Mezaninos do Mundo

Após fechar a revista, Leo discou imediatamente para a casa de seu amigo.

- Ora Paulo, de onde você tirou a idéia para aquele artigo que saiu publicado desta vez? Precisamos conversar a respeito. Confesso que dei boas risadas, pois são novidades para esta ovelha desgarrada as coisas que você se atreveu a dizer.

- Já se vê por aí que você está por fora, meu colega. Não se fala em outra coisa no nosso meio. Venha almoçar qualquer dia desses e eu o atualizo. Nada daquilo tem como finalidade vender revista. Muitos de nossos colegas já estão fazendo pesquisas com resultados bastante favoráveis. Estamos montando, inclusive, um laboratório lá na clínica e, se quiser, pode vir ver as primeiras experiências com cobaias. Você vai gostar, tenho certeza.

Ao desligar o fone, Leo ficou com uma curiosidade maior do que antes. Como podia um ex-Psiquiatra, agora dedicado às letras e ao tilintar do ouro, se ouro ainda representa dinheiro e vice-versa, interessar-se por coisas tão imateriais. Quanto a Paulo Sá está certo. Pode não ser o melhor especialista no assunto, mas é um dos mais dedicados, e isso não havia a menor dúvida. Formou-se há sete anos e não parou desde então por achar que a matéria nunca terminaria de lhe apresentar novos prismas e, portanto, mil novas ramificações. Procurar compreender o que não se vê convence pouca gente e era exatamente o seu trabalho.

Para um leigo, ouvir uma conversa dele com os de seu meio parecia mais uma conversa de loucos. Fluídos e reações são termos mais usados, sem que nada apareça de concreto.

Leo voltara de seu almoço com Paulo quando recebeu aquela carta. Já lhe bastavam as idéias daquele, agora isto. Não era possível que Paulo estivesse certo, pensava ele, afinal foi o próprio que disse não estar bem de saúde e suas idéias deviam ter essa causa, mas não estava entendendo como pôde haver coincidência dessa natureza, Não havia mais o que pensar, tudo parecia tão confuso. Uma coisa era certa: pura coincidência, nada de sobrenatural, mas..... será?

A solução encontrada por Leo não foi outra. Saiu imediatamente para a casa de um amigo perito, com seu note-book.

- Bem, o que descobriu? Fiquei tanto tempo com essa carta na mão e agora estou nessa ansiedade, nem eu mesmo entendo.

- É como você imaginou. Foi escrita em seu note-book e impressa com uma folha de seu arquivo.

- Tem idéia de quando foi escrita?

- Você me disse que as folhas foram adquiridas recentemente.

- É....

- Ora. É para isso que eu estou te consultando. Não tenho a menor idéia e é por isso que estou mais curioso ainda. Pela análise que fiz da tinta, foi impressa na data da carta.

- Quem se daria ao trabalho de entrar em meu apartamento par escrever uma carta para mim mesmo, e ainda por cima insinuando que eu não sou eu mesmo, que não passo de um fantoche, uma farsa.

- Já pensou que pode ter sido você que escreveu? Uma espécie de autocrítica inconsciente. Em Psiquiatria há algo assim, não há?

- Ora, então você acha que eu penso isso de mim mesmo? Tal seria. Mas eu me acho ótimo, fique você sabendo.

- Está bem, não precisa se ofender. O meu trabalho acabou. Provavelmente o seu começa agora.

- Não pretendo fazer nada. Isso já está encerrado.

Cheio de orgulho ferido, Leo chegou a casa com um tremendo mal humor.

Lógico, pensava ele, só pode ter sido uma brincadeira de mau gosto de algum amigo, talvez mesmo o que entregou a carta. Isso é o que tinha acontecido. Como não pensei nisso antes. Vou ligar agora mesmo.

Ao desligar o fone não estava nada animado. Quem fora então? Não conheço nem um inimigo, pelo menos que eu tenha consciência de ser realmente meu inimigo.

O sonho de Leo aquela noite deu o que pensar. As imagens não eram claras, mas identificavam-se seres conhecidos no meio daqueles emaranhados flutuantes. Não eram pessoas, não eram coisas, não eram animais. Eles flutuavam, se fundiam, se separavam, mas ele sabia que naquele meio estavam conhecidos seus. Como, se não os distinguia?

