Tinta & Pena • 3

Tinta & Pena - Parte 1 - Capítulo Três

Aprendendo A Voar

A tensão continuava. O dono da ave gigante parecia relutante. Dois ossos jaziam dentro da fogueira - menor agora. Só um piado quebrava o silêncio.

- E então? - falou o mais jovem.

.

.

.

.

.

- Guiaaaaah!

O mapa ainda estava nas mãos do olíre, que não estava se saindo um homem de decisões rápidas. Pensava profundamente. A fogueira bruxuleou rapidamente com um vento frio que veio do sul. A ave se encolheu e balançou as penas. O jovem magro de cabelos castanho-escuros fechou os olhos, estava arrepiado. O homem de cabelos negros ondulados saboreou o vento. Tinha gosto de mar e morte.

- Precisamos ir - disse por fim o Olíre.

- Ir? Para onde? Por quê? O que aconteceu? Quem, realmente, eu sou? Onde está meu pai? O que era aqueles monstros? E... Por que essa droga de passarinho é tão grande?

- Tudo bem... Aqui vamos nós. Responderei uma por uma: Sim iremos. Para a casa de Galhopula. Por que seu pai disse-me para leva-lo até lá. Você é um descendente do Povo Livre que habitou ao nordeste, além do mar, muito tempo atrás. Como já lhe disse, não sei onde seu pai está. Aqueles "monstros" são a Ordem Negra que voltou de suas terras áridas e frias além dos mares. E a última foi... Ah, a resposta para essa é "por que você é muito pequeno". Satisfeito?

- Vinci ficou meio fora de ar. Por fim disse:

- Por que eu sou muito pequeno? Eu tenho um metro e setenta e seis.

- Sim Vinci, tudo é relativo, se prefere uma resposta mais comum.

- Acho que entendi. Mas por que você não fala nada do que aconteceu lá? - Apontou numa direção qualquer.

- É melhor pra você não saber. Mas vou tentar ser mais claro. Hoje pela manhã Mastro Forte foi atacada. Por algum motivo o Rei não estava na cidade, e a guarda estava absorta. Isso costuma acontecer após longos anos de paz. As pessoas perdem a senso do perigo. Não houve resistência. Apenas fuga, morte e pilhagem evidentemente. Trintem mandou-me salva-lo e disse para leva-lo à casa de Galhopula. Mas não é só você que tem suas dúvidas. Ele não me disse aonde ia, o quê ia fazer, nem quem era, nem por que leva-lo para a casa desse "Ramosalta". Eu preciso retornar com a notícia ao norte urgentemente, e a situação é grave. Lepernitor avisou a Phill Lee Pee, Rei de Dol Sirim, dos rumores de movimentações desconhecidas nos mares do sul, mas não esperávamos que fosse nada tão sério. É... o "mal da paz" atinge a todos nós. Mas como eu lhe disse não há por quê se desesperar. Tenha esperança! Vamos ver o que trazem os dias.

Vinci estava tonto, enjoado, confuso, atordoado. Imaginou mãos odiosas revirando cada objeto em sua casa. O "coco premiado", as redes especiais (que agora nem estavam tão especiais assim) de Renind, o baú secreto de Trintem escondido nos fundos (seria algo ali dentro que seu pai tinha ido buscar? Ele tinha quase certeza que sim). Pensou em uma figura sombria, sem face, apertando e erguendo seu pai pelo pescoço.

- SOLTE-O! - Gritou.

Ciquem, no reflexo, soltou o mapa que estava segurando. O vento o levou direto para as chamas da fogueira, que começaram a fazer seu serviço de ferir tudo que as tocam.

- NÃO! - gritou Ciquem e, ainda com os reflexos ligados, retirou rapidamente o mapa da fogueira, jogou no chão e pisou em cima - teria sido melhor jogar areia se tivesse. Mas o estrago já tinha sido feito. As terras de Rivergard, traçadas ali, estavam completamente queimadas, ou ilegíveis. Apenas um local permaneceu intacto - A Montanha Carrancuda no Norte de Rivergard. Os mais supersticiosos diriam que aquilo era um péssimo presságio para sua amada River.

Vinci achou a situação meio cômica e segurou o riso. Mas não suportou quando Ciquem caiu na gargalhada.

- Como são os acasos da vida! Montanha Carrancuda!

Vinci, que já achava Ciquem meio estranho, agora o achava completamente pirado - mas não deixou de rir por isso.

- Não se preocupe em Dol Sirim tem mais desses do que folhas em Solvim. E acho que já tinha olhado bastante para ele, não devo esquecer nada importante até chegar lá.

Vinci ria dá situação e de alívio.

