Alface – A esquina dos contos

* Da série ALFACE

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Alface, como já contamos durante nosso primeiro encontro, estampou na cartulina do tempo uma marca registrada da rebeldia de uma geração escolar, e sua personalidade condensava todos os conceitos de negação aos bons exemplos – e primava por isso – sabia ser ele o ícone da afronta . De certa forma, ao assumir aquela conduta ele também assumia uma filosofia de vida diferente, algo assim como um caminho alternativo conscientemente escolhido.

Todos nós que fomos seus contemporâneos nos perguntávamos – o que será do Alface ? porque todos iriam dar prosseguimento ao plano traçado por suas respectivas famílias, de modo que em poucos anos todos estariam morando em outras cidades, distribuídos em faculdades, escolas técnicas, academias militares, enfim , havia um norte – um projeto de vida - para cada um, menos para ele .

Alface permaneceria naquela esquina , que alguém – não se sabe quem – batizou como a “esquina dos contos” , reduto próximo à escola, onde funcionava um armazém , num casario muito antigo, provavelmente construído no final do século XIX e que continha um avarandado em frente ao qual uma enorme árvore de cinamomo , que provavelmente envelhecera junto com a obra , como testemunha muda das outras vidas que por ali passaram.

Na sombra da árvore e nas muretas do avarandado se formava o círculo vivo , no centro do qual sempre estava a figura insólita de Alface . Ali eram renovadas diariamente as conversas , estabelecidas as pautas das noitadas , dos jogos de futebol, das festas de aniversário que seriam “furadas”e muitas outras atividades que não caberiam neste texto. Mas também ali se desenvolvia uma outra atividade que ficou como marca registrada da esquina e lhe rendeu o nome : - os contos .

Alface era um exímio contador de causos e quando imaginávamos que seu repertório iria se exaurir, lá vinha ele com uma “estória” nova . Contos policiais e histórias de terror eram as preferidas - mas não as únicas - pois vez por outra ele esbanjava talento em trilhas eróticas e até mesmo em hilárias narrativas de humor . Outros participantes da “esquina” , muitos tentando desafiar o talento de Alface , outros com ciúme enrustido, faziam também seu show.

Dizem que muitos dos “contos” que Alface celebrizou naquela esquina jamais foram escritos e outros juram que um de seus discípulos estaria resgatando as “estórias” muitas das quais exigiam até um certo cuidado, porque ele mesmo quando narrava os detalhes de cada episódio, alguns “picantes” , sempre advertia : - “olha é só uma coincidência com o professor fulano ou com a fulana de tal” ...

Certo é que os episódios e as situações narradas na esquina dos contos transitavam entre a ficção e a realidade , mas algo ficou plasmado como muito verdadeiro e muito intenso e foram as palavras de Alface , já no crepúsculo daqueles tempos juvenís : - “Vocês todos partirão para ir em busca do futuro e da realização profissional, mas nunca se esqueçam que para serem pessoas plenas e felizes deverão entender que os outros que ficaram e renunciaram à trilha do sucesso , de algum modo, irão ser tão importantes quanto cada um de vocês , pouco importando se anônimos agricultores de um fundo de campo ou operários ocultos nos labirintos urbanos – Jamais esqueçam que as histórias e os momentos vividos aqui nesta esquina serão - para sempre – parte indivisível de suas vidas” .