A DOCE ESPERA = EC
INTRODUÇÃO
Eu queria muito conhecer o Planeta Terra.
Meu Anjo Guardião me contava como maravilhoso ele era com seu invólucro azul que as noites salpicavam de estrelas, sua flora exuberante, sua fauna variada e seus rios, seus mares, suas montanhas...
Mas eu tinha um amiguinho que contradizia o Anjo:
- A Terra é um lugar horrível! Há tempestades, terremotos, mil catástrofes.
O ser humano é muito mau, destrói as florestas, polui os rios, maltrata os animais e guerreiam-se entre si, semeando a sua volta o desespero e a morte.
Meu Anjo contestava:
-As tempestades são raras, a maior parte dos dias são cheios de sol e as noites estreladas.
A maioria dos homens são bons, não perfeitos, mas procurando praticar o bem, melhorar cada vez mais.
E eu estava decidido (a). Queria conhecer a Terra mesmo correndo todos os riscos e, com a ajuda de meu Anjo, de repente, sem saber como, me vi alojado no ventre de minha mãe.
1º. MÊS
Eu era tão pequeno que ninguém poderia ver-me a olhos nus e minha mãe nem desconfiava de que eu estava escondido dentro dela.
2º. MÊS
Minha mãe não estava se sentindo muito bem e resolveu ir ao médico.
Os médicos são as criaturas mais chatas deste mundo.
Fazem perguntas indiscretas, apertam, apalpam, cutucam, mandam a gente tomar remédios amargos e injeções dolorosas.
É um saco! (mais tarde aprendi que esta é uma expressão muito feia.)
Não deu outra! Ele me encontrou, contou para a Mamãe e ainda disse que eu era o (a) culpado (a) de suas mazelas.
Não consegui identificar a cara que minha mãe fez quando ouviu isso.
Alegria? Tristeza? Surpresa? Medo? Raiva?
Ou tudo isso junto?
Meu amiguinho me disse que nem sempre as mães recebem bem os seus filhos. Muitas os rejeitam, mandam embora, matam...
O Anjo disse que isso é muito raro, que em geral as mães amam os seus filhos, que existe o instinto maternal, etc. e tal.
Mas eu fiquei meio cabreiro (a). Podia ser que a minha mãe estivesse na minoria, que não me quisesse, que me mandasse embora.
Quando Papai soube da novidade ficou felicíssimo!
- Pudera! A parte dele é muito fácil! (foi minha mãe que disse)
No dia seguinte Mamãe recebeu um buquê de rosas mandado por ele em meu nome, ficou emocionada e a partir de então foi só alegria.
3º. MÊS
Papai e Mamãe já escolheram o meu nome e estão começando a comprar roupas e brinquedos para mim.
Pelo jeito vão comprar muito mais roupas do que eu vou precisar e brinquedos que eu nem vou gostar.
4º. MÊS
Se Mamãe quisesse me esconder não o conseguiria mais. Estou cada vez maior e ela também, é claro
5º. MÊS
Agora meus pais começaram a preparar o meu quartinho e para tanto estão reformando a casa toda.
A sala de estar juntou-se à de jantar. O escritório de meu pai foi para a despensa, a despensa para a edícula, um montão de coisas para o lixo, tudo para acomodar-me.
Nem que fossem trazer a biblioteca municipal para nossa casa precisariam de tanto espaço.
6º. MÊS
Mamãe voltou ao médico, aquele chato!
Disse que minha mãe está gorda, inchada, só faltou dizer que ela está feia.
Mandou fazer regime, caminhar, fazer mais exames, tomar mais remédios, isso depois de me encher o saco (desculpe mais uma vez a expressão) querendo ver o meu tamanho, as minhas reações e até o meu sexo. (vê se pode uma coisa dessas!).
Bem que meu amiguinho me disse que aqui na Terra tem muita coisa ruim.
Meu Anjo diz que os médicos são abençoados por Deus, que curam as doenças, aliviam as dores.... Sei, não!
7º. MÊS
Meu amiguinho me disse que a gente pode nascer com sete meses de gestação e eu achei boa a idéia, pois já estava enjoado (a) desta prisão, mas, quando ameacei a minha libertação minha mãe correu ao médico (aquele chato) e ele me deu uma bronca, fez voltar para o meu lugar e continuar lá quietinho (a) esperando a hora certa.
8º. MÊS
O médico (aquele ####...) marcou o dia que ele achava que seria bom para eu, enfim, conhecer este mundo e para que este mundo pudesse me conhecer também.
Minha mãe teve que ficar mais um mês com o seu barrigão seus pés inchados e sua ansiedade.
9º. MÊS
Enfim livre!
Assustado (a), cheio de dores, chorando e esperneando pude enfim conhecer o maravilhoso Planeta Azul dos meus sonhos.
Papai tomou-me nos braços, meio desajeitado, visivelmente emocionado e isso foi muito bom.
Quando ele encostou seu rosto no meu senti certa aspereza, mas não me importei com isso.
Meu amiguinho me disse que há muitas coisas ásperas por aqui, coisas muito mais ásperas do que a barba de meu pai.
CONCLUSÃO
Será que tudo isso não poderia ser mais simples, mais rápido?
Mais uma vez foi o Anjo que ponderou:
- Claro que não! Você já pensou se, de repente, sua mãe o (a) encontrasse deitado (a) na cama, pelado (a), chorando, querendo mamar? Imagine só o seu susto!
É necessário todo o processo de adaptação.
É como se fosse um “Vacatio Legis”.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Vacatio Legis.
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