Galinha chocando

A casa antiga era bem dividida, mas tinha a característica de manter portas e janelas sem fechaduras; considerei absurdo numa casa com terreno de 5000 m2, com muitas árvores frutíferas, incluindo pés de pitangas e jabuticabas, pra não falar de jamelão e inúmeras mangueiras. Devem ter percebido que as mangueiras são consideradas aqui, frutas sem valor, como se fosse um favor degustá-las. Cheguei de avião, com, pelo menos, seis ternos de tropical inglês e sapatos de couro alemão e italiano, incluindo camisas de seda; ainda no aeroporto, isto é, no cerradoporto, verifiquei ser absolutamente impossível usar aquelas roupas; deveria comprar calças e camisas adequadas ao lugar. Chegando à casa descrita, tive um verdadeiro choque - na sala com bons móveis de madeira maciça, vejo numa cristaleira uma galinha chocando uma dúzia de ovos; com a sem cerimônia que me caracterizava, ditei a sentença - ou eu ou a galinha! Não haveria a menor possibilidade de ficar numa casa em que uma galinha chocava dentro de uma cristaleira, fato inédito no mundo! Por mais que tivesse grande estima aos tios...Depois de algumas ponderações, a galinha foi retirada e arranjaram um jeito de ficar abrigada, com menos mordomia é verdade, mas de modo que não se perdessem os pintos; felizmente, como pude ver depois, os pintos nasceram saudáveis - conhecia pintos de granja, mas não de cristaleira. Fiquei assustado ao levantar pela manhã, muito cedo como era meu hábito, e encontrar pessoas estranhas sentadas na copa tomando café, que elas mesmas fizeram; (!) - fui informado de que as pessoas tinham por hábito visitar a casa, mesmo com os moradores dormindo, o que me causou espanto; daí parti para a segunda intervenção minha em “casa alheia” - decidi colocar fechaduras em portas e janelas; fui à Casa Portuguesa comprar todo o material necessário, colocando-as pessoalmente; no dia seguinte pela manhã, como era de esperar, a copa estava vazia e pude movimentar-me em paz. Minha terceira intervenção foi nas cercas que protegiam o terreno; cinco mil metros de terreno, com cercas de madeira caindo aos pedaços, que só permaneciam de pé porque a chamada cerca viva, entrelaçava os cipós, mantendo-a na vertical. Tomei as devidas providências e contratei dois pedreiros tão técnicos quanto malandros, mas em 3 semanas um belo muro de tijolos cercava 200 metros do terreno, incluindo também, 200 metros de calçadas de cimento; a obra causou um grande impacto na região, havendo congratulações da parte do prefeito da cidade, pela providência que embelezou a cidade; a casa tinha outras curiosidades, como um cachorro chamado centavo, que se incumbia de pegar as galinhas para a panela; era só dar a ordem - traz aquela centavo, apontando para a galinha mais gorda, e ele cumpria a missão em menos de um minuto, sem ferir a ave. Essas e outras excentricidades poderiam dar motivo a um filme de Fellini.