A Remissão de Zé Justino

Já era quase meio dia. O sol escaldante tornava o ambiente ainda mais infernal. Não se ouvia nem o vento a balançar a vegetação ressequida, e no céu não se via branca nuvem. Retratos como esse são comuns na paisagem do sertão.

Para o bando de cangaceiros de Zé Justino o calor não incomodava. Estavam mais do que acostumados com isso. Eram homens fortes e resistentes, treinados na sobrevivência na caatinga. Sabiam como ninguém a arte de viver nestas terras castigadas pelo sol. Essa paisagem não era inimiga, mas aliada, e nesse momento abraçava todos os membros do bando, ocultando-os das vistas alheias.

Zé Justino não era bem visto pelo rei do cangaço. Era tido como cabra medroso e desajeitado. Em muitas ocasiões paralisou na frente do inimigo e não conseguiu atirar, sendo salvo pelos companheiros e pelo próprio Lampião uma vez. Não queria ter que carregar esse estigma o tempo todo. Precisava dar um jeito nisso. Precisava provar sua coragem, que era cabra macho e que não entrou pro bando de cangaceiros à toa. O momento propício tinha chegado.

Segundo informações um grupo de policiais estava se aproximando de um dos esconderijos de Lampião. Zé Justino se prontificou de levar seu bando e emboscar os “macacos”. Já tinha um lugar em mente. Uma única passagem por onde seria possível chegar ao esconderijo. Os membros da Volante teriam que passar por uma clareira na mata, próxima a um açude. Sabia que teriam que se abastecer e se refrescar em suas águas barrentas e quentes, afinal, pra chegarem por estas bandas, com certeza andariam uns três dias e os cantis já deviam estar quase vazios. Esse seria o momento da emboscada. Seu bando iria cair em cima deles como urubus na carniça.

Estavam todos a postos. Os dez homens do bando estavam escondidos, camuflados na mata seca com suas roupas de couro. Zé Justino estava na expectativa. Estava tenso. Esta seria a chance para adquirir a confiança de Lampião, abalada por causa de seus últimos fracassos na linha de frente. “E se o grupo de policiais tivesse pegado um caminho diferente?”. “E se tivessem sabendo da escaramuça”, pensava Zé Justino. Não demorou muito e a resposta veio com a chegada da volante ao açude. Um sorriso se abriu nos lábios do cangaceiro. Olhou para os lados na tentativa de enxergar seus companheiros. Estavam bem embrenhados na mata, deu apenas para ver uns três com suas espingardas apontadas na direção do grupo inimigo.

O grupo de policiais era formado por uns quinze homens. Ao avistarem o açude apressaram o passo. Estavam todos mortos de cansaço. A caatinga tinha cobrado sua parcela do ânimo deles como faz com todos aqueles que caem em suas garras. Aos poucos iam se abastecendo de água, enchendo os cantis e molhando o corpo como podiam. Um deles parecia aguardar, um pouco afastado, os soldados se aprontarem. Com certeza deveria ser o líder, pois gesticulava para os demais como se estivesse dando ordens.

O plano de Zé Justino era servir de isca no primeiro momento, disparando o primeiro tiro da margem oposta do açude. Esse seria o sinal para que o restante do bando saísse da toca e atacasse pelas laterais, cercando o inimigo. Se havia uma coisa que os cangaceiros sabiam aproveitar, era o fator surpresa das emboscadas.

Quando os membros da volante se preparavam para sair em nova caminhada, Zé Justino saiu do seu esconderijo e deu cinco passos com a espingarda apontada.

--- Morre cambada! – grita Justino. O estampido de sua arma alerta o grupo inimigo. Seu primeiro tiro acerta em cheio o peito de um dos policiais, que cai de bruços na água. O restante da volante apressadamente pega suas armas e aponta para o cangaceiro solitário. São quatorze espingardas contra uma. Isso mesmo, Zé Justino estava só. Olhando surpreso para os lados Justino não vê seus companheiros. Será que não tinham ouvido seu sinal? Não deu tempo de pensar sobre isso. Uma chuva de chumbo descia em sua direção. Os disparos acertavam tudo pelo caminho, árvores, cactos, pedras e areia. Zé Justino estava no meio de um inferno. Porque o bando não veio ao seu amparo? Porque não via ninguém? O que tinha acontecido? Essas perguntas inquietavam Justino enquanto buscava abrigo contra as balas que vinham ao seu encontro. Embrenhou-se na mata logo atrás e saiu correndo.

Os homens da volante apressaram-se a correr atrás do cangaceiro apontando as armas e disparando. Aos gritos de “pega”, “pega”, entraram na mata e espalharam-se. Zé Justino ia logo à frente, até que encontrou uma árvore, escondendo-se atrás dela. Não adiantava correr o tempo todo, logo seria pego por uma bala nas costas. Se esse era o dia da sua morte, que fosse como um cangaceiro, não como um covarde.

Ao sentir a aproximação dos soldados, Justino, de costas para a árvore, virou-se e abriu fogo contra o primeiro que viu. Um tiro certeiro que derrubou um jovem soldado no chão seco.

--- O desgraçado está ali! – gritou outro soldado apontando para a árvore que protegia Zé Justino. Depois disso veio mais uma vez a chuva de tiros. As balas acertavam a árvore arrancando-lhe grandes pedaços e passavam atingindo a vegetação logo à frente.

Zé Justino segurava firme sua espingarda, sua única companheira naquele difícil momento. “Chegou o dia” pensava. “Que fim triste o meu. Traído pelos companheiros e entregue às armas dos inimigos”. Mas não seria tão fácil assim. Os desgraçados não o levariam tranquilamente. Iria lutar até o fim, até a última bala. Enquanto se enchia de forças, Zé Justino recarregava sua arma rapidamente. O ruído de passos apressados, quebrando galhos e folhas secas, denunciava a chegada de mais soldados. Eles gritavam uns com os outros e com o cangaceiro encurralado. “Você é um cabra morto maldito”, “vai morrer filho de uma égua”, vociferavam. A arma de Zé estava pronta. Só daria pra um tiro. Daria esse tiro e desembainharia seu facão. Morreria com arma em punho e levando mais um pro inferno.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 18/12/2009
Código do texto: T1983878
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