Missa de Domingo
A missa de 13 horas na Igreja da Candelária tinha fama de milagreira, com participação de pessoas da “mais alta sociedade”; isto é, as pessoas que dormem em lençóis de linho ou de cetim, conforme o clima; tomam café na cama, comem caviar e dão expediente num trabalho de 16 às 18 horas num escritório refrigerado e cheio de secretárias. Não era o caso do Zezinho, filho do dono de uma padaria num subúrbio distante, no tempo em que as pequenas casas comerciais não eram vítimas de assalto, e as grandes casas não roubavam os impostos do governo, entendendo povo como governo; fazendo acordos milionários com os fiscais do governo, que têm como função precípua impedir que o governo seja roubado, sendo o produto do roubo transferido para os chamados paraísos fiscais, para os bolsos, as meias ou as cuecas dos corruptos. Voltando ao Zezinho; quando terminava a instrução dos domingos no Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva, banhava-se rapidamente, vestia o uniforme de passeio e ia para a citada missa, onde inclusive, comungava. Cansei de lhe dar maus conselhos, dizendo que seria muito mais lógico ir para casa almoçar, descansar e sair para dançar ou namorar. Zezinho resistia; eu disse ser a igreja milagreira e foi justamente o que aconteceu. O grande tenor Beniamino Gigli, quando de suas récitas operísticas pelos continentes, tinha por hábito comparecer a uma igreja de livre escolha, onde para surpresa dos cristãos, entoava com acompanhamento de órgão as Ave-Marias, inundando a igreja com seu belíssimo vozeirão; os presentes se surpreendiam e custavam a entender o que se passava; foi o que aconteceu naquele domingo; Gigli cantou na Candelária as Ave-Marias conhecidas, continuou cantando árias escolhidas dos Réquiens de Mozart, Verdi e Brahms, assim como trechos da Missa solene de Beethoven; 2 horas depois, Gigli foi embora como entrou, de maneira sorrateira, e pegou um táxi mandando-o “tocar” para o Municipal, onde já era ansiosamente esperado, para cantar a vesperal da Tosca com Maria Caniglia. Conto a história, para que tenham idéia de meu arrependimento de ter faltado àquela missa; eu não faltei àquela missa, pois, não tinha aquele hábito tão salutar. Por isso, Gigli foi a voz de Deus me punindo...