O Solar de Bernarda Cabrera

O sol de Cartagena brilhava forte no límpido azul do céu. Para o representante do governo francês aquele era o fim do mundo. Das muitas missões que lhe foram confiadas esta foi a mais difícil de aceitar. Finalmente deixar as mordomias de Paris para vir se instalar naquela região do Caribe venezuelano, era quase um castigo, talvez pelas suas irreverências religiosas, pois não acreditava em nenhum Deus, fosse qual fosse à religião professada. Deus, para ele era um todo, o Universo, o homem e a sua força de raciocínio.

Segundo informaram iria passar uma curta temporada na cidade, enquanto o titular definitivo pudesse ali se instalar. Por isso viera só, deixando a família em completo sossego. Para quase todos os que habitam o Continente Europeu, vir para a América do Sul era uma espécie de punição, principalmente nos paises menos desenvolvidos.

Ao chegar ao aeroporto, a noite descia sobre a cidade e no infinito as estrelas brilhavam de forma diferente. Foi a sua primeira observação. O ar era pesado, o vento soprava forte, silvando qual uma cobra. Arrepios percorreram-lhe o corpo. Depressa, entrou no carro que o esperava e deu ao motorista a direção do Hotel. Seguiram pela estrada afora. Impaciente, perguntou: Por que este nome tão estranho num moderno Hotel cinco estrelas. Respondendo à pergunta, falando um espanhol claro e correto, Solano Buendia disse: O Doutor conhece a história do Solar. Não, respondeu. Pelo retrovisor, Michel observou a cara marota e resolveu continuar a conversa. Conte-me amigo, que história é essa. Perdão, senhor, mas esta será a sua missão nesta cidade. Quanto tempo vai passar, perguntou. Espero que muito pouco.

De repente, um freio forte o jogou para frente. Assustado, abriu a porta do carro e desceu. Como num passe de mágica, as malas já estavam postadas na calçada e o carro ia longe. Foi então que se lembrou: não tinha pago a corrida. Bem, deixa pra lá, deve ter sido o Ministério. Quando menos esperou viu que um jovem de pele escura e cabelos de cobre carregava a sua bagagem para o interior do Solar. Seguiu-o rapidamente. As luzes bruxuleantes davam um aspecto sombrio ao Solar, apesar do luxo que se espalhava por toda a sala. Enormes candelabros de prata, cortinas de damasco, tapetes persas, espelhos dourados, tudo isso tornava o ambiente pesado e misterioso.

O homem maduro, em plena forma física, elegante, cabelos lisos da cor da graúna, nariz afilado tal qual um deus grego, vestindo um terno cinza de corte impecável, destoava completamente do ambiente. O tempo que passou na recepção foi muito curto. Logo se viu entrando num elevador com porta de ferro antiga, brilhando como se fosse de ouro. Seguiu o taciturno jovem pelo corredor, forrado com passadeiras antigas, bordadas com esmero. Ao abrir a porta, foi que ouviu as primeiras palavras do moço: Senhor desejo-lhe uma boa estada neste Solar. “Buenas Noches.”

Ao entrar, Michel foi logo tirando o paletó jogando-o displicentemente sobre a cadeira, largou os sapatos de cromo alemão e ao afrouxar a gravata viu as cortinas da janela balançando. Assustou-se e foi abri-las. Do terraço, pode vislumbrar uma belíssima noite coberta de estrelas e a lua qual rainha reinando soberano naquele céu do Caribe.

Respirou, despiu-se e saiu para conhecer o apartamento. De repente, viu-se por inteiro no grande espelho de cristal, com moldura de ouro. A imagem refletida não era a sua, mas a de um homem bem mais velho, bonito, de tez morena e cabelos cor de cobre. O corpo firme e dourado era forte e bem talhado.

Não deu importância, aquela terra era realmente cheia de mistérios. Foi para a toalete e ao entrar, encontrou a banheira em forma de concha preparada para o banho. Entrou, deitou-se nas águas tépidas e perfumadas, fechando os olhos para relaxar. Uma música estranha misturava-se com o vento que assoviava. Ah! Pensou. Deixara a janela aberta.

Adormeceu e como num passe de mágica, viu uma jovem e bela mulher, de pele branca e olhos azuis, boca vermelha tal qual uma maça, completamente nua a sorrir para ele. Estava esperando-o com uma manta estendida nos braços. Sem se preocupar com a sua nudez, levantou-se e caminhou em sua direção. Um leve arrepio percorreu-lhe a espinha. Será que estava dormindo ou acordado. Questionou para si mesmo. Não vacilou e aceitou que ela lhe envolvesse no manto perfumado. Apenas sentiu um cheiro acre e diferente de todos os que conhecia. Mas o calor no seu corpo era tão prazeroso que não se importou.

A jovem segurando-lhe as mãos levou-o para a imensa cama de ferro talhada com estranhos arabescos, coberta por um dossel dourado. Diante dele, um homem com quase dois metros ela parecia uma menina. Frágil e linda. Uma coisa chamou a sua atenção. A imensa cabeleira cor de cobre, igual a do motorista que lhe transportara do aeroporto. Ela enxugou-lhe com leveza e tirando as vestes finas deitou-se ao seu lado. Ele não sabia o que fazer. Estaria enfeitiçado, pensou. Tinha um intenso furor sexual, mas nenhum dos seus sentidos dava sinal. O sexo permanecia quieto e tranqüilo, como uma pequena ave adormecida. Aos poucos tudo nele foi se acendendo, desde as narinas frementes até os bicos dos seios duros e firmes.

O gigante adormecido começava a despertar. A jovem mulher nua e transparente qual uma nuvem, respirava suavemente como se estivesse à espera de um gesto. O vento soprava forte e pingos da chuva batiam nas vidraças. Ele criou coragem e segurou as pálidas mãos que inertes, descansavam sobre o lençol. Eram quentes e macias. Então aconteceu o inesperado. A mulher abraçou-o com força, beijou-lhe na boca, enfiando a língua qual serpente numa fúria avassaladora. Rolaram num fogo implacável. Estavam sedentos de desejo. Fizeram amor muitas e muitas vezes. Com toda a sua vivência com as mil mulheres que já possuíra, nenhuma delas conseguiu levá-lo a loucura do prazer, igual àquela pequena jovem de cabelos de cobre. Exausto e quase adormecido, viu quando ela levantou-se caminhou para a varanda num passo leve, com a imensa cabeleira cobrindo-lhe o corpo e desapareceu.

Acordou com o sol derramando-se sobre as belas tapeçarias, onde milhares de jovens nuas, cobertas de flores dançavam. Levantou, tomou uma ducha fria e desceu para o café. Tudo o que acontecera estava gravado na sua mente e no seu corpo exausto de tanto prazer. O jovem que na véspera lhe encaminhara até o apartamento, com um riso nos lábios finos, perguntou: dormiu bem, senhor! Gostou da cama. Depois de mais de seis meses vivendo naquela estranha e mágica cidade veio, a saber, da lenda. O luxuoso Hotel onde ele morava pertencera ao dono do Solar e no mesmo quarto que lhe fora preparado, fora enterrada a filha de Solano Cabrera. Ina Melo. Recife, Set.2009.