Crônicas do Sol - Parte V

Uma tempestade do deserto se aproxima, uma força devoradora de homens, abrigos e tudo mais que encontra pelo caminho, enormes tufões de areia que quebram e cortam tudo. As tempestades de hoje são os tornados mais fortes já vistos desde que o mundo é mundo. Alguns duram semanas, outros duram meses.

O homem engole seco, sente o deserto todo raspando pela sua garganta abaixo.

- Só podia ser! – Afirma ele com os olhos trêmulos. – Aquela criança não é nem um pouco normal. E as lendas... Meu Deus... – Ele dirige o olhar para chão, mas não olha para o chão, está distante.

- Me fale sobre a criança, tenho um mau pressentimento. – Disse Valkirie apertando-lhe o braço.

- Claro, claro. – Ele enxuga novamente a testa soada com seu lenço branco. – Petterson esteve aqui para buscá-la. Ele e uma linda moça de pele vermelha e cabelos negros e longos. A criança chegara numa diligência há dois dias, com um saco preto na cabeça e estava amarrada com uma corda grossa.

- Espere um momento Edward – Ela o interrompe – Quem é Petterson e quem trouxe a criança?

- Petterson é um amaldiçoado, desalmado... – Ele a olha fundo nos olhos – Sabe, vocês tem um mestre em comum.

Ela abaixa cabeça pensativa.

- Entendo.

- É. – Disse ele dando de ombros – É a vida não é. E sobre quem trouxe a criança... Você parece estar interessada, o seguiu até aqui?

- Segui sim, tem informações que preciso. – Ela começa a girar o pesado revolver na ponta do dedo indicador – No nosso ultimo encontro sobraram “alguns assuntos não resolvidos”. – Disse sarcasticamente.

Ele anda ao redor da mesa e se senta.

- Entendo... Talvez você possa encontrá-lo no bordel. Mas “alguém” não pode saber que eu te contei isso ok? – Sussurrou ele tomado de medo.

Ela não entende. Coloca as duas mãos sobre a mesa e se inclina para perto, olhando-o expressando indignação.

- O que você fez Edward?

- Entenda Lang’Art, eu não tive escolha.

Ela se irrita e bate violentamente as mãos sobre a mesa, os guardas se assustam e apontam as armas para ela.

- Me diga que você não fez o juramento. Me diga! – Gritou ela.

- Eu tive que fazer! Era meu filho Valkirie, ele estava com a praga! – Disse o homem com lagrimas nos olhos. – Hoje eu prefiro que ele tivesse morrido pela doença... Alimentam-se dele Valkirie, dele e de minha filha que nascera depois.

Ela anda pela pequena sala indignada, balança a cabeça. Os guardas ainda estão assustados com sua reação, mas não se atrevem a tentar puxar o gatilho contra ela, eles conhecem as lendas. Edward se ajoelha prateando perante ela.

- Eu imploro, liberte meus filhos!

Ela caminha em direção a porta.

- Dane-se, eu avisei que seria assim. – Disse ela dando as costas para ele.

- Maldita! Maldita seja Valkirie! Acusas-me por ter feito algo que tu mesma fizera! – Gritou tomado de ódio e desespero o homem.

Ela pára na porta.

- Eu sei que pode Lang’Art, eu sei! Você é a única que vai contra todas as regras, que vai contras as regras do inferno. Talvez por isso Deus esteja do seu lado. Só você pode nos ajudar...

- E porque eu faria isso? – Perguntou ela, voltando sua cabeça ligeiramente para trás e olhando-o com rabo de olho.

- Porque se tivesse cuidado de uma criança, a visto crescer sob seus cuidados, imploraria o mesmo.

Ela permanece pensativa por um momento, sabe que se fizer isso vai perder o rastro de quem persegue - aquele que trouxe a criança. Mas não pode deixar que dois inocentes paguem pelo erro do pai, caso contrário se tornaria exatamente como os que persegue.

- As balas do meu cinto não funcionarão certo? – Perguntou ela.

- Temo que não. – Respondeu ele se levantando.

- Já imaginava. Quantos são?

- Três.

- Então três balas é o que terão, nada mais que isso.

