Trechos de meu livro Seis breves histórias sobre a Vida, o Tempo, o Amor e a Morte
LIBERDADE CONDICIONAL
...A moça começara a se arrastar em busca da bolsa e fora para um canto da parede, soluçando.
Os outros assaltantes se viraram, momentaneamente esquecendo o trabalho que executavam.
- O que você pretende? – perguntou o que se chamava Alonzo, apontando a espingarda para Júlio. – Vai me matar, cara?
Júlio, em silêncio, se aproximava com passos largos, o braço tenso esticado para frente, a arma em punho...
- Pare – gritou Alonzo, destravando a espingarda. – Pare ou mando você para o inferno.
Júlio não lhe deu atenção. Continuou se aproximando com a pistola em punho e então, inesperadamente, puxou o gatilho.
A arma explodiu, lançando o projétil incandescente em direção da perna de Alonzo, que sentiu a bala penetrar-lhe o músculo da coxa e gritou, cambaleou, caiu de joelhos, puxando sem querer o gatilho da espingarda a provocar uma explosão tão violenta que o fez rodopiar e cair no chão, enquanto as migalhas de um dos lustres do Banco provocavam uma chuva de fragmentos de cristal sobre ele e alguns reféns deitados no chão. (...)
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O FANTASMA
Todo dia era assim.
Podia ver o sol surgir, brilhando como se sentisse saudade, e então a casa começava a acordar. Todos saíam dos quartos imaginando se ainda continuavam dormindo, se a vida não era mais que um sonho, e então não demoravam a estarem na mesa para o café da manhã.
Já havia presenciado aqueles momentos alguns milhares de vezes durante a vida. Ela própria tinha se levantado antes do sol para preparar tudo para os seus filhos – que agora se tinham tornado pais, também, e experimentavam aquela sensação de abandono, dia após dia, como ela havia sentido com relação a eles, quando ainda não a haviam abandonado para sempre.
Sim. Todos tinham crescido até se tornarem pessoas completamente estranhas, imprevisíveis, como qualquer outra pessoa no mundo.
As ruas sempre estiveram cheias de gente a procura de algo que jamais encontrariam, de máquinas estranhas que corriam para lá e para cá sobre o asfalto escaldante, e ela nunca tinha imaginado uma justificativa convincente para a presença de tudo aquilo no mundo. (...)
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A ÚLTIMA HISTÓRIA DE AMOR
...Num impulso, ela esqueceu as malas no chão – onde trouxera velhas lembranças sem importância e algumas novidades desinteressantes – e correu em direção à escada.
- Não faça isso! – gritou o velho, e então correu atrás dela.
Na ânsia de reencontrar o marido, ela tropeçou num degrau da escada, caiu, e então o velho a alcançou, segurou-a pelos cabelos, pelo pescoço, pelos ombros...
- Não! – ele gritava, enquanto tentava evitar que ela continuasse, mas não conseguiu detê-la por muito tempo.
Com uma cotovelada certeira no estômago do velho, livrou-se dele.
O homem ficou sentado num dos degraus da escada, encostado na parede, tentando respirar, o coração aos pulos, enquanto ela chegava aos últimos degraus.
Parou, encostou-se na parede respirando com dificuldade, e então olhou para o velho – que ainda estava alguns degraus abaixo tentando recuperar as forças.
- Não entre lá – ele pediu, e buscava as palavras como quem procura água num poço profundo. – Não entre lá, estou lhe advertindo. Você vai se arrepender.
Ela o ignorou.
Devagar, voltou a subir as escadas, enquanto ela girava a maçaneta da porta. (...)
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A MÁQUINA DO TEMPO
...O rapaz se levantou devagar e começou a caminhar em direção ao velho, ali, sob a sombra das árvores altas da Praça do Centro do Mundo.
- Veja aqui - disse o velho, segurando uma daquelas fotografias. - Este é você, e já não é você!
- Que quer dizer? - perguntou o rapaz segurando a fotografia três por quatro, aproximando-a mais dos olhos.
- Não mais do que disse: as fotografias registram instantes da nossa vida que já passaram, e não se repetirão jamais! Este é você, no passado. Agora, você, eu, estas árvores, cada partícula viva deste mundo já não é mais a mesma! Se estamos indo para o futuro ou para o passado, só Deus sabe.
O rapaz olhou em volta, ainda sentindo-se estranho.
Sim. O velho tinha razão. Ele podia sentir que já não era o mesmo daquela foto. Ele ou qualquer forma de vida a sua volta. Depois do repentino mal estar que sentira após o CLIC da máquina fotográfica, a sensação de constante impermanência do mundo parecia-lhe ter se intensificado. (...)
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A CONVERSÃO
...O que você fez com as pessoas daqui? - perguntou, gritando. O velho encarou-o tranqüilamente.
- Como lhe disse - respondeu, juntando as mãos - converti todas elas, de-fi-ni-ti-va-men-te - soletrou irônico.
- Como, pelo amor de Deus? - gritou João, outra vez.
O velho fechou os olhos. Ficou ouvindo o eco da voz de João, a palavra "Deus" ricocheteando entre as paredes da igreja. Quando tudo voltou ao silêncio, ele olhou para o rosto aterrorizado do rapaz e disse, sorrindo:
- Ainda se batiza pessoas como João Batista batizou Jesus Cristo: com água. Entretanto, nós sabemos que essa não é a forma ideal para o batismo.
O velho tornou a se sentar e João ficou ali, de pé, trêmulo, olhando para ele ainda desejando que tudo aquilo não passasse de um pesadelo.
- Ritualisticamente - o velho prosseguiu - pensamos que, depois que submergimos uma pessoa nas águas de um rio, por exemplo, ela emergirá uma nova criatura! Quanta tolice! Como sabemos, a pessoa essencialmente continua a mesma criatura pecaminosa que sempre foi! Em alguns casos, torna-se pior, porque os outros, a partir da suposta conversão marcada pelo batismo com água, normalmente passam a esperar mais dela do que lhes pode dar! Torna-se mais temerosa e mais hipócrita do que foi capaz de ser em toda a sua vida! (...)
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