O Rapaz Triste

Ninguém imaginava a ansiedade que o Rapaz triste e de olhar solitário, tinha para que logo chegasse o final de semana e pudesse enfim, mergulhar seus pensamentos em seu computador. Este era o prêmio que seus pais lhe concediam se fosse um bom garoto durante a semana. Era uma tarefa árdua, pois para isto, tinha que se aplicar nos estudos, suportar seus irmãos e tolerar as ordens de quartel da Escola. Ele era motivo de preocupação para família, pois desde pequeno, mantinha-se reservado, ninguém descobria o que se passava dentro de sua cabeça; consideravam-no uma pessoa fria, misteriosa, anti-social, que nunca externava seus sentimentos.

Tratavam de tentar estimulá-lo a passear, praticar esportes, conhecer novas pessoas; porém, passear lhe era cansativo, não tinha habilidade para qualquer esporte, o que lhe ocasionou alguns pneuzinhos bem definidos, não conseguia conquistar amigos por ser muito tímido; se aplicava então a conquistar seu prêmio. E lá estava o Rapaz Triste e de olhar insípido, imberbe, sem namorada, como um sonâmbulo, olhando fixamente e navegando em sua nau eletrônica preenchendo sua solidão. Em seu computador um nome, Nina, era motivo de esperanças. Supunha-se que fosse o nome de alguma namorada. Na verdade, era o nome que dava a sua caravela. Por ela descobria novos horizontes, viajava pelo mundo das informações. Tinha interesse especial pelos povos antigos, astronomia; apreciava também divertidos jogos, e a quebra de seus recordes. Cada dia um novo endereço e um mundo novo se abria em sua tela.

Foi em um desses novos endereços, que sua vida tomou um novo rumo. Era o site das Sereias. Era o mais temido da rede. Estava cheio de vírus perigosos. Dizia-se que o navegador que entrasse neste endereço, sairia completamente de si, pois as imagens, músicas e informações eram tão fantásticas que uma vez lá, jamais se conseguiria recobrar o consciência novamente, caindo o intruso num ostracismo permanente.

O Rapaz triste e de olhar receoso, não respeitou a fama do site e decidiu enfrentá-lo. Para não manter a atenção, que o levaria a loucura, programou o computador para se auto desligar em três minutos. Achou que seria o tempo suficiente, assim não teria nenhuma lesão. Seu coração começou a bater forte, sua mão tornou-se trêmula, o que ocasionou alguns erros de digitação. Alguns instantes mais e conseguiu! Abriu-se um grande portal. Aos poucos as melodias, mensagens e seres fantásticos iam aparecendo. Seu encantamento foi aumentando, tornava-se mais e mais fascinado pelo que via. Aquela criatura sorumbática caía num estado tão absorto, que se o beliscassem nada sentiria. Faltava entrar em outros portais para se chegar ao âmago do site. Um a um iam se mostrando a seus olhos. Mas para se atingir o local das Sereias, um download deveria ser feito e uma mensagem deveria ser decifrada. Antes que pudesse salvar a página o computador desligou-se. Despertou como de uma pesadelo.

Queria voltar para lá sem demora, se impacientou, empalideceu, suava frio, parecia um louco. Um louco triste. Tentou lembrar o enigma, que foi se tornando cada vez mais vivo em sua memória...

“ Ao invocarem os Santos, as crianças se sufocarão, faltará oxigênio, a água se tornará escassa; A Lua e as estrelas se tornarão vermelhas de sangue. À meia-noite será oferecido o download. Um homem sem alma entrará no santuário e as sombras permanecerão. “

Um calafrio lhe percorreu a espinha – “ que coisa mais sombria, pensou. “ Era descabido e sem sentido! Vários outros finais de semana, acessava o site sombrio e esbarrava sempre no mesmo enigma.

