Crônicas do Sol - Parte VI

Os carros desafiam as leis da física nas largas ruas, rápidos, indomáveis, maquinas perfeitas. A jovem estudante atravessa uma das largas passarelas, visto que já não é mais permitido que as pessoas andem pelas autovias. Ela pensa nos trabalhos que tem que fazer em casa e nas tarefas de seus cadernos enquanto caminha suavemente carregando a pesada e rosa mochila no ombro direito. Sua delicada saia branca dança romanticamente com a leve brisa, sua camiseta é um típico uniforme escolar sem muitos detalhes e seus tênis esportivos estão castigados pelos longos trajetos que Melani percorre todos os dias para voltar para casa. Um simpático senhor caminha ao seu lado, carregando um pequeno reservatório de MCEA (um novo tipo de energia de explosão para gerar eletricidade e alimentar motores, Micro-Células de Energia Atômica) num sofisticado carrinho de mão automatizado.

Ela vê algo estranho no começo da passarela, três homens que correm violentamente entre as outras pessoas que estão fazendo a travessia. Quando se aproximam um pouco mais ela nota que tratam-se de dois policiais e um fugitivo, ela pára e fica encostada na parede lateral até esperar que eles passem, o senhor que caminha ao seu lado tenta afastar a carga da passagem, mas é difícil. O fugitivo é rápido, ele se esquiva facilmente das pessoas que insistem em ficar no caminho, os policiais porem não o fazem devido a seu pesado equipamento e acabam trombando com as pessoas pelo caminho. Um dos policiais cai no chão, o fugitivo está tão perto de Mel que ela poderia agarrá-lo facilmente para os policiais se não tivesse tanto medo, mas o homem que caiu toma a atitude mais imprudente de sua vida, num reflexo ele saca sua arma e atira na direção do fugitivo. No entanto disparo atinge o reservatório de MCEA causando um forte estrondo seguido de uma feroz e violenta explosão de luz. A passarela se parte, uma bola de fogo e plasma é vista em seu meio, o fugitivo e o homem que trazia o reservatório foram completamente incinerados, senão derretidos, mas Mel queimou apenas a parte direita do corpo e caiu junto com alguns blocos de concreto no centro da autovia. Ainda viva e com torturantes dores e um estranho formigamento, aquela dor que é tão forte que o cérebro se recusa a sentir, ela tenta se levantar, e antes que tome consciência de onde está é atingida violentamente por um automóvel em altíssima velocidade e é arremessada contra um dos prédios próximos a autovia, á quase 60m de distancia.

“O que aconteceu?”. É a primeira pergunta que ela faz assim que retoma a consciência, mas não consegue falar direito devido aos muitos aparelhos que estão mantendo-a viva. A maca percorre o hospital na velocidade da luz, os médicos dizem coisas que ela não pode compreender. Segundos depois seus ouvidos se acostumam.

- Os pais dela já estão aqui?

- Sim doutor, chegaram tem cinco minutos.

- Mande avisa-los do caso, é gravíssimo, ela perdeu muito sangue, sofreu queimaduras e derretimento por causa do plasma, além do dano radiativo. Sem contar os danos que são visíveis... Peça que aceitem o programa Cyber-MTT, temo que seja o único modo dela sobreviver. Não diga a eles que ela será a primeira.

Melani acorda horas depois, está deitada sobre a rústica cama do quarto. Valkirie esta sentada ao seu lado, já despreocupada, porém cheia de perguntas.

- Eu... Eu me lembro, me lembro daquele lugar. Mas... Ainda não lembro como cheguei aqui. – Disse ela antes que a mulher perguntasse, e contou seu sonho, sua lembrança.

A mulher quase não expressa sua surpresa, afinal a existência parece tê-la escolhido para revelar seus mistérios mais ocultos e amedrontadores. A mulher apalpa o corpo da garota, quem visse diria que queria abusar dela – e Melani realmente pensou isso. Mas estava apenas verificando uma coisa, não esboçou nenhuma expressão, mas já descobrira do que se tratava tudo isso, embora não tivesse inclinação alguma a explicar para a garota.

- Melani, durma no chão.

- O quê?

- Isso mesmo, durma no chão. Se você ter outro chilique pode esmagar minha cabeça com seu braço se estiver do meu lado, não pretendo correr esse risco. – Sua fala voltara a ser fria, como de costume.

A garota deitou-se no chão, obedeceu. Aliás, não podia deixar de obedecer, pois era de sua natureza.

Tendo passado a tempestade, e antes mesmo da alvorada, Valkirie acorda Melani. Juntas elas vão ao endereço que Edward entregara a Valkirie horas antes. Enquanto passavam pelas ruas cobertas de poeira e terra, Valkirie retira sua cimitarra negra e entrega a garota dizendo:

- Escute bem. Quando chegarmos, se qualquer uma de nós for atacada, não hesite em usá-la.

- Mas...

- Fique sossegada Melani, não enfrentaremos algo que você não possa ferir. – Disse a mulher, interrompendo a garota.

- T-Tá... – Respondeu ela, com certo alivio instintivo que as palavras de Valkirie sempre a proporcionam.

