Boleros

Fui fazer compras no supermercado, que me empolga pela variedade dos produtos e pelas lembranças que me trazem; lembro-me adolescente pulando de mercearia em mercearia, incluindo os serviços de subsistência do Exército, em busca dos preços mais baratos! A propaganda dos DVD, método moderno que nos obriga a gastar mais para ouvir boa ou má música, leva o supermercado a colocar imensas televisões com músicas, geralmente de apelo popular; tocavam um bolero com cantor que ignoro, por motivos óbvios, que me transportou aos tempos da adolescência, quando eu freqüentava os bailes dos subúrbios, ou não, em que entre outros, Gregório Barrios se esgoelava cantando os boleros da época - Dos almas, Frio en el alma, Quizás, Somos e outros tantos, que faziam as delícias dos bailes. Havia, inclusive um cujo título era Suicídio, em que o cantor no último verso cantava - Voy a matarme - e se ouvia um tiro! Imaginem, que tiro passava a ser música! Não é de estranhar, pois, o próprio Tchaikovsky usou canhões numa música ( abertura 1812 )! Voltando ao baile - corpos bem apertados, lá íamos nós ao som de Gregório, rodopiando pelos salões, ensaiando passos cruzados dentro do ritmo frenético dos corpos, deixando que as emoções psicofísicas se manifestassem da maneira que bem entendessem. Retorno à casa e, graças às edições revivendo, coloco o CD de Gregório Barros, longe dos ouvidos perscrutadores dos que não permitem sons que não sejam absolutamente clássicos; eu, tal qual um adolescente teimoso e mal educado, permito-me a aleivosia de escutar o disco completo, e convido Sonia, fugida do filme Gone with the Wind para brindar comigo, com um Buchanan’s 12 anos, que costumo reservar para ocasiões especiais, em que o saudosismo pega forte! Lembro-me de Denise Otero, sempre de vestidos de brocados e veludo, perfumadissima, acompanhada da mãe mulata bem vestida e mantida por um circunspeto homem de posses e compromissado; Denise era uma mulher linda, tendo uns glúteos grande demais para a época; hoje daria inveja às modelos desbundadas que abundam pelas passarelas. Denise era um verdadeiro sonho de consumo, mas tanto a mãe zelosa, quando o zeloso padrasto (?) só lhe permitiam a liberdade dentro dos salões de dança, não havendo força humana que fosse capaz de tirá-la dos salões. Por onde andaria Denise Otero? Talvez pilotando os tanques da vida ou as caixas abarrotadas de notas de um 50, 20, 10, 5 ou mesmo de 1 real, de algum bar de subúrbio; ou, quem sabe, numa loja de modelos de roupas femininas para mulheres que têm traseiro grande? Por onde andará Denise? De mim, dou boas notícias - estou por aqui mesmo ouvindo os boleros adolescentes na voz de Gregório Barros.

Por onde andará Denise? Prefiro Denise assim, de cabelos bem penteados, com seus vestidos feéricos, seus perfumes franceses, ou italianos ou mesmo argentinos; de fisionomia serena, dançando de corpo colado, como se fosse madame Gynette, que fez as delícias dos jovens que freqüentavam a rua Conde Laje; mas Denise era diferente! Provavelmente, sua mãe dizia não querer para ela o mesmo destino que tinha, como respeitável dama da casa chica do mulato vaselinado. Suas lembranças são como um quadro de piquenique de Renoir.