Sonho sangrento
Marcos abriu os olhos e contemplou as rachaduras no teto branco. Elas descreviam desenhos tortuosos, como um mapa de um continente distante, um grande rio tortuoso seguia de norte a sudeste sendo entrecortada por rios menores que surgiam das grandes montanhas no leste. As florestas minavam certas áreas do grande mapa, enquanto em algumas áreas as planícies verdejantes eram o cenário, desertos áridos compunham o restante. Ele fechou as pálpebras e voltou ao seu estado de sonolência.
Quando reabriu as pálpebras viu-se apoiado na borda de um grande mapa do continente. Inúmeros vilarejos espalhavam-se nas planícies, três miniaturas de castelos estavam colocadas próximo ao grande rio, em pontos diferentes. Marcos apertou a borda da estrutura que abrigava a grande estrutura, suas mãos estavam grandes, seus dedos calejados, anéis dourados e com pedras preciosas adornavam suas juntas.
Ele piscou atordoado quando a voz grossa de um homem preencheu o cenário.
- Capitão Mark? Quais são suas ordens?
O homem silenciou-se aguardando paciente, Marcos olhou ao redor, estavam apenas os dois, no centro de uma tenda armada na grama, ele conseguia ouvir o som aclamado do tilintar de metal se chocando lá fora, o trotar dos cavalos e os gritos de guerra. Ele olhou novamente para o mapa. Tendinhas minúsculas estavam colocadas próximas a uma grande área onde cavalos e bonecos em miniatura lutavam.
- Qual é a situação? – perguntou Marcos.
O homem pareceu perplexo, mas começou a falar.
- Tomamos a passagem norte para o Vale das Enguias, mas os homens de Vlader estão nos encurralando próximo à Pedra Furada. Iremos perder muitos bons homens se não mandarmos o reforço imediatamente.
- Como você se chama senhor?
- Flard, filho de Rohr.
- Qual é a situação na frente de batalha Flard?
- Estamos em vantagem, mas parece que perdemos dois dos comandantes da vanguarda, os homens precisam de seu apoio. O que me diz quanto aos homens de Joard?
Marcos parou atordoado. Aquele homem queria ordens, e queria que ele Marcos, de apenas 12 anos decidisse o futuro daquela batalha, era impossível, ele sabia que estava sonhando.
- Mande um pelotão ajudar os homens da Pedra Furada – ele ordenou enquanto pegava sua espada e um escudo que estavam encostados na base da tenda.
- Sim senhor! – respondeu Flard, fazendo uma reverência enquanto corria pela campina.
Capitão Mark, ele gostava de como soava. Alinhou os ombros, ergueu a espada que parecia leve e girou-a no ar testando seus movimentos. Abriu a aba da tenda e saiu rumo ao norte, onde a batalha estava sendo travada. Seis homens postaram-se imediatamente ao seu redor enquanto ele caminhava a passos largos e rápidos em direção a sua tropa.
O fulgor da batalha rapidamente o acometeu, o cheiro de sangue e suor, o som estridente dos gritos de dor e de fúria, o chocar das armas nos escudos. Um corpo caiu ao seu lado atingido por uma flecha, outro soldado se retorcia no chão enquanto segurava o toco sangrento de sua perna.
Marcos ergueu o escudo e empunhou firmemente a espada, sem ter certeza do que fazer. Assim que chegou a primeira fila da batalha seus homens clamaram-no, com esperança renovada. A sua frente, fileiras intermináveis de soldados, vestindo armaduras negras, e com espadas mortíferas nas mãos.
- Sem medo! Em frente, vamos acabar com eles! – berrou Marcos, sentindo-se extremamente tolo e infantil, isso não era algo que um capitão de guerra gritaria.
Mas funcionou, os soldados todos correram para o combate, e a batalha mudou seu rumo, os inimigos caiam um a um a seu lado, enquanto ele avançava, sem erguer a espada contra ninguém, apenas observando.
Um homem de cerca de dois metros tampou sua visão, a armadura dele toda rasgada em diversos pontos, a espada pingando o sangue vermelho ainda quente. Ele olhou para Marcos com desdém erguendo a espada sobre seu ombro, pronto para decepar sua cabeça.
Sem saber o que fazer Marcos golpeou o joelho do grandalhão, fazendo nada mais que um corte na pele, deveria ter incutido mais força no golpe. O homem riu enquanto deixava sua espada descer com velocidade e força. Marcos protegeu-se com o escudo, aparar o golpe fez seu corpo inteiro tremer e empurrou-o alguns metros para trás.
O homem avançou mais confiante dessa vez, Marcos aparou o golpe com a espada, fazendo seu pulso gritar com a força. Aparou o segundo golpe que vinha de seu lado esquerdo com o escudo que partiu-se em três pedaços. Segurou a espada com ambas as mãos e sabia que se não atacasse, morreria.
O homem avançou, a terra tremia quando ele pisava no solo, a espada rápida descreveu um semi-círculo em volta de sua cabeça ganhando força e desceu perfeitamente em direção ao pescoço de Marcos no mesmo momento que ele enfiava a sua própria espada com força nas entranhas do inimigo.
Marcos convulsionou, seu corpo perdendo uma quantidade absurda de sangue pelo golpe mortal que levara no pescoço. Fechou os olhos e abriu novamente, o céu estava azul. As nuvens formavam um desenho intrincado, como rachaduras no reboco de um teto, uma veia grande encontrando outras rachaduras menores por toda a extensão de sua visão.