A Torre

Era uma vez – e é assim que começam as melhores histórias – uma princesa de belas feições e olhos cintilantes, que vivia na parte mais alta da torre mais alta do reino. Era de tamanha altura, que o ar que penetrava nas janelas era tão frio que parecia-se respirar gelo, e os raios de sol que desciam do céu pareciam se desviar da solitária construção.

Entretanto, ao contrário do que dizem a maioria dos contos de fadas, essa princesa não foi posta na torre por nenhum rei ciumento, bruxa maligna ou dragão desocupado. Foi a própria princesa que, cansada das desilusões da vida e desmanche das quimeras, mandou construir para si esse monumento, onde passaria os dias encerrada, à espera do Príncipe Encantado que viria à sua procura, a resgataria da torre e a levaria em seus braços rumo ao “felizes para sempre”.

Toda manhã, ao raiar do sol, a princesa postava-se na janela, observando distraidamente o mundo lá embaixo, esperando pelo dia em que veria seu príncipe chegar majestosamente, montado em seu cavalo e segurando sua espada, disposto a tudo para tirá-la do cárcere que escolheu para si mesma e fazê-la feliz.

No início, a cada manhã nascia para a princesa, junto com o sol, uma nova esperança. Cada novo dia de espera era uma nova chance para provar que ainda existia a felicidade para ela, em algum lugar. Não havia para a bela jovem momentos mais sublimes do que aqueles que passava na janela da torre, a visualizar em sua mente a imagem do príncipe. Contudo, à medida que passava o tempo, e nenhum sinal de mudança se fazia ver, a torre ia ficando mais fria e, com ela, o coração da princesa.

Em um dia de sol, um passarinho roxo pousou na janela da torre, tremendo de frio. Ele sugeriu à princesa, com sua voz canora, que ela deixasse o conforto ilusório no qual vivia. Que descesse dessa altura inútil que a isolava do mundo e consequentemente da vida. Que fosse ela mesma procurar o príncipe, ao invés de esperar que ele a viesse procurar. A resposta da princesa, num tom orgulhoso que bem servia para ocultar sua aflição, respondeu:

__ Até hoje, o mundo apenas me feriu e trouxe-me tristezas. Tudo o que tenho para me lembrar do exterior são os espinhos, e não abrirei a porta da torre até que alguém seja capaz de me oferecer também as rosas. Por hora, estou protegida aqui e é o que me basta.

__ Sua Alteza é quem sabe. – disse o passarinho tristemente, para em seguida entregar-se aos ventos, num bater de asas sublime.

Ao ver a avezinha voando no céu tão livre, a princesa não pôde deixar de expressar um suspiro, que se tornou mais profundo quando seus olhos verdes bateram nas grossas paredes que delimitavam o espaço diminuto de seu quarto na torre. Todavia, arriscando-se a olhar mais uma vez para baixo, o aperto no peito cedeu lugar ao sentimento de segurança, e o que parecia há pouco uma prisão voltou a ser a muralha construída ao redor da jovem para barrar todos os medos e perigos.

Enquanto a espera da princesa se prolongava, em algum lugar além da floresta que circundava a torre, viajava um jovem príncipe montado em seu cavalo. Ele ouvira falar da princesa trancada na mais alta torre e decidira entregar a essa desconhecida seu coração, sem reservas, e dedicar sua vida à missão de resgatá-la. Um sonhador que toda a vida ouvira que um herói prova seu valor esmurrando dragões e salvando donzelas, e cujo maior anseio era ver sua coragem recompensada pelo beijo de uma dama que esperasse por sua vinda.

Guiado por sua bravura e pelo amor que se aninhava em seu coração, o príncipe galgava estradas, penetrava florestas obscuras, como se o mundo fosse apenas um obstáculo que o separava de sua amada, e que seria prontamente vencido.

No entanto, uma vez que cada dia de jornada era para o herói um a menos em sua missão de resgate, para a princesa a espera não era mais motivo de esperança, mas um pesado suplício. Nos momentos mais negros, chegava a pensar que, afinal, enganara-se, e não haveria nenhum príncipe para resgatá-la. Passou a freqüentar a janela cada vez menos, disposta a acostumar a si mesma a viver na torre, imaginando que poderia esse ser para sempre o seu destino. Mas havia ainda uma chama, bem no fundo de seu coração, que impelia a jovem a ir até a janela, procurar o último consolo que lhe poderia vir de fora do seu mundo.

