Onde está o senhor Lumiero? - Disse ele.

- Hoje ele está em Moncan-Aron, foi avisar a rainha Celesmina das dificuldades que temos a frente... Ontem ele esteve com os gameros em Folha Alta como você bem sabe... - Falava Galhopula fazendo movimentos automáticos de encontrar o cachimbo de ferro e carrega-lo com o fumo que tinha em grandes sacas num canto da cozinha. - O meu povo é um povo bom. - Continuou alimentando o cachimbo - Não é mal. Mas está adormecido, está acomodado, o que não é bom. Você entende? - Vinci fez que sim com a cabeça - Grande parte dos jovens em Folha Alta têm-se dedicado a brincadeiras e ao ócio, e falo de jovens maduros o suficiente para multiplicar-se, não de crianças. Na verdade não são só eles. Poucos, dos boguinites da Floresta Anã, têm um exército formado, o que é extremamente perigoso. Extremamente perigoso. Já é perigoso em tempos de paz. - Continuava o professor enquanto fazia uma pausa para ascender o cachimbo - Você entende o trabalho e a responsabilidade que eu tenho Folhaverde? - Disse ele soprando a primeira fumaça, os olhos azuis brilhavam por trás dela - Apenas as saúvas e as abees estão preparadas, a meu ver, para um combate. Oh! Se Troncofirme estivesse aqui, como estaria envergonhado.... - Agora se sentava numa cadeira de madeira escura apoiando-se numa mesa do mesmo tipo.

- Sabe o que fazer com os peixes, você sabe, não é Folhaverde?

Vinci estava absorto num pensamento e acordou.

- Han? Sim sei- Respondeu pegando o zulou que ainda se mexia no cesto.

- As facas estão nas primeiras gavetas de cima para baixo - Disse Galhopula - aí, isso, muito bem. Pode usar aquele balcão ali. - Disse ele apontando para um balcão de pedra bastante... Usado, digamos assim. - Tem água nas jarras aí em baixo, não deixe nada sujo por favor.

- Sim, claro Professor... - Respondeu Vinci já iniciando o trabalho.

- Professor - Disse ele quando arrancou a cabeça do peixe -, como sabe de tudo o que aconteceu lá... Lá em casa... Como sabe... é tão longe.

- As borboletas me contaram, são muito faladeiras. - Respondeu Galhopula - Nunca conte segredos as borboletas, elas o espalham como o vento. As amarelas principalmente. Como dizia meu pai: "Se tem algo bom a dizer que diga as borboletas! Mas se não, que as pedras façam os ouvidos". Herher... é verdade, é bem verdade. Disseram que seguiriam para Solvim. Pedi que elas passassem em Hanibrake antes mas elas insistem em não ter tratos com vocês, os povos livres. Entenda, elas são orgulhosas, são tolas. Mas neste caso fizeram um bom trabalho, esta notícia era urgente, e foi por isso que eu sabia que você viria Vinci Folhaverde. Pois eu sabia que a Folha Cortada do Trintem não ia deixar você se perder por completo...

Vinci não gostou dessa expressão: "perder-se por completo", mas ficou calado. Estava finalmente gostando da língua solta do Galhopula.

As paredes do sapato por dentro, eram revestidas com folhas, principalmente de bananeiras - por serem grandes. A luz entrava pela janela que dava para o jardim. Era possível ouvir a lagoa. Era possível sentir o cheiro da lagoa. Vinci sentia a presença da lagoa. "A Lagoa de Narian é um lugar maravilhoso" - pensou - "apesar do Galhopula", e com isso sorriu. Olhava para a janela por onde o vento entrava. Fim de Elparna (Novembro), o Verão estava chegando, mas não importava. Ele sabia. A Terra do Gelo era o seu destino. A terra onde não tinha virada da sombra. Onde as estações desviavam seu curso. Onde o tempo não tinha força. Assim era aquela terra. Ele sabia disso. Sabia que a janela que olhava aberta para o Jardim do Sapato, era também a Janela do Passado. Era para onde ele iria. Encontrar um passado oculto. Encontrar a história de um mundo que apesar de poder chama-lo de "seu mundo" era desconhecido por ele. Sim ele sabia de tudo isso. Sabia que precisava mergulhar no passado para achar o futuro. Como a passagem subterrânea para Folha Alta.

Assim teria de ser. Lepernitor que o esperasse. Mas quem era o tal Lerpenitor que Galhopula mencionara? Ele só sabia que era um nome frequente nas histórias de seu tio Renind, aquelas histórias que estavam em sua mente como um quadro borrado pelas águas do tempo. Ele agora dava uma olhadinha na Janela do Passado. Mas sabia que em breve precisaria saltar sobre ela.

E seguir.

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Fim da Primeira Parte.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 04/05/2010
Reeditado em 05/08/2011
Código do texto: T2236622
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