Dragões - O primeiro - parte I
Chuva.
Parece que tudo no mundo hoje se resume a isso.
Mudo a estação do rádio, quem sabe não tem algo mais interessante em outra estação.
Nada.
E todo lugar que olho, vejo chuva. Ela vai caindo no carro, e fico olhando os limpadores de pára-brisas indo e voltando. Quando criança gostava de vê-los funcionando, era como algo hipnotizante que sempre me fazia pensar, sempre costumava pensar nas coisas mais estranhas e malucas do mundo, o movimento deles ajudava a me levar para os lugares mais bizarros que podia imaginar. Mas é claro, hoje, com esse transito infernal, olhando para eles, fico mais é com sono do que com vontade de pensar.
Raio.
Um relâmpago corta o céu me tirando do transe dos limpadores. Outro surge logo em seguida, enquanto a chuva só diminui, nessa mesma hora um calafrio me sobe pelas costas conforme os vidros do carro vão ficando embaçados.
Ligo o ar para tentar ver alguma coisa, mas dentro do carro a temperatura só aumenta, ajudando no problema.
Olho o relógio, 19:19h. Pra variar estou atrasado. Mais um relâmpago corta os céus enquanto eu me esforço pra ver o que acontece lá na frente. Nada. Por mais que me estique ou faça malabarismos não consigo ver nada.
Chuva.
Ela volta a cair com maior intensidade, mesmo parecendo que o tempo parou. 19:19h. Fecho os olhos ouvindo mais um relâmpago caindo, dessa vez mais perto. Bem perto. O carro agora parece que ferve, ao mesmo tempo em que a chuva fria cai do lado de fora. Abro os vidros do carro, mas ainda assim permanece quente.
19:19h.
Será que o tempo realmente parou? O ultimo relâmpago cai. Esse ninguém vê, mas eu sinto. Dessa vez, ele acertou em cheio.
Olho pelo retrovisor, escutando os limpadores funcionando. Pela primeira vez eu sei. Pela primeira vez eu entendo. A estranheza e o calafrio de antes sumiram. O calor permanece, mas agora o sinto mais brando.
Destino.
Nunca tinha pensado nisso antes, e agora nesse carro, no meio da cidade, eu sei. Pela primeira vez na vida eu entendo o que isso significa. Pela primeira vez em anos, eu posso dizer: Sou o mestre do MEU destino. Porque agora eu sei.
19:20h
O transito volta a fluir. E eu já não estou mais lá.