O Rapaz triste e de olhar pensativo, vivia numa cidade triste, mal se viam a Lua e as estrelas devido a iluminação abundante e a grossa camada de poluição que cobria todo o território; os rios estavam mortos, os pássaros que se atreviam sobreviver eram raros. Era uma cidade de concreto e asfalto para pessoas de coração de pedra. Os milhares de habitantes que viviam ali mal se conheciam; da janela de seu apartamento visualizava apenas a uma rua congestionada e barulhenta, o céu ficava estrangulado entre os edifícios vizinhos.

Não entendia o enigma, e mesmo que descobrisse seu significado jamais conseguiria ver a Lua reveladora. Mas foi quase por acaso que acabou decifrando. Uma noite, enquanto estudava em seu quarto, seu irmão mais novo que estava jogado no sofá da sala, fazia inalação graças a uma forte crise de bronquite. A televisão estava ligada com o som muito alto. Incomodado dirigiu-se até lá para reclamar, pois não conseguia estudar direito. Sua mãe estava amparando o irmão enfermo e acompanhava o noticiário da tevê. Este fazia alusão à grande festa Junina de Norte a Sul do país, pormenorizando a queima de foguetes, a tradição no interior, as comidas típicas, as danças e a devoção do povo. Perguntou à sua mãe a quem se devia tamanha devoção, já que acreditava ser um acontecimento comum. Sua mãe pacientemente explicou que se tratava de uma festa popular tradicional, com fundo religioso. No Norte do país era tão importante quanto o Natal, e nela se homenageavam Santo Antônio, São João e São Pedro. Ao se referir aos Santos, o Rapaz triste, de olhar apavorado, lembrou da profecia e sem que a mencionasse a sua genitora, temeu pela vida do irmão.

Ela então riu de sua inocência e logo explicou que a crise era motivada pelo clima seco, pois era época de estiagem, acontecera também uma inversão térmica fazendo com que a poluição se concentrasse na cidade tornando o ar irrespirável. Isto então aumentou sua ansiedade.

Se então a Lua e as estrelas se tornassem vermelhas aquela seria a noite do seu sonho. Correu então para a janela, e tentou localiza-las em seu horizonte diminuto. Nem sinal das estrelas. Era porém, noite de Lua cheia e quase escondida atrás de um prédio antigo a Lua ligeiramente avermelhada lhe assombrou!!!! Deu um passo para trás e soltou um berro. Sua mãe então abandonou o enfermo abraçando o Rapaz triste e de olhar aterrorizado.

“ A Lua tornara-se vermelha e todos morreriam “, foi o que afirmou. Ela então o trouxe de encontro ao peito, afagando seus cabelos e esclareceu. “ A Lua não mudara de cor. A poluição criara entre nós e o céu uma lente vermelha que nada mais era que os poluentes em suspensão que não se dispersaram. Assim, até as estrelas se as conseguíssemos ver, se tornariam pontos vermelhos. “ Explicou didaticamente terminando por beijar sua fronte.

Definitivamente aquelas explicações elucidavam metade do mistério. Aquela seria a noite tão esperada. O Rapaz triste e de olhar angustiado, não conseguiu mais estudar, andava de um lado para o outro contando os minutos. As horas demoravam a passar. Ficou em seu quarto esfregando as mãos, tremendo as pernas e sonhando...

Aos poucos seus familiares iam se recolhendo. Seu irmão respirando melhor foi o primeiro; o Pai que mal chegara também se recolheu; a irmã mais velha lhe dera um abraço indo logo para a cama; por último depois de todos os afazeres foi a vez de sua Mãe.

Quando faltavam cinco minutos para a meia noite, escondido, ligou o computador, deixou o volume inaudível e começou a navegar. Abria os portais, como quem via a liberdade chegando, até que deu de cara com o portal mor. À meia noite em ponto abriu-se o Portal das Sereias e um download foi oferecido naquele único minuto. Imediatamente baixou para seu computador. A seguir leu outras instruções:

Apenas entraria no maravilhoso éden os indivíduos desprovidos de Alma. Para isto deveriam, depois do programa baixado, escanear a planta dos pés, a Alma se desprenderia e então a viagem maravilhosa se iniciaria. Porém, a contar daquela data, um ano após a jornada, deveria o visitante retornar e fazer uma atualização para permanecer entre as Sereias. Assim foi feito.

