O Anão Filósofo e o Guardião da Floresta
Tempos atrás, quando a maioria das coisas era incerta e o certo era duvidoso, existia um pequeno anão. Não era apenas o fato de ele ser um anão, mas o fato de ele ser pequeno até mesmo para um anão. Dunken era seu nome, além de pequeno e de estar grande parte do tempo bêbado trotando pelas casas boêmias e pubs da cidade, ele era um filósofo.
Não um filósofo qualquer, pois Dunken sabia das coisas, ele sabia que o certo era duvidoso e ele não temia descobrir a verdade. Ele não temia muitas coisas em sua vida e os medos que ele tinha eram esquecidos após a primeira dose de sua bebida favorita.
Havia apenas uma coisa, um temor que fazia o pequeno anão tremer como um galho verde sob um vento forte. Era o bosque do velho senhor Murtis. No fim da rua principal, subindo um morro íngreme e escuro, atrás de uma grande muralha de pedras sólidas, e protegido por uma forte grade de aço, lá estava o bosque, aquele amontoado de árvores cuidadosamente plantados e protegidos, mas que faziam a espinha de Dunken gelar e seus pêlos (que não eram poucos) arrepiarem-se por completo.
Não que fosse alguma coisa que ele tivesse visto lá dentro, não que alguém o tivesse aterrorizado sobre o bosque. Na realidade era o que ele não via: vida, flores, perfume, alma. Aquele bosque, apesar de verdejante e bem cuidado, estava completamente morto, tivera sua vida dragada por algo, e era esse algo que fazia Dunken tremer.
O velho Murtis era inofensivo, de vez em quando se via ele caminhando pela cidade, com sua sacolinha de compras, apoiando o corpo velho na bengala. Murtis não tinha empregados na grande casa, não tinha jardineiros, era só ele e mais ninguém. E mesmo assim, o bosque era verdejante e bem cuidado.
Há tempos, após umas três garrafas de seu vinho favorito, o anão criara uma teoria sobre o bosque. Ele próprio acreditava ser uma teoria louca, como a da Terra ser redonda (embora em não acreditasse muito no fato dela acabar em um penhasco), mas era a única teoria que ele tinha por enquanto.
Pois bem, Dunken bem sabia, como vocês também devem saber, da existência dos guardiões de florestas. Normalmente eles não são muito cuidadosos com suas crias, as florestas crescem desajeitadas, amontoadas, com vida para todo o lado, são bonitas, mas poderiam ser mais bem cuidadas (tem algumas que você não consegue nem caminhar dentro, quem dirá encontrar um fruto comestível).
Sabendo disso, Dunken pensou com seus botões: se um guardião de floresta se perder, e não encontrar uma floresta (não havia uma floresta decente a milhas e milhas de onde ele morava) ele provavelmente vai adotar como moradia o primeiro lugar que encontrar parecido com seu lar. Mas o que acontece então quando um guardião vira cuidadoso demais com sua floresta? Ela vira toda organizada, sem folhas mortas no chão, sem vegetação rasteira, sem trepadeiras sobre as árvores, sem pássaros fazendo ninho em todo o lugar, sem frutos despejando sementes vivas por todo o canto.
Sim, era isso que o guardião estava fazendo, Dunken sabia, e o anão tinha pena do pobre bosque sem vida, organizado demais para ser feliz. E as árvores verdejantes e controladas deprimiam Dunken toda vez que ele bebia demais, pois ele sabia o quão triste deveria ser viver atrás daquelas muralhas sem poder espalhar suas sementes por todo o canto (não que ele espalhasse muitas sementes por aí, as mulheres naquele tempo eram mais bem protegidas que as árvores do bosque do Murtis).
Então, lá estava nosso anão, cruzando a rua com seus passos trôpegos, subindo o morro até chegar ao muro. Ele amarrou sua garrafa de cerveja no cinto e escalou as pedras até chegar ao outro lado. A visão sempre o deprimia, mas ele iria conversar com suas amigas hoje, dar-lhes um pouco de alegria, e quem sabe, fazer o guardião esquecer-se de ser tão cuidadoso.
Grandes troncos grossos e firmes (não, ele não tinha uma quedinha pelas árvores, apenas apiedava-se das pobrezinhas), as folhas brilhosas e verdes, as flores cuidadas, sem frutos. Dunken assoviou uma canção assim que alcançou o solo novamente. Os galhos balançaram-se seguindo o ritmo da música. E da garrafa Dunken deu um gole para cada uma das doze árvores, e o restante que sobrou ele manteve na garrafa, colocando-a no lado oposto do bosque, longe do muro.
Assoviando, Dunken se foi, procurar uma cama macia e quente para dormir. E a garrafa ficou, esperando o guardião aparecer. Mas as árvores estavam sedentas, queriam outro gole desesperadamente! E os galhos cresceram sem controle, todas exaurindo suas forças por aquele resto de bebida. As árvores estavam endoidecidas, lutando umas com as outras até que derramaram a garrafa e a bebida se espalhou pelo solo, penetrando em cada uma das raízes profundas.
Quando o guardião voltou de seu sono o que ele encontrou foi uma bagunça completa, galhos entrelaçados, folhas caídas no chão, troncos tortos, o solo todo arrebentado e uma, apenas uma garrafa de cerveja. Enfurecido ele gritou, de seus urros vieram trovões e tempestade, ventania e fúria, chuva e furacões. Mas ele continuou furioso, gritou sem parar, completamente atordoado pelo golpe que levara de suas próprias crias.
Mas não é que a vida é engraçada, a ventania trouxe sementes, a chuva irrigou o solo árido da região e as sementes germinaram fazendo uma grande floresta crescer nas imediações da pequena cidade em apenas uma noite.
Dunken acordou com os berros de seu pai pedindo para ajudá-lo com o celeiro destruído para a tempestade, tudo que ele encontrou foi um sol a brilhar, e no alto do morro, atrás das muralhas, as árvores crescendo felizes, livres, como ele gostava de ser.