Ela caminha apressadamente em direção a rua, aos gritos do vento da tempestade que se aproxima suas justas vestes e seu véu negro chicoteiam em sua pele.

- Aonde vai? Está louca? Um tornado vai passar por aqui! E você nem sabe onde eles estão! – Gritou o Edward da porta da prisão.

Mas ela não se importa, apenas caminha em direção da pousada mais próxima e possivelmente mais barata onde Melani deve ter conseguido um quarto para elas.

Ela entra apressadamente já com areia nas roupas e nos cabelos e pergunta a estalageira sobre Melani, ela responde que uma moça com a mesma descrição se hospedara ali a menos de uma hora, então diz qual é o quarto. Ela bate na porta rústica de aço e pedra e Mel abre a porta para ela, mas fica parada ao lado da mesma.

- Que droga Melani! Que demora pra abrir essa porta! Fecha isso antes que o quarto encha de areia. – Ela coloca o revolver sobre a cômoda ao lado de Mel e senta na cama.

A moça esta com lagrimas nos olhos e tremendo, a mulher estranha, é quando a porta se fecha com a figura de alguém a empurrando, alguém que estava escondido atrás da mesma e tem uma pistola na cabeça de Mel tendo-a como refém.

- Nem pense nisso pistoleira, se você se mover ela morre. – Disse o vulto escondido com uma voz jovial masculina. – Me dê as armas e o dinheiro, então irei embora.

A mulher não sabe o que fazer, se estivesse sozinha não teria esse problema, mas não pode arriscar a vida da garota. O vulto da dois passos a frente com Mel e se revela pela luz das velas sendo um jovem rapaz, um ladrãozinho qualquer, ele tira a arma da cabeça de Mel e aponta para a mulher. “Agora!” gritou ele, Valkirie percebe que seu revolver está ao alcance da garota, e acena com os olhos. Melani percebe qual é sua intenção, mas permanece imóvel, sem reagir.

- Faça. – Disse a mulher.

- Não posso! – Exclamou Mel com os olhos trêmulos e mãos paralisadas.

- Fazer o quê? Olha não tentem nada estou avisando! – Disse o rapaz.

- Agora Mel! – Ordenou Valkirie.

- Não posso! Não posso! – Disse meio que em prantos a garota – Não consigo!

- Parem com isso! – Gritava o garoto com medo.

- Agora Melani ou nós vamos morrer! – Gritou Valkirie.

Os olhos da garota ficam girando perdidos num devaneio e ela responde estranhamente:

- Primeira Lei: Não posso ferir uma pessoa ou, por omissão, permitir que uma pessoa sofra algum mal!

Valkirie se assusta com a reação da jovem, assim como o ladrão. Ela continua:

- Terceira Lei: Devo proteger minha existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.

- Do que você está falando Melani?! – Perguntou assustada a mulher.

- Pára! Pára com isso! Eu vou atirar em você! – Exclamou o rapaz desesperado mirando contra sua cabeça.

- Segunda Lei: Devo obedecer as que me forem dadas por outras pessoas, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei! – Respondeu a garota entrando num tipo de convulsão e desmaiando.

A mulher aproveitou a oportunidade quando o rapaz teve de segurar Mel caindo sobre ele mesmo e o derrubou no chão, tirando-lhe a pistola. Ele fugiu amedrontado.

Ela a coloca na cama, Mel é pesada, mal pode tirá-la do chão, ela se senta ao lado da cama e espera pelo acordar da moça. Enquanto espera ela percebe que a perna esquerda de Mel está sangrando, ela examina e o sangue é da garota mesmo, percebe que sua pele fora escoriada perto da onde era visível a prótese robótica (talvez quando ela caiu com o rapaz), o espanto toma conta do seu rosto ao ler o numero de serie completo, que agora está descoberto. “19082074”, só poderiam significar “19-08-2074”, a possível data da criação da prótese. Valkirie se levanta bruscamente andando de costas e bate na parede atrás dela e começa a balbuciar algumas palavras, cálculos.

- 2074, 2174, 2274, 2357... – Seus olhos ficam vidrados nos números na placa metálica da coxa esquerda de Mel. - 283 anos. Isso é impossível!

David Nadotti
Enviado por David Nadotti em 20/11/2009
Código do texto: T1933653
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.