- Mas por que me mandou soltar?

- Também acho que você já olhou de mais pra ele.

Ciquem riu novamente.

- E já ficamos aqui tempo de mais! Hora de ir Ina!

- Guiaaouu...

Delaina desceu perto deles e o vento apagou a fogueira. Ela se abaixou e ficou olhando para Vinci.

- Acho que foi mais fácil voar em você desmaiado Ina.

- Não tenha medo. Ela não o derrubou nem desacordado. Só não...

- Puxe suas plumas, ELA NÃO GOSTA. Já sei... Mas eu também não gosto de voar.

- É como navegar só que no ar.

- Oh... Isso ajuda bastante.

Ciquem subiu e se aprumou no arreio que era feito de coro e só tinha lugar pra um. Vinci teria de se virar segurando-se em Ciquem.

- Venha, não são todos que têm o privilégio de voar numa Groenpiterix.

- Não são todos que têm medo de altura.

- Você vai gostar.

Vinci ergueu o pé trêmulo, pisou e estendeu a mão para segurar a de Ciquem.

- Guiou nug.

Com isso ele levou um susto e caio pra trás.

- O que foi isso? O que foi que ela disse?

- Disse que vai ser divertido.

Delaina, com a cabeça virada olhava para ele com os olhos castanhos-esverdeados. Isso aumentava o desconforto.

- Calminha amiguinha - disse Vinci subindo ainda mais devagar e mais trêmulo.

Ciquem estendeu a mão e o puxou.

- Bem-vindo a bordo.

- Obrigado. Qual é a próxima parada?

- Floresta Anã.

- É longe?

- É.

- Chegamos hoje ainda?

- Sim, no anoitecer, provavelmente. Lá procuraremos o Galhopula, passaremos a noite e seguirei viagem para Solvim pela manhã.

- Você vai me deixar sozinho de manhã?

- Sim é preciso são ordens do seu pai... "Leve-o para Floresta Anã, fale com Galhopula". E eu, sinto que, vou estar muito ocupado nos próximos dias. Além do mais achei que não gostasse de voar.

- Gosto menos de ficar sozinho...

- Vamos Ina!

Para Vinci era assustador estar no meio daquelas asas gigantes que balançavam enquanto o "chão" se mexia. Fechou os olhos, mas percebeu que era pior - tinha a sensação de estar caindo. Segurou-se com toda força em Ciquem.

- PARA O NORDESTE!

- Guiaaaaaa!

- Haaaaaaaaai, ISSO É PIOR QUE UMA TEMPESTADE EM ALTO MAR! - Gritou Vinci vendo o mundo por um ângulo totalmente novo.

O Monte Relva Nova olhava seus visitantes partirem. As árvores balançavam de um lado para o outro, como se se despedindo dos desejáveis ou indesejáveis visitantes.

Foi difícil para ele se acostumar. Sua vida estava de pernas para o ar.

Literalmente.

- Vamos descer, vamos descer, pelo amor de Deus. - Nosso querido (acho que já podemos chama-lo assim) amigo Vinci estava tendo uma crise de fobia.

- Se descermos vamos levar dias para chegar na Floresta Anã. - Disse Ciquem com os cabelos voando.

- Eu não quero ir pra nenhum jardim de quintal!

- Não entendi.

- Essa tal de Floresta Pequenina...

- Você é engraçado Laipotem.

- Sou, as vezes - Disse Vinci sem rir, como seria costumeiro a ele, não estivesse tão longe do chão.

O sol ia para o Oeste, enquanto eles viajavam e as planícies e os montes ficavam para trás. A vegetação era rica e variada, tanto em forma como em cores. Havia árvores de um verde tão jovem que pareciam "mudas-gigantes", as de folhas alaranjadas eram altas como edifícios. Rios e lagos refletiam os raios solares. Rivergard era uma terra muito bonita na Época do Reis.

- Estamos perto?

- Não posso dizer exatamente, por que por algum motivo, não encontro o meu mapa. Mas, pelo que me lembro, acho que estamos perto.

- Achei que você conhecia tudo.

- Tudo?

- Sim, tudo, como os seus próprios dedos.

- Raramente viajei pra esses lados. E sempre que vim, vim pelo litoral. Mas, como sabemos, o litoral não é seguro. Não sabemos em quais direções o Vazio pode atacar. É disso que eu mais tenho medo.

- Você não parece ter medo de nada... Diz-me em que cavalgas que te direi quem és.

- Não há produto da terra que não tema o Vazio. Mesmo aqueles que foram tragados por ele.

- Guiaaaauuuuii

- O que ela disse?

- Que não tem medo de nada. Entenda, ela ainda é muito jovem para os padrões fenixianos.

