Vigilante Noturno

Uma estrela cadente cruzou o céu, era meia noite. Um grilo agachou-se e pulou por sobre o muro baixo da residência. Uma coruja piou do galho de uma árvore. Três morcegos voavam em círculos. Milhares de insetos remexiam-se inquietos na terra, nas plantas e no ar.

Mudando de posição, mas ainda atento a todos os acontecimentos ao seu redor, procurou ficar mais confortável. Estava de vigília há 14 horas, não era seu costume ficar tanto tempo sem tirar um leve cochilo ou caminhar um pouco ao menos.

Sua refeição insubstancial não ajudou nada para melhorar seu humor. A residência estava às escuras e completamente silenciosa às suas costas. A cadeira de vime balançava incomoda com o vento. Ele desejou que tivessem a guardado dentro da casa. Nunca havia sido muito fã dela.

Algo entrou no seu campo de percepção. No muro leste, caminhando sorrateiramente como se estivesse evitando ser visto. Mas nada escapava da observação acurada e da percepção apurada do vigilante noturno.

Levantando-se preguiçosamente de sua posição, ele ergueu os olhos procurando a fonte da perturbação. Agitou a cabeça tentando clarear os pensamentos, enquanto com os olhos esquadrinhava o território.

Uma sombra rápida emergiu e sumiu novamente. Abandonando seu posto de vigia, ele caminhou em direção leste, com passos rápidos e leves, evitando provocar qualquer ruído que o entregasse ao intruso, precisava pegá-lo antes de ser visto.

Dobrou a esquina da residência e rumou para o muro ao sul, a vegetação densa das roseiras protegia-o das luzes provenientes dos postes, enquanto ele esgueirava-se, chegando ao local onde encontraria o invasor.

Um cheiro forte dominou o ar, diferente de todos que ele tinha sentido até então. Ele inalou a fragrância tomando ciência de seu odor acre e enjoativo. Em dois pulos subiu o muro e defrontou-se com o invasor, ou melhor, a invasora.

Suas vibriças ficaram eriçadas, seus instintos a flor da pele, ele mostrou os dentes foraz e rugiu para ela. Ela deu dois passos curtos para trás com suas patas brancas e peludas e rugiu novamente.

Ele tirou as garras de dentro de seus estojos avançando rapidamente para atacar. A sua massa corpulenta e muscular coberta de pêlos negros engolfou a pequena fêmea de cor branca, sentiu suas garras afundando na carne macia e quente, enquanto chutava o ventre dela com as patas de trás, garras à mostra.

Sentiu os dentes dela fincarem-se em seu pescoço, mas não deu tempo para ela aprofundar o corte. Forçando o corpo, jogou-a para fora do muro, caindo por cima dela e prendendo-a no chão, sua mandíbula engolfando o pescoço desprotegido de sua vítima.

Ela choramingou desprotegida, e olhou nos olhos dele chorosa, clamando por ser liberada. Saindo de cima do seu corpo pequeno ele olhou para ela e rugiu, toda sua coragem e determinação expressas naquele som. Em menos de três segundos ela ergueu-se e correu mancando, subiu o muro com dificuldade e saiu de sua vista.

Dando a volta novamente na casa, ele voltou a seu posto de observação, o colchonete agora esfriava, mas ele recurvou-se sobre ele amaciando-o com as patas, enquanto lambia as feridas que sofreu, preparando-se para continuar a vigilância do seu território, torcendo para que seus humanos chegassem logo.

Enroscou o pescoço no corpo fechando um dos olhos. Satisfeito consigo mesmo, não via a hora de entrar dentro da casa, onde ninguém poderia ameaçá-lo, para tirar seu longo cochilo felino.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 10/01/2010
Reeditado em 30/05/2012
Código do texto: T2021550
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.