Morreu como um passarinho...
Morreu como um passarinho...
Maju Guerra
Madrugada diferente, alguma coisa pesada no ar, a menina pressentiu. Sono sobressaltado, sempre que acordava alguém aparecia e lhe acariciava a cabeça, sussurrava para ela dormir de novo. Finalmente acordou, era dia claro. Ao chegar à sala, a mãe correu para abraçá-la bem apertado e lhe contou, com os olhos molhados, sobre a morte da avó Maria. A menina atônita perguntou como era possível. A avó tinha-lhe dado um beijo na testa ontem mesmo antes de dormir, ficou sem compreender. Êita coisa rápida essa tal da morte, se bobear ela pega a pessoa e carrega embora pra sempre. Ouviu uma tia comentar com a vizinha: mamãe morreu como um passarinho, não sofreu nem um bocadinho, foi uma bênção divina.
Morrer como um passarinho? Coisa esquisita, a menina nunca tinha ouvido falar. Tomou seu café, sentou-se em um canto do quarto a conversar com a boneca, imaginava intrigada como seria aquela história de passarinho. O dia passou rápido, ela não viu sequer um sinal da avó, o quarto estava vazio e desarrumado, sua ausência doía demais, ainda tinha tanta coisa para lhe perguntar e para aprender...
A casa em polvorosa, um entra e sai de gente conhecida e desconhecida, flores, choros, véus pretos, uma tristeza. Por vezes alguém passava, beijava sua cabeça e dizia: a coitadinha vai sentir tanta falta da avó... Logo, todos se foram. Ela e o irmão ficaram sozinhos em casa com uma prima que não podia ir a enterro, desmaiava quando chegava ao cemitério. Os três dormiram cedo, ela dormiu com o irmão. Como era o caçula, iria protegê-lo, a morte poderia vir à noite de novo...
A menina custou a dormir de medo, mas o sono veio e a pegou firme. Pouco demorou e começou a sonhar: entrava no quarto da avó e ela estava deitada na cama. De repente, a avó se sentava, olhava para a neta e se despedia sorrindo. Depois ia se transformando em um grande passarinho azul. A menina levava um susto, o passarinho saía voando alto pela janela aberta. Em cima da cama restava somente uma pena azul...
A menina acordou atordoada, seria verdade...? Resolveu verificar. Levantou bem devagar e foi ao quarto da avó. Não é que em cima do lençol havia uma pena azul igualzinha a do sonho? A menina afinal compreendeu tudo. A morte não aparece porque deve ser feia de verdade e as pessoas ficariam bastante assustadas ao vê-la. A morte faz uma mágica, depressa a pessoa vira passarinho e sai voando para o céu. Não lhe pareceu algo tão ruim como afirmavam.
Mais tranquila devido à descoberta, ela se ajoelhou e rezou baixinho: Papai do Céu, já aprendi o truque da morte. Vou pedir um favor em segredo, ninguém vai saber, juro por Deus: quando eu morrer, quero virar um passarinho verde brilhante, acho mais bonito do que o azul. Ah! Só mais um pedido: se eu precisar, deixa o passarinho da vovó aparecer pra conversar comigo...
Maria Julia Guerra.
Licença: Creative Commons.