Seguiram seu caminho até uma casa velha, de lata, pedra e barro, à uns 50 metros de onde acabava a cidade. Entraram com cautela, eles podem estar vagando ainda, mas é melhor prevenir. Valkirie se esgueira, furtiva como uma raposa, e Melani caminha temerosamente, é possível apalpar seu medo na atmosfera que a rodeia.

- Essa é uma das boas, sangra como um porco decapitado. – Ouve-se uma voz espectral e medonha, chega a fazer Mel tremer.

Gemidos afogados numa garganta dilacerada são ouvidos ao fundo enquanto uma jovem responde:

- Sim, milorde, sabia que a apreciaria. Ela tem olhos ingênuos.

Valkirie observa as estranhas figuras por uma pequena fresta na parede de placas de aço sustentadas por pedras e barro: algo que parece um homem envolto de sombras e chamas, de cabelos longos que se assemelham a espinhos e chifres, ou qualquer outra coisa repugnante e amedrontadora; e em frente a ele uma belíssima moça, cabelos loiros e longos, rosto delicado de traços perfeitos, lábios carnudos e olhos sedutores, trajando um manto negro com inscrições estranhas. E entre eles uma bela mulher nua, acorrentada com algo como uma coleira á uma cama de pedra, a coleira causara graves cortes em seu pescoço que sangra muito e seu corpo está semi-paralizado com muitas marcas de tortura e de mordidas em todas as partes de seu corpo, até nas partes íntimas. Todas elas sangram igualmente.

Há ainda na sala outras quatro figuras fúnebres, com longos mantos, que ao pingar das gotas do sangue da bela e frágil mulher, entoam mantras igualmente fúnebres, perversas e diabólicas. Eles pronunciam incessantemente: “Forças das trevas, aceitem essa oferta de sangue ao filho do inferno perante de nós e nos de poder. Forças das trevas, aceitem essa oferta de sangue ao filho do inferno perante de nós e nos de poder.”.

As duas figuras perante a vítima se divertem com sua agonia, com sorrisos malévolos estampados em seus rostos malígnos, enquanto pequenas gotas de sangue vão caindo, escorrendo pela pedra e saltam, encontrando-se por fim, com o chão de terra seca batida.

Uma segunda moça, igualmente bela e infernal, surge das sombras sorrindo diabolicamente para a jovem nua, ela se aproxima como que levitando sobre as sombras, se inclina e beija a moça, e no beijo, a morde vorazmente e arranca seus lábios. Um grito engasgado em sangue de agonia e desespero se faz ouvir na casa. Valkirie observa friamente com seu revolver na mão.

- Milorde, e cara irmã... Temos visita. Me é possível sentir o cheiro da invasora. – Disse a moça que surgira das sombras, com uma torrente de sangue ainda vertendo dos pedaços de carne dentro de sua boca, que logo ela cospe.

- Aaah... Logo agora que prestes eu estava a me deliciar totalmente dessa bela presa. – Disse o ser.

Valkirie se prepara, puxa lentamente o cão do revolver para não fazer barulho, Melani treme apenas ouvindo as palavras, ela não viu nada ainda.

Uma das figuras que entoavam feitiços se apressa ao abrir a porta, Valkirie esperava por isso e dispara contra a primeira coisa que vê sair pela porta, mas ela se decepciona, não poderia usar suas balas nele. Ela se move violenta e freneticamente, adentra à sala pisando sobre os pedaços da cabeça estilhaçada no chão, com destreza efetua um novo disparo que transforma a bela moça loira num escarcéu de carne e sangue girando no ar. A outra moça, que surgira das sombras, pula em direção ao pescoço de Valkirie e lhe arranca um pedaço, e então com suas belas mãos segura firmemente a mulher a mais de um metro do chão.

- É seu fim, caçadora. – Disse a moça.

Sangue, um gemido de dor é ouvido. Valkirie cai desequilibrada no chão.

- O quê? O quê aconteceu? Está doendo! – Exclamou a jovem.

Quando Valkirie levanta os olhos, avista em sua frente Melani com a cimitarra em suas mãos trêmulas, e o corpo da feiticeira se divide ao meio, mas antes de cair no chão torna-se em sombras.

A mulher rapidamente toma a cimitarra das mãos de Mel e se prepara, protegendo Mel e ao mesmo tempo mirando contra o ser infernal.

- O que pode fazer? – Risos diabólicos são ouvidos – O que pensa em fazer com essa arma, tola humana?

A mulher não responde, apenas puxa o gatilho e a bala se apressa ao seu destino: a cabeça do demônio. Ele começa a se desfazer e secar, um grande feixe de luz brilha do local onde a bala acertou, os discípulos do ser correm desesperados, e Valkirie os ataca um a um, como o lobo voraz dilareça suas presas no deserto.

Quando tudo se aquieta, ela coloca a mão sobre o ombro de Mel, como sinal de gratidão, e então elas cuidam da moça machucada, e libertam outras três pessoas, entre elas os filhos de Edward.

David Nadotti
Enviado por David Nadotti em 25/12/2009
Reeditado em 31/05/2010
Código do texto: T1994778
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.