Cap 21 - O despertar

O sinal que indicava o final da batalha havia soado. Yashiro havia perdido para Iori, que neste momento urrava ferozmente e olhava com ares de vingança para cima de Kyo.

Aquilo me arrepiou. Por telepatia pedi que se acalmasse e a resposta que tive foi um olhar resignado e um sorriso de canto de lábios.

Shermie e Chris cercavam Yashiro no ringue naquele momento, ambos portando uma adaga.

Por alguns segundos me distrai quando cruzei com o olhar entre Yagami e Kusanagi.

Kyo pulou as amarras de proteção sem ser chamado e estava dentro do ringue encarando Iori. Quando tentei me aproximar deles, descobri que havia uma barreira entre publico e o local da luta.

Ouvi muitos gritos de horror da platéia, e em seguida senti o cheiro férreo de sangue. Olhei para a francesa Shermie e para Yashiro, ambos haviam cortado os pulsos e banhado Chris em um rio de sangue. Os dois faziam uma oração enlouquecida e desvairada, que aos poucos afetava minha cabeça. Havia mais uma pessoa na platéia que rezava junto com eles. Era Leona. Gritei de raiva de onde eu estava e me teleportei para o epicentro da confusão.

Senti uma vertigem ao ver tanto sangue e violência. Era como se um portal de uma dimensão horrenda (que eu não conhecia) se abrisse diante de meus olhos.

Muitas pessoas fugiam da platéia, se atropelando, enquanto os demais competidores se agrupavam em frente ao ringue sem poderem adentrar, devido a barreira criada pela magia invocada por Shiro, Leona e Shermie.

Os gritos de dor de Chris eram ensurdecedores. Levei a mão à minha cabeça, que essa altura do campeonato, estava com gotas de sangue de alguém que eu nem sabia quem era.

Eu não sabia de quem eu me aproximava primeiro: se era de Yashiro que estava estendido no chão ao meu lado quase inconsciente ou se atendia aos gritos do menino que sentia dores dilacerantes.

Olhei para o alto e gritei com raiva:

- Eu já me envolvi até a cabeça nisso aqui e agora não vou deixar de ajudar quem eu gosto! – procurei Chizuru no meio das pessoas e cruzei meu olhar com o dela. Vi consentimento na forma com que ela me encarou.

Ajoelhei-me ao lado de Yashiro, levando minha mão esquerda carregada de energias renovadoras ao seu peito. Com o toque fiz cicatrizar o local do sangramento nos braços, fazendo-o abrir os olhos e me encarar com certa vergonha. Shiro não era uma má pessoa, portanto não seria necessário purificar suas energias. Eu resolveria o problema tirando-lhe as lembranças das ultimas horas.

Com as mãos espalmadas eu caminhava com elas há poucos centímetros de seu corpo.

Fechei meus olhos e segurei com força a cabeça de meu amigo, sentido as dores que ele sentia e a magia que corria em seu corpo se acalmar e, aos poucos, desaparecer.

Abri meus olhos e encarei-o seriamente, ainda com as mãos nos dois lados da cabeça dele. Aos poucos a nuvem negra que pairava sobre seu olhar foi sumindo. Senti um enjôo quando uma esfera prateada se materializava na fronte daquele homem. Shiro voltou a fechar os olhos e desmaiou.

Havia mudado o destino e o futuro de alguém. Peguei a esfera. Ali continham as lembranças e a dor sentida por ele.

Sorri e com uma das mãos sequei minha testa suada. Todo o processo não demorou mais que 2 minutos. O corpo de Yashiro estava fraco, mesmo com mensagens de regeneração acelerada enviadas ao cérebro, ele necessitaria de cuidados médicos.

Olhei em direção a Shermie, mas antes entrei em contato por telepatia com Kim e os irmãos Bogard, para que trouxessem as ambulâncias que estavam fora do ginásio.

Não demorou muito e os irmãos haviam atropelado fileiras de cadeiras na loucura de chegar com as ambulâncias próximas ao ringue.

Enquanto eles chegavam, eu havia feito o mesmo processo com Shermie. Ela, porém, permaneceu consciente mesmo no momento em que materializei a esfera de prata saindo de seu corpo. Entretanto, em Shermie, eu necessitei fazer uma leve alteração e memória e consciente. Procurei mudar um pouco as memórias negativas que ela possuía.

Não deixei de lhe dar um olhar terno quando a vi mudar as feições de raiva por uma feição mais calma.

Naquele momento eu tinha as esferas de memórias de Yashiro e Shermie. Aquelas esferas se formavam e se plasmavam conforme minhas vontades de retirar traços de más índoles das pessoas. As energias vitais de quem eu atendia passavam pelo meu corpo e as “impurezas” eram filtradas e formavam a esfera. Guardei-as nos bolsos. Poderiam servir para algo.

Olhei para meus pulsos, aos poucos apareciam cicatrizes dos ferimentos que Shiro e Shermie haviam feito em si próprios. Eu sentia as dores de ambos ainda vibrarem notas musicais nefastas em meu sangue. Aquilo demoraria algum tempo para sair de mim.