O Príncipe Encantado seguia sua busca, espada em punho, coração transbordando expectativa. Ele havia chegado à floresta. Já podia ao longe ver os tijolinhos da torre dispostos infinitamente até onde a vista alcança. Ardia-lhe a respiração ao pensar no hálito da donzela que haveria de unir-se ao seu num beijo. Estava tão perto...

Estava tão longe... debruçada na janela, como se vivesse num mundo à parte, ela passara grande parte da vida esperando. No entanto, nada via além das árvores a balançarem no ritmo melancólico do vento. Vento esse que, gelado como somente quem vive na mais alta torre pode sentir, batia nos ombros descobertos da princesa, que só não tremia porque seu corpo, encontrando-se quase na mesma temperatura, já se tornara indiferente a ele.

A jovem sentia seu corpo endurecer, até que não mais conseguiu mover os pés, que se achavam grudados no chão. O ato de respirar pareceu lento e penoso, como se o ar que lhe penetrava nas narinas fosse sólido. Olhou para os dedos das mãos: roxos como se segurassem gelo.

A cabeça imóvel obrigada a se manter virada para fora, acreditou ter visto um vulto na clareira ao pé da torre. Num indescritível esforço que quase partiu-lhe ao meio o corpo aprisionado, conseguiu esticar o pescoço e convencer-se de que realmente havia alguém lá embaixo. Um sorriso perpassou-lhe os lábios: o mais belo que nunca se dera o direto de expressar.

Descendo do cavalo com o semblante radiante, o príncipe pôde finalmente ver de perto a torre onde o aguardava a estrela que iria iluminar todos os seus dias. Possuído de intensa e cálida emoção, demorou-se uns instantes somente para tocar os tijolos da construção que abrigou por tempo demais sua amada.

Não querendo nem podendo mais se conter, o jovem herói subiu correndo as escadas da torre, a mente voando para o momento em que tomaria a princesa em seus braços e, amavelmente, lhe diria que tudo ficaria bem. A subida parecia levar uma eternidade e ele resolveu contar os degraus, como se isso fosse capaz de fazer o tempo passar mais depressa. Todavia, abandonou a contagem ao chegar na primeira centena.

Degraus, todavia, não podem conter para sempre um coração sincero. Portanto, finalmente, a jornada chegou ao fim e o Príncipe Encantado se viu separado da moça apenas por uma porta. Uma enorme porta de madeira com trancas de ferro, lacrada pelas mãos da própria princesa, simbolizando seu isolamento de um mundo que nunca a compreendeu, e com o qual não quis compartilhar sua existência.

Sentindo como se essa porta fosse a passagem para a sua felicidade eterna, o príncipe lançou mão de sua espada e, sem hesitar, feriu as trancas com golpes decididos, até que finalmente cederam.

Cautelosamente, para não estragar um detalhe sequer desse momento sublime, o príncipe abriu vagarosamente a porta, adentrando solenemente o quarto frio onde a moça vivia. Seu coração se mostrava pronto para receber o dela, e lhe mostrar que é possível ser “felizes para sempre”, se deixarmos os sentimentos fluírem e abrirmos o coração ao verdadeiro amor. E abriu completamente a porta.

Porém, ao contemplar a cena que estava diante de seus olhos, compreendeu que era tarde demais. Estranhamente parada próxima à janela, a moça se havia transformado num bloco maciço de gelo, numa expressão que denotava completa ausência de sentimento, e afastava qualquer comoção que a ela se quisesse achegar.

Um raio de sol entrou pela primeira vez pela janela da torre, tocando levemente o bloco de gelo, que começou a derreter e escorrer por entre as frestas da parede. Talvez, uma derradeira tentativa de descobrir o sabor da liberdade.

(Só não espere que essa história termine com “felizes para sempre”...)

Fim.

Louise
Enviado por Louise em 13/02/2010
Código do texto: T2085010
Classificação de conteúdo: seguro