O Mais Valioso Presente para um Bardo
Era uma vez, em um reino, um reino muito distante e pequeno chamado o Reino das Garças. Neste minúsculo reino havia um bardo, não era forte, não era rico, não tinha grandes habilidades de combate nem possuía a beleza dos galantes cavaleiros que vivam a duelar em nome de suas damas. Era um simples bardo que tinha como função social ser o Bobo, o Bobo da corte do reino das Garças.
E assim vivia o Bardo com parcas peças de ouro as quais ele gastava sem parcimônia, sempre em busca de alegrias fugazes. O bardo estava sempre junto de todos da corte, não como uma figura importante mas como a figura que alegra o ambiente, pois se uma perícia o Bardo possuía era a perícia de entreter a todos com suas boas historias, com sua língua lépida capaz de em curto espaço de tempo criar mentiras, historias, contos e aventuras que na verdade eram os sonhos contidos do Bardo de ser alguém reconhecido, alguém a quem todos pudessem admirar.
Para as mulheres o Bardo era o Bobo, alguém que vivia em busca delas, que de coração leviano apaixonava-se de maneira rápida, que da mesma forma perdia o encanto e de flor em flor ia atravessando o jardim misterioso, perigoso e secreto das complexidades femininas.
Certo dia houve um grande alvoroço no Reino das Garças pois do outro lado do mundo uma donzela apareceu. Ela vinha sozinha, e poucos eram aqueles que compreendiam a estranha forma de se expressar dessa donzela. Ela tinha pele constituída da fusão dos mais elaborados fios de seda com a suavidade e maciez das mais cândidas pétalas de uma flor que só nasce nas terras de Além Mundo, lugar de onde ela veio.
Catedráticos, estudiosos, homens de régua, compasso e números tentaram se aproximar dela, almejaram com suas mentes lógicas e sistemáticas entender quais eram os desejos, alvitres e significados dos estranhos movimentos, palavras e símbolos que a Donzela de Além Mundo trazia. Mas tudo foi debalde, os fios da tessitura significativa da Donzela de Além Mundo eram complexos. Fórmulas, regras e lógicas não se adequavam a sua forma simbólica de agir.
Em uma tentativa de surpreender, agradar e conquistar a Donzela de Além Mundo foi organizado um grande baile, no mais nobre e fortificado castelo da Província da Garça. Os mais abastados lá estavam, com suas vestes de gala, seus falares rebuscados e suas bebidas inebriantes.
E no meio dessa grande ventura, que é um baile da corte, estava o Bardo. Em seus traje rotos, mundano, plebeu. Todos falavam e enalteciam-se pois semi-deuses são a massa que constitui uma corte. E assim, sem mais nem menos, o Bardo aproximou-se da Donzela de Além Mundo. Não existia lógica no agir do Bardo, não existia nenhum sistema, mas o Bardo possuía algo que poucos possuíam a capacidade sobrenatural de entender as pessoas em sua essência, de entender outrem nas sutilezas e efemeridades dos sorrisos, olhares e principalmente na não casualidade da movimentação de braços, cabeça,lábios... Pois o que poucos entendem é que a centelha humana é e sempre será a mesma, somos feitos da mesma matéria que se chama sentimento, somos o amalgama de nossos instintos, sentimentos, desejos e da eterna ganância pelo elemento mais incauto do universo: a felicidade.
E a festa foi se estendendo, e cada vez mais o Bardo aproximava-se da Donzela de Além Mundo. Quando os músicos cessaram de tocar, um enorme baú adornado por caracteres incompreensíveis para todos aqueles da Província foi trazido e de lá objetos de uma beleza singular e inédita foram retirados e um por um dos presentes foi galanteado por uma daquelas peças de beleza exótica.
O Bardo mais do que todos queria receber o galanteio, mas com a contrição dos amantes não correspondidos sentiu-se só. Todos foram presenteados menos ele. E aquele que fazia rir, só desejava chorar e a passos dados com a fraqueza dos derrotados dirigiu-se para fora do salão, escondeu-se entre as grutas do jardim real e lá olhando para o céu que é a imagem da imensidão das coisas conheceu a si mesmo.
Não ouviu passos, as donzelas de Além Mundo não tem o direito de ferir o mundo com ruídos, são silenciosas e lentas, são secretas e perigosas. Foi somente quando ela assim desejou que ele pode senti-la ao seu lado e sem saber dizer se com palavras, gestos ou já dentro de sua mente ela falou que o presente dele seria especial, que ele teria o direito de leva-la para sua morada e lá seria presenteado com algo de inigualável valor em todos os reinos existentes e ainda por existir.
E assim deu-se que o Bardo foi para a casa da Donzela, ela o presenteou com um livro, raro, singular e cheio de significados. O Bardo abraçou a Donzela e então eles deitaram-se juntos e por um instante foi ele o rei, pois não existe trono maior e mais digno que a cama de uma donzela.
O tempo e as obrigações, deuses e senhores do cotidiano, separaram os dois. O Bardo continuou com suas obrigações, leituras, estudos, historias, engodos. E a Donzela tocou sua vida, ensinando a linguagem que vinha do outro lado para grandes catedráticos.
E num dia, sem motivo algum o bardo quis não ser mais o que ele era, o que ele sempre foi. Quis mais uma vez sentir-se rei, sentir-se único, sentir-se alguém, dono de algo que nenhum outro homem podia possuir, dono do coração da Donzela de Além Mundo.
Caminhou por ruas tortuosas feitas de sombras, lampejos de uma realidade obscena, fragmentos de ruínas antigas, adornos inúteis de verdades que não deveriam existir.
E assim chegou a morada da Donzela de Além Mundo, adentrou átrios, trespassou frontispícios e chegou ao onírico salão onde em sono ela repousava. Não conversaram, pois no salão das quimeras não existe linguagem, mas somente sentir.
Deparou-se então o Bardo com o mais hediondo de todos os monstros, o monstro que corrói os sonhos, que destrói as felicidades, desejos, bons augúrios... Este monstro que rodeia a todos, este monstro que tentamos derrotar inutilmente todos os dias, em uma batalha eterna entre aquilo que realmente é e aquilo que para nós deveria ser, este monstro maldito e poderoso chamado verdade, inimigo de tudo o que é belo, bom e feliz.
E olhos nos olhos, frente a frente com a criatura mais aberrante que existe no universo, o Bardo viu nas pupilas do malévolo ser que ele não passava de um comum, feito com a matéria pútrida que constitui todos os seres plurais da terra. Viu que a Donzela possuía um amor em Além Mundo e que era dele a rubra pedra que fazia vezes de coração para ela.
E sem possuir o valioso rubi, tomou o caminho de volta. Por esquinas e retretas, tavernas e cabarés caminhou até perceber que o maior presente que havia ganhado da Donzela não fora o livro raro já completamente escrito, feito para ler-se, mas sim o livro em branco que ela lhe proporcionara escrever, aquilo que de mais valia existe para um Bardo: uma historia, de triste fim, mas ainda sim um ótima historia.