Ele era um espectador. Só observava. Interessante..., no local não havia piso, teto ou forro. Ele também flutuava, não havia paredes. Estavam no nada. Aqueles seres tramavam alguma coisa. Pareciam conspirar, mas sem conversa, ou outro meio de comunicação conhecido. Sentia-se no ar a conspiração. Não era coisa boa ou má, pelo menos na nossa idéia de bondade ou maldade, simplesmente tramavam. Por um momento um deles pareceu andar ao seu redor, mas não viu nem identificou. Em meio ao sonho distinguiu um assobio, tal como uma sirene de bombeiros, e tudo desapareceu, como se fosse um toque convencionado para acordá-lo de uma hipnose. Acordou inquieto.

Estafa, stress, cansaço....... quem sabe?

“Não devo estar muito bom mesmo, pois não me recordo desta página escrita em letras maiúsculas. Estaria a luz tão fraca assim que nem percebi a mudança?”

A semana passou sem que Leo pudesse ter um sono dos anjos nem uma noite sequer. Resolveu que tinha de desabafar com alguém e o único que não riria era o Paulo. Rumou para o laboratório.

- Pensei que tinha desistido de nós! Nunca mais disse um alô sequer...

- É, eu ando ocupado. Perdi algo sensacional?

- Depende de quem analisa. Vamos tomar um café.

Na lanchonete não falaram de outra coisa, senão da tal carta recebida pelo cético Leonardo, analisada o melhor possível pelo místico Paulo.

Para Paulo havia mil possibilidades dos fatos terem se sucedido. Até o próprio Leonardo poderia ter tido influência no fato. Era uma teoria que ele já havia explicado ao amigo e recebeu boas risadas como resposta, mas voltava ao assunto sem nenhum constrangimento.

- Mesmo que você não creia, Leo, a teoria não é infundada. Houve outros casos. Ainda não se tem provas, mas tudo indica que a alma, ou a parte espiritual, ou seja, qual for a denominação que se queira dar, adquire uma forma de vida em outros corpos depois que seu primeiro invólucro deixou de existir, e passa a influenciar outros seres a se comportarem como o primeiro.

- Ninguém sabe ainda, no entanto você fala como se já fosse um fato. Por qual motivo me escolheu? Pura rebeldia?

- Não é bem assim, respondeu Paulo rindo. Não há certeza nessa teoria, o que há é a possibilidade de a tal influência ser pressentida pelo “eu” presente. Nesse caso, uma nova personalidade estaria se formando nesse espírito imortal, imortal inclusive no mundo dele, se é que existe esse mundo. O sonho que você me contou pode ser uma idéia disso. O seu “eu” espiritual saiu para um passeio ou conferência com o presidente deles. Como vê, nós também fazemos gozação com nossas teorias, só que a título de brincadeira, não procuramos nos enganar como vocês.

Em nem um momento consciente passou pela sua cabeça que isso fosse um fato?Quando optou pela nova carreira não lhe veio uma espécie de medo, seu inconsciente não se amedrontou, contrariado?

Sempre há a possibilidade de, no seu interior, sentir que não serve para a “coisa”, e se sente um palhaço sem querer aceitar isso. Se for assim, você escreveu todas aquelas ofensas desapercebidamente, talvez motivado pelo cansaço ou algo assim..

- E esse ser teria idéias próprias, agindo contra o corpo que agora habita?

- Não houve agressão, apenas uma manifestação por se considerar superior. Primitivamente, talvez, pertenceu a alguém que tivesse as mesmas aspirações que você.Pode, inclusive, ter pertencido a várias outras pessoas, prova está que a sua opção profissional anterior diferia completamente desta.

- Então não passa de um doutor em rixa com um escritor que para melhorar a estória nada tem a ver comigo? Essa é muito boa!

- Prefiro pensar que são seres neutros. Estão acima de rixas.

- Algo me diz que você está cansado de argumentar....

- Convencê-lo é difícil, mas não se esqueça da carta....

Ana Toledo
Enviado por Ana Toledo em 10/03/2010
Código do texto: T2131023