Tão logo as luzes vermelhas percorreram as plantas dos pés do rapaz triste e de olhar esperançoso, um forte cheiro de maresia invadiu seu aposento, e a separação inesperada aconteceu. O Rapaz triste, de olhar espantado encarava agora sua Alma triste, de olhar contrariada. Ela insistiu para não ser rejeitada, de suas súplicas emanavam pétalas amarelas, que perfumaram o ambiente, mas que não alterou a decisão.

Já que era inevitável a separação rogou ao menos o coração do Rapaz triste, de olhar impiedoso, pois não queria viver neste mundo sem amor, já que para ela de nada valeria no mundo das Sereias.

Seu apelo foi prontamente descartado.

Na tela uma linda Nereida viera recepcionar, o Rapaz triste, de olhar enamorado que se negou a deixar seu coração para sua alma. Ele queria levá-lo consigo e amar intensamente aqueles seres maravilhosos.

A Alma, derrotada, acompanhava pelo monitor, a partida de sua razão de ser, abraçado à aquela figura encantadora. Caminhavam pela areia da praia, aos poucos ganhavam as águas, leves ondas batiam em suas pernas, no fundo uma linda Lua cheia com estrelas cintilantes. Mergulharam, e ao desaparecerem o computador se auto desligou.

Quase um ano se passou, três dias antes da atualização necessária para sua permanência o Rapaz triste, de olhar saudoso retornava para casa para rever todos.

Pela tela do compurador, via que sua Alma estava deitada na cama no mais puro ócio. O cheiro forte de maresia, que invadia novamente o quarto como da noite mágica, a despertou de suas reminiscências e olhou fixamente para a tela, de onde materializava-se novamente o Rapaz Triste, de olhar alterado.

Se abraçaram, e ao fazê-lo ligaram-se por um fio de prata invisível aos demais. Apressou-se então a contar as novidades, o mundo da informação que descobrira, os locais que estivera, as pessoas que encontrou, o amor que buscou no Mar e descobriu nos Rios através de Iara, de quem se enamorara e queria logo reencontrar. Contava as mais belas histórias e se demorava em ricos detalhes que fazia brilhar seu olhar satisfeito.

Queria agora, saber das novidades, rever os Pais, irmãos, a Escola, enfim, tudo o que deixara para trás.

A Alma comunicou que tudo estava bem, que em sua falta fizera o melhor, convidando-o para que visse com seus próprios olhos.

Dirigiram-se então para sua Mãe, que ao vê-lo, tratou-o com o mais puro desdém. O mesmo se repetiu ao ver seu Pai, que passou por ele como se ninguém estivesse no recinto. De seus irmãos não recebeu nada além de rostos tortos, contrariados com sua presença. Parecia um pesadelo.

A Alma então lhe sussurrou para que pegasse a chave do carro do Papai. Respondeu que nunca, jamais o faria sem o consentimento de seu genitor. A Alma riu com escárnio e disse para irem então a pé assim mesmo.

O Rapaz triste, de olhar macambúzio ia informar sua Mãe de sua saída, o que foi zombado pela sombra que o puxou violentamente. Ganharam a rua rapidamente.

Antes de sua viagem, onde quer que passasse, ninguém notava a presença do Rapaz triste, de olhar apático, agora porém as pessoas evitavam passar por ele, emitiam sinais contrafeitos de sua presença, ou de seus cumprimentos por educação.

Decidiram ir até a Escola. No caminho, a Alma o acotovelou, indicando uma carteira que caía do bolso de um indivíduo incauto. O Rapaz triste, de olhar preocupado quis devolver ao dono, pois ali estava provavelmente o sustento daquele indivíduo distraído. A Alma rapidamente pegou a carteira e colocou no bolso da calça do Rapaz triste, de olhar contrariado.