Teleportei ambos os feridos para uma ambulância, que saiu em disparada ao hospital.

Olhei para Kyo e Iori, ambos estavam lado a lado e ouviam atentamente algo que Shizuru lhes falava. Um estrondo imenso me fez abaixar assustada.

Voltei-me para onde havia ocorrido o ruído de explosão. Havia fumaça, fuligem e sangue por toda parte. Procurei Chris e já não via o garoto, e sim um homem totalmente vermelho, banhando em sangue e com olhar amedrontador.

- Orochi ... – abri a boca instintivamente horrorizada. – Meu Deus... de novo não.... – me ajoelhei sentindo toda a energia de ódio daquele ser se depositar sobre mim.

Cruzamos nossos olhares. A mão pesada de Iori caiu sobre meu ombro.

- Sai daqui, não quero machucar você. – Yagami me olhava com fúria nos olhos. Mas aquela raiva não era para mim.

- Você foi muito importante, mas agora não há nada que você possa fazer, minha pequena. – Kyo se abaixa e toca em meus cabelos com a ponta dos dedos. – Agora é conosco.

Engoli meu orgulho e meu medo daquilo tudo, me levantei e fiquei em pé em meio aos dois.

- Não vou deixá-los sozinhos nisso! – prendi os cabelos e bati a poeira da roupa - Não é mais só uma questão das suas famílias! Agora é uma questão minha também!

A gargalhada do ser nefasto a nossa frente ecoou pelo local, já com os civis evacuados.

- Nisa! VOCÊ aqui de novo se intrometendo! – o homem tatuado e de cabelos prateados a nossa frente me apontava o indicador - O que mais acha que pode fazer, além de impedir que aqueles dois inúteis do Yashiro e da Shermie morram? – a voz gutural do Orochi me arrepiava.

Encarei-o com dó em meu coração. Ele tinha memória atemporal, assim como a minha. Portanto, o Orochi se lembrava de nosso primeiro encontro (vide cap 3). Mesmo este encontro não acontecendo oficialmente em um tempo real.

Eu havia falado com Orochi quando fui pela primeira vez para 1997. Eu já tinha visto aquela luta em que estávamos no meio e eu sabia o fim que ela levara.

Sem esperar muitas respostas, nosso ilustríssimo monstrinho raivoso flutuou levemente ao ar, soltando chamas negras por todos os poros. Em segundos, atacou Iori, Kyo e a mim.

Milésimos de segundos após sentir o vácuo criado pelo golpe do Orochi, eu me teleportei e flutuei atrás dele falando-lhe na altura de suas orelhas:

- Lembro-me bem de nossa conversa. – encostei meus lábios em seus ouvidos e sussurrei - Acredito que você não esta aqui porque precisa. Você esta aqui porque vê prazer em sentir ódio de ambos ali na frente – olhei para Iori e Kyo. – Mas agora eles estão unidos. Não são apenas um odiando o outro.

A fúria daquele ser se depositou em mim, quando em um reflexo mais rápido que meu pensamento, ele se virou e colocou as duas grandes mãos em meus ombros, me segurando com força.

- Você tem algo melhor para falar para alguém que vai tirar sua vida neste instante, fadinha bocuda?? - meus braços adormeceram com a força que ele empregava nas mãos.

- Eu tenho como retirar esse seu ódio. Deixe-me ajudar.... – comecei a suar frio com a aura nefasta que ele liberava.

Vi de relance Iori e Kyo totalmente incendiados com suas auras de fogo.

Troquei mensagens telepáticas com ambos.

Naquele instante, o Orochi desprendeu a atenção de mim e olhou para Kyo e Iori.

Aproveitei-me desse segundo em que o olhar do Orochi de desviou do meu para ver ambos, arremessei um chute na altura do estômago e outro na virilha. Soltando-me de suas mãos por meio de teletransporte.

Senti alguém me pegando no colo e me tirando da reta de fogo que Kyo havia despejado em cima do Orochi.

- Disse para você sair daqui! – Iori fez que iria me arremessar fora do ringue, mas ao sentir a barreira que havia ali em suas mãos, desistiu.

- Iori, precisa deixa-loinconsciente para que eu me aproxime dele. – segurei o rosto do ruivo com ambas as mãos e encarei fixamente em seus olhos.

Yagami gargalhou, me colocou em pé no chão no canto do ringue e correndo em direção do Orochi gritou:

- Deixá-lo-ei morto para você, minha pequena. – e se arremessou com ira em cima do oponente.

O sangue de Iori fervia em suas veias. Havia alguma ligação muito forte entre ele e o inimigo.

Mas algo ainda me fazia ter dó de Chris. E aquele sentimento me deixava sem forças para encará-lo como um demônio.

Esmurrei a barreira que nos separava dos demais lutadores e encarei Kim com lagrimas nos olhos.