Asariel

A umidade do ar denunciava a chuva que cairia logo mais. Aquele era um ponto perdido no meio do interior, aonde não se sabia ao certo em território de qual cidade se encontravam. Não havia estrelas, nem lua, nada. Talvez nuvens estivessem bloqueando a luz.

Quando o primeiro relampago veio, puderam vez a forma das nuvens carregadas. Em um instante a tempestade elétrica teve seu desenrolar brusco. A eletrecidade serpenteava pelo ventre pesado do céu, que logo iria parir uma senhora tempestade. Os farois do carro iluminavam a estrada a frente, uma estrada de terra batida. Em determinado ponto, pararam o veículo, e ao descerem do carro, alguém começou a chorar. Uma criança. Um pranto dolorido, as vezes abafado por mãos.

E agora por trovões. Aquele momento sublime, aonde terra e céu eram unidos em uma corrente.

O vento agitava cabelos e roupas, e ameaçava arrancar espiritos junto aos corpos do chão. Uma mulher segurou-se no carro, sentindo a tração do vento sobre si mais forte do que suas pernas suportavam. Nenhum deles ali havia visto anteriormente uma revolta tão grande dos céus.

E um momento depois, não estavam mais ali. Todos estavam novamente dentro do carro. Os soluços de mulher eram escutado pelos outros três passageiros, que reagiram com raiva aquela demonstração de tristeza.

- Fique quieta, Priscila. Já esta feito agora. - a voz rouca de um homem, que deveria ter mais de setenta anos foi ouvida do banco do passageiro. Mas a mulher continuava a chorar.

- Aquela criança só nos trouxe desgraças. Pare de chorar. O pai não a quis, nem você a quer! - Uma nova resposta, um segundo homem, mas esse era mais novo, vinda da direção.

- Mas não precisavamos deixa-la aqui! - retrucou a chorosa Priscila.

- E iriamos deixar onde? - Uma outra mulher, abafou um grito irritado, depois de dar um chacoalhão na moça que ainda choramingava - Essa criança tem que ficar ai, não ia servir pra lugar algum!

Dada a partida, o veiculo arrancou, seguindo em frente, debaixo dos primeiros pingos. Conforme a chuva apertava, o choro da mulher forçava passagem. Não importava o quando argumentassem, o que dissessem. "A criança é amaldiçoada". Aquilo era argumento para a mãe? Ela não queria a criança. Não... era só atrapalharia a sua vida. E tinha toda uma vida pela frente. Se mantivesse o bebe, teria de contar aos pais, que ainda não sabiam da neta. Teria de assumir uma criança sozinha, a vergonha das vergonhas para a sua tradicional família. Apenas a prima sabia - estava hospedada na casa dela a um ano, estudando. Não... ela não podia querer aquela criança.

Voltaram para a estrada asfaltada. Os guardirreiros refletiam a amarela luz dos postes, que ficavam um tanto leitosas debaixo da chuva pesada, que agora castigava a estrada. A mulher sentia a louura borbulhar em seu estomago e forçar passagem junto com as lágrimas. A criança havia ficado com uma roupinha fina. Uma roupinha fina...

- Voltem!

- O que?

- Agora! A minha filha vai morrer debaixo dessa chuva!

As palavras "minha filha" tinham um gosto amargo, principalmente porque ela nunca relamente se preocupara. Nem ao menos escolhera o nome. Fora a empregada, uma senhorinha chamada Joana, que a chamara de Maria.

Ela ainda podia se lembrar com clareza do dia em que a menina nasceu. Priscila não conseguira embalar a filha nos braços, enjoava só de olhar o bebê - a criança então chorou de fome por toda a noite - e de madrugada um desastre havia assaltado a cidade, uma chuva, torrencial como a que agora despencava dos céus, fizera terra deslizar. Casas foram engolidas. O marido de sua prima, que trabalhava para a prefeitura desviando dinheiro, uma semana depois, foi pego por investigadores federais. Quando contava com um mês, um homem, depois de visita-la, foi descoberto junto de duas crianças, alimentando práticas pouco honrosas.

A menina era um imã de caos, em três meses ficou claro para Priscila, a prima e toda a família do marido, que o bebê atraia para a luz o que era mal e errado.

- Não vamos voltar! - o velho ralhou do lugar do passageiro. Um pouco mais a frente eles fariam uma curva para a direita e cairiam na numa rodovia que os levaria para casa. para a segurança seca. A mulher se jogou entre o vão dos dois bancos, sendo segura pela outra. Priscila tentava virar a direção. A pista estava molhada, e a força adquirida do despero fizeram o volante girar. O motorista pisou no freio, indo parar quase de lado na pista. Haviam gritos dentro do carro, e chuva. E logo houve sangue. Um soco bem dado no rosto da mãe, e ela logo não podia mais protestar.

E logo nenhum deles poderia mais respirar. Foi o velho quem viu primeiro, revelado no fim da curva, um caminhão. Eles não haviam percebido o veiculo, e o motorista agora fazia o possivel para desviar dele.

Mas tarde demais.

Do lado deles, além do guardireio, um barranco aguardava. Não era alto, nem mesmo tão ingreme, mas estava cravejado de grandes rochas expostas - um dos motivos pelos quais havia se instalado a um ano naquela região uma empresa extratora de pedras com fins comerais. A frente do caminhão pegou a traseira e o lado do passageiro do carro empurrando o veiculo. A mulher que segurava Priscila mal pode sentir as ferragens que a abraçavam. O caminhão saiu para o lado da mata, e o carro foi empurrado para a queda. Os dois homens tiveram tempo apenas de gritar enquanto o carro quicava.

Priscila jamais saberia o que lhe aconteceu. O golpe do caminhão fora tão forte que seu corpo encontrará um caminho para fora do carro, através do vidro.

O morotista do caminhão percebera o impacto. Estivera entre o sono e a vigilha e agora estava muito bem acordado. Confuso, pensou em pedir socorro, pensou em procurar pelo automovel acidentado, mas a chuva e o desespero esmagavam sua razão.

Então ele viu a boneca de trapos que Priscila havia se transformado, logo ali no asfalto. O recheio era macio como algodão e havia escapado um pouco, não muito, para o chão. A mente dele rachou em duas, forçando-o a deixar para trás o horror. Ele não podia suportar, não podia mais olhar. E se alguém soubesse, sua vida estaria em frangalhos, como estava agora mãe do bebê abandonado.

E então, como se Deus estivesse prestando atenção ao evento, tendo resolvido colocar um pouco de ordem naquele caos, a chuva sessou.

Só o choro da criança que havia ficado para trás ainda era presente, em algum lugar, distante do acidente, do caminhão, e de qualquer ser humano.

Choro e lamentar dos trovões.