Por trás de um grande pirata, há sempre uma grande mãe...

A embarcação afundava na vaga da rebentação, mas logo voltava à tona. De velha que era, tornara-se matreira e conhecedora das profundezas. Investia onda abaixo e logo ressurgia orgulhosa com a bandeira com a marca da caveira, esfarrapada e hedionda, a avisar o processo de intenções comandado pelo Melancia, capitão, homem, se é que se lhe podia chamar tal, já que rezava a história que fora capado pela própria mãe. Pirata que se preze não podia admitir tal defeito, melhor seria a falta de um olho ou até de uma orelha, era mais capacho menos capacho. Com a tripulação junto à proa, sempre atenta, na mira de algum barco desprevenido, o tempo passava, com a água salgada a salpicar-lhes os rostos assados pelo vento e enrugados de malvadez e estupidez natural. Tentando se localizar entre o mar imenso e as ilhotas ao longe avistadas, quantas vezes oásis, fruto do rum que escorria fartamente pelas goelas da crew, a discussão ia acesa em relação às horas que seriam e à rota a tomar, quando Rute batendo com as tampas das panelas deu sinal de que o almoço estava servido. Os três magrelas corriam atropelando-se para ver qual receberia o melhor prato de caldeirada. Rute era a única figura feminina que o navio pirata conhecia. Mulher sexagenária de uma rudeza quase máscula, mas de grande serventia, pois cozinhar era coisa que os três magrelas e o capitão Melancia, seu filho, não se ajeitavam a fazer. A caldeirada fumegava no tacho e até as gaivotas se aproximavam para ver de perto que petisco era aquele que lhes aguçava o apetite. O primeiro a chegar à mesa foi Pastel, que levou uma sapatada de Rute e foi obrigado a lavar a cara e as mãos com água salgada porque tresandava a álcool e fedia a ratos mortos. Pincel e Cordel seguiram-lhe o exemplo e o capitão não escapou à água gelada do mar, desinfestando-se todos no mesmo alguidar, como o provou a cor da água que mais parecia de lavar caracóis. Rute distribuía a comida pelos quatro marmanjos e por fim deixava o melhor do repasto para si, os fígados de peixe, deliciando-se com o rapar do tacho. Jacob era a sua companhia, com ele falava e desabafava como se o papagaio se tratasse de gente. O raio do bicho apenas respondia: - Rapa o tacho! Depois da sumptuosa refeição regada com uma pequena pipa de vinho os 4 homens roncavam que nem porcos estiraçados pelos cantos do navio e era Rute quem vigiava o horizonte. Voltando atrás, Melancia, assim era chamado já que adorava refrescar-se com este fruto e acompanhava-o sempre com um bom jarro de vinho, o resultado não era o estômago encortiçado, como seria de esperar, mas, apenas, uma piela daquelas de esquecer quem era a própria mãe. Numa das vezes em que se enfrascou, até cair para o lado, imaginou Rute como uma jovem merecedora das suas atenções e interesses e investiu para ela para se satisfazer como homem. Rute, fazendo juz ao facão com que desfolava todos os grandes peixes que preparava para as refeições, deixou em Melancia a marca da sua autoridade. O filho passou a ser, homem sim, mas de um troféu só. Rute educava o filho com as armas que tinha, afinal, ela lhos dera, ela lhos podia tirar. Melancia estava avisado, se repetisse a gracinha ficaria equilibrado. Na pirataria, como na vida: por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe.

Fana
Enviado por Fana em 27/04/2010
Código do texto: T2223221
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.