CRISÁLIDA - parte VIII

Bem cedinho Roger saiu de casa, se dirigindo temeroso em direção a casa dos Ávila. Bateu na porta uma porção de vezes, mas ninguém veio para atendê-lo. Mexeu na maçaneta e a porta estava destrancada. Entrou.

Estava tudo muito silêncioso. Silêncioso até demais.

De repente o barulho de panelas sendo derrubadas veio da cozinha. “Deve ser a Rebeca” — pensou Roger, e então foi até lá, onde ficou chocado com o que viu.

Rebeca estava morta, com certeza. Havia sido torturada e estrangulada. Seus olhos permaneciam abertos, e em seu rosto pálido ficara uma expressão de pavor. Horrorizado com o que via, Roger decidiu sair dali correndo, mas enquanto atravessava a sala encoberta pela penumbra causada pelas cortinas fechadas, ele tropeçou, e nesse momento foi surpreendido por uma mão que o agarrou.

O coração dele gelou. Mas logo que ele se deu conta de quem era, sentiu-se aliviado. Era Suzana, com cara de quem acabara de acordar, e estava bastante chateada.

— O que está fazendo essa hora aqui em casa? — indagou ela, com uma expressão rabugenta que era mais cômica do que repreensiva.

— Bem, eu vim ver a Thamires, mas...

— Mas o que? Por que está fazendo todo esse barulho?

Roger se levantou.

— Não fui eu, na verdade estou quase certo de que foi o seu irmão.

Ele pegou Suzana pelo braço e a levou até a cozinha. Chegando lá, a moça deu um berro.

— Rebeca! O que fizeram com ela?

— Acho que foi seu irmão — disse Roger, nervoso. — Ele sabia que eu viria.

— Mas por que ele mataria a Rebeca?

— Talvez ela tenha descoberto algo...

Antes que Suzana o questionasse novamente, Roger se aproximou de Rebeca e percebeu que havia uma pequena ponta de um papel saindo para fora do casaco dela. Era um bilhete escrito às pressas.

“Eu estou indo embora. Ouvi Oscar conversando consigo mesmo, e é assustador ver como ele está tomado por uma loucura extremamente maligna. Ele me agrediu. Ele têm planos realmente diabólicos. Eu sei da verdade. Hoje mesmo ele...”

A escrita era interrompida de repente. Provavelmente fora flagrada por Oscar no momento em que procurava revelar a verdade.

— Acho que ela iria revelar que Oscar foi quem fez aquilo com a Thamires... — disse Roger.

— Não é possível — disse Suzana. — Meu irmão não faria isso.

— Olha, foi a própria Thamires quem me revelou isso.

— Mas...

Ouviu-se de repente um guincho. Não era possível precisar de onde vinha.

— Em que lua estamos? — perguntou Roger, temendo a resposta.

— Droga, hoje começa a lua crescente...

— Passagem de lua — disseram em coro.

Eles então se dirigiram à porta que dava acesso ao porão. Estava aberta.

— Acalme-se — disse Suzana, percebendo o nervosismo do rapaz. — Ela acorda, mas não consegue sair. É quase impossível ela escapar.

Quase.

Eles desceram pelas escadas e chegaram a segunda porta, que também se encontrava aberta. Dentro do pequeno cômodo, um forte cheiro de podridão impregnava o ar. A gaiola estava escancarada, as correntes soltas, os cadeados abertos, e Thamires não se encontrava lá.

— Isso não pode estar acontecendo — disse Suzana.

— Pode sim. Foi Oscar que a libertou; esse era seu plano, e Rebeca descobriu isso. Por isso a matou. Ele sabia que eu viria, e quer me matar... ou melhor, quer que ela me mate.

Nesse momento Suzana exibiu suas presas, e empertigou-se ereta e imponente.

— Maldito Oscar — disse ela. — Vamos sair daqui. Não se afaste de mim, pois ela é perigosa. Tenho que tentar prendê-la novamente.

Roger apenas assentiu com a cabeça.

Cautelosamente eles sairam do porão e se dirigiram ao segundo andar. Suzana ia na frente e Roger logo atrás, esquadrinhando cada centímetro que ele podia enxergar naquela penumbra.

Ouviram um barulho no corredor. Suzana ficou em alerta.

— Ela está aqui — disse Roger.

De repente, do teto pulou aquela criatura diabólica, que exalava podridão. Ela pulou na direção de Roger, mas Suzana a deteve, golpeando-a e derrubando-a escada abaixo.

— Vamos! — exclamou Suzana, pegando Roger pela mão e puxando-o.

Um berro estridente soou às suas costas, e quando Roger olhou, viu que a criatura já vinha novamente na direção deles. Sem pensar muito, eles entraram numa porta a esquerda e a fecharam, no exato momento em que o monstro cravou suas garras infeccionadas na madeira da porta.

Os dois haviam entrado no quarto de Oscar, e ele encontrava-se ali, sentado no chão e falando consigo mesmo.

“— Aquele maldito, aquela maldita — dizia Oscar. — Eles vão pagar, a se vão. Não podem tomar o meu lugar, não podem não.”

— Oscar, seu idiota! — berrou Suzana, tirando-o de seu transe. — Que pensa que está fazendo?

O garotinho se levantou e os encarou com um olhar de ódio. Seus olhos estavam amarelados, e na sua testa as veias estavam saltadas.

— Só quero acabar com esse aí — disse Oscar. — Ele está tentando tomar o meu lugar, exatamente como fez aquela outra. Pena que não posso fazer com ele o mesmo que fiz com a Thamires.

— Você está doido moleque! — gritou Suzana. — Ninguém vai tomar o lugar de ninguém.

O grito de Thamires foi ouvido mais uma vez. Ela estava andando nas tubulações de ar no teto, e não demorou muito para que saísse por uma das entradas de ar.

A criatura se arrastou até parar ao lado de Oscar.

— Sabe qual é uma das coisas mais divertidas do Opus Demian?

Não houve resposta por parte da moça e do rapaz.

— Bem, já que vocês são tão burrinhos, eu vou lhes dizer. O realizador do ritual pode controlar a sua vítima.

Então Oscar sorriu, e a criatura avançou para cima de Roger. Suzana tentou impedir que isso acontecesse, mas foi imobilizada por Oscar.

— Não faça isso irmãzinha — sussurou o garotinho em um dos ouvidos de Suzana. — Deixe que as coisas ocorram naturalmente.

Roger tentou correr, mas as mãos de Thamires o agarraram e o derrubaram de costas no chão. Ela tentou morder o pescoço dele, mas Roger não se entregou sem batalha. O rapaz segurou a cabeça da criatura, empurrando o corpo dela com as pernas, até que conseguiu afastá-la meio metro.

Rapidamente ele retirou do bolso um crucifixo, que repeliu a criatura, e também causou muito sofrimento aos irmãos vampiros.

O monstro se espremeu em um canto do quarto, e dava berros terríveis, enquanto Roger se aproximava dela com o crucifixo, que começou a arder em chamas.

— Me desculpa, mas é necessário — disse Roger. Então ele cravou o crucifixo no peito da criatura, que se contorceu e berrou, até se desfazer em cinzas.

Naquele instante Roger sentiu a presença de Thamires, a menina, e sentiu-se incrivelmente leve. Logo, sentiu a alma dela passar por ele e abandonar aquele lugar soturno.

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 31/10/2009
Código do texto: T1897787
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