Aquilo estava se tornando uma sucessão de desgostos, o que aumentou ainda mais quando foi impedido de entrar na Escola, por ter sido expulso dias atrás. Alegou-se inocente ao segurança do estabelecimento. A Diretora que de longe via a cena, aproximou-se querendo saber o que se passava. Passou então a defender o Segurança e enumerou uma lista enorme de transgressões cometidas pelo Rapaz triste, de olhar arrogante, que iam do menosprezo a ordem, desrespeito aos professores e diretores, furtos, brigas, seduções, aliciamentos, fraudes. Esta era a pequena lista que a ofendida Diretora lhe atribuía.

O Rapaz triste, de olhar melancólico, chorou amargamente. A Alma não demonstrava qualquer interesse, considerando os incidentes baboseiras desprezíveis. Ela chegou até a chamá-lo de volta aos brios. O Rapaz triste, de olhar arrependido passou então a repreender a Alma que lhe dava de ombros. Estava inconformado com a falta de respeito, de consideração pelos outros, pela caráter petulante e agressivo que se transformara. Não havia nela qualquer sentimento de piedade ou compaixão. Tornara-se a mais vil das criaturas.

Isto pouco a incomodou. A Alma encarou-o insolente e perguntou “ Porque haveria de sentir piedade ou compaixão ? Acaso você esperaria que me importasse com alguém nesta vida? Que dispensasse qualquer sentimento mesmo dentro do nosso Lar se me falta o instrumento mais valioso que você me negou? Como poderia me importar com alguém se não tenho o que sentir? Se me é indiferente o amor ou o ódio pois não os posso sentir? Se mesmo a você que me complementa jamais senti uma ponta de saudade. Na sua ausência fiz o melhor que uma alma sem coração poderia fazer. Dê-se por satisfeito!

O Rapaz triste, de olhar condenado estava boquiaberto. Ouvia estas palavras como uma adaga dilacerando suas vísceras. Se arrependeu amargamente, e tratou de modificar sua nova realidade. Procurou as pessoas magoadas por sua Alma, desculpando-se e prometendo tornar-se mais doce. Mas sua fama estava tão enraizada que nem lhe deram atenção. Enxotaram e desprezaram-no como um cachorro sarnento. Aos que haviam sido furtados, o repulsaram violentamente, houve até um Senhor que lhe apontou um Bacamarte disparando em seguida para o alto. Em vão, tentou argumentar uma renovação de sua Alma para a Diretora da Escola, que à sua simples presença ameaçou chamar a Polícia.

Voltou para casa, tentaria agora algum afeto entre os seus. Amarga constatação. O único sentimento que conseguiu extrair de seus entes queridos foi o desprezo. O Dia da atualização do programa das Sereias chegou, não conseguindo o Rapaz Triste, de olhar desolado qualquer progresso entre os seus. Esperava aquela passagem de volta para fugir, reencontrar Iara e tentar um novo futuro.

Alguns minutos antes da meia noite ligou o computador, que a Alma apelidara de Titanic. Sentia-se agora o mais triste entre os mortais.

Sua Alma, porém, não queria se ver só novamente sem um coração e sabotou o sonho do rapaz triste e apagou o programa original, destruindo também o escaneador.

A volta para o site das Sereias seria impossível!!!

Permaneceu contemplando seu fracasso. Não teve forças para repreender sua Alma, que o olhava displicente. O cheiro de maresia foi novamente tomando conta do ambiente, porém diminuindo lentamente até sumir por completo ante a não atualização do programa.

De sua Alma então, passou-se a emanar pétalas amarelas que foi envolvendo o Rapaz triste, de olhar estereotipado e um novo perfume agora se espalhava por todo o apartamento. O inverno acabara. Era o prenúncio de uma nova primavera, de muito trabalho e modificação. O tênue fio de prata foi encurtando até os unir por completo. Prostrou-se no chão gelado como um monge Beneditino e chorou de remorsos.

Almeida Ricá
Enviado por Almeida Ricá em 20/01/2010
Reeditado em 20/01/2010
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