- Guia?

Ciquem não respondeu a pergunta de Delaina. Apenas a acariciou passando a mão em suas plumas.

No horizonte a frente mostrava-se agora uma chapada enorme. Ciquem lembrou-se que aquele era o marco do sul/sudeste. Em algum lugar a oeste dali estavam as Cachoeiras dos Findolinos.

Estavam se aproximando do paredão, Delaina começou então a ganhar altura. O que causou verdadeiros "frios na barriga" de Vinci.

Uma floresta enorme aguardava-os em cima. Árvores de quatro troncos cada, em média, todas altas e de copas vastas. Não havia falhas no verde (indicando a localização de uma trilha) nem montes próximos. O sol já estava perto da linha do horizonte. Eles tinham que achar um lugar qualquer que fosse para, pelo menos, passar a noite.

Voaram até que Vinci já podia olhar para o sol moribundo sem problemas. Então viram os galhos na copa de uma árvore balançar - um pouco adiante.

- Bico calado Ina. - Disse Ciquem (e essa expressão nunca foi tão bem aplicada!) - Vamos descer - Acrescentou ele - Segure-se Vinci, segure firme.

- Acha mesmo que eu não vou?

- Chiii.

Delaina fez uma manobra arriscada (para os passageiros). Vinci segurou-se em Ciquem como se lá embaixo estivesse o Vale da Morte, esperando por ele. A ave pousou em um galho, grosso como um tronco, fincando suas garras nele fazendo escorrer uma seiva verde-escura. O impacto da decida foi bem menor do que Vinci esperava. Embora o que ele esperava fosse "o pior", a Greonpiterix era uma Ave de Montaria Real e era treinada para levar seus amos no melhor conforto possível. Tanto que ela desceu da árvore facilmente até o chão sem problemas, além do medo, para Vinci. Na decida eles observaram flores grandes (escuras pelo horário) nos galhos daquelas árvores. Por os pés no chão - ainda que naquele fim de mundo escurecendo - era o céu para Vinci. (Com ou sem trocadilho)

- Obrigado meu Deus, obrigado.

- Ainda é cedo para agradecer. Vamos ver o que balançou.

- Você tem idéia em que direção fica, depois da decida?

Em vez de responder o olíre simplesmente foi andando cuidadosamente em meio as árvores. Seus passos crepitavam nas folhas secas - O que era ruim. E estava cada vez mais escuro - O que era pior. Ciquem ia na frente, seguido por Vinci, seguido por Delaina - extremamente desajeitada tendo que caminhar e ainda por cima "andar nas pontas das patas". Era uma cena que valeria a pena ver na luz do dia.

- Consegue ouvir? - Sussurrou Ciquem após ouvir mais um farfalhar de galhos.

- Sim. Estou com medo.

- Como pode temer o que ainda nem viu?

- Por isso mesmo estou com medo. Medo do desconhecido.

- Então logo vai passar.

- Como assim?

O olíre o deixou mais uma vez sem resposta. Continuou andando em frente. Delaina vinha trás emitindo um chiado interno curto, de vez em quando. Embora o manto de escuridão já tivesse se estendido pelo mundo, a escuridão não era total - Uma suave luz prateada-azulada-estelar atravessava as folhas nas copas acima.

- Essa floresta não tem nada de anã - disse Vinci aproximando novamente de Ciquem.

- Ainda não estamos lá. Ah só uma coisa com respeito aos habitantes da floresta, eles são diferentes.

- Diferentes como?

- Você verá se chegarmos lá. - Vinci não gostou nada desse "se".

- Estamos muito próximos, todo cuidado e silêncio... - Ia dizendo Ciquem sussurrando.

- Groooooououo!!

- Guiaaaahhh

- O QUE É ISSO? - Gritou Vinci assustado.

- CALMA INA! - Ciquem tentou conte-la.

- GUIAAAAAA!

Foi tudo muito rápido. Uma coruja apareceu do nada (na verdade de uma toca numa árvore) o que assustou Delaina. Ela tentou atacar a coruja que voou acima das copas das árvores. Delaina a seguiu.

- Ela não gosta de corujas. - Disse Ciquem baixinho

- Eu também não, a partir de hoje.

- O pior é que fomos descobertos, esconda-se...

- Nessa escuridão qualquer lugar é um escon....

- CUIDADO MOTHINAS! - Ciquem gritou inutilmente. Ao ver aquelas criaturas noturnas.

Foi tomado por um sono profundo de escuridão, o mesmo aconteceu a Vinci.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 01/05/2010
Reeditado em 06/08/2011
Código do texto: T2231574
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.