CRISÁLIDA - parte VII

Demoraram dois dias para que algo de fato ocorrece em seus sonhos. O rapaz demorou para pegar no sono e quando conseguiu, achou que havia na verdade morrido.

Ele se viu num lugar repleto de cores que se colidiam para formar outras tonalidades, num jogo de cores indescritiveis. Sentiu-se leve, sentiu-se tranquilo. Naquele lugar as árvores não tinham folhas, mas pequenos pássaros permaneciam sobre os galhos frágeis, e quando eles abriam as suas asas, era como se a primavera tivesse surgido de repente.

Imensos vales assomavam à frente, lagos refletiam a perfeição dos céus, e nuvens adiquiriam formas diferentes a medida que Roger imaginava algo que amava.

Os olhos dele quase não conseguiam assimilar tanta beleza.

Em meio a tal deslumbre, Roger nem percebeu a aproximação de uma menina vestindo um longo vestido vermelho. Ela estava com os cabelos presos, seus rosto estava adimirávelmente bem maquiado e seus olhos estavam com um brilho de satisfação. Era Thamires.

— Que bom que sua mente dessa vez não quis fugir de mim — disse a menina. — Tentei nos últimos dias, mas você ainda resistia.

Roger virou-se rapidamente ao ouvir a voz dela.

— Você! Está tão... bonita.

— Obrigado — agradeceu ela. — Mas agora tenho que me apressar em te contar algo.

— O que? Me diga afinal porque precisa de mim.

— Sim claro — então ela empalideceu. — Roger, você tem o sangue de minha família.

— Tenho? Mas jamais ouvi falar de você, nem de sua mãe!

— Pode até achar estranho, mas apesar de sermos parentes distantes, a essência está lá — a menina apontou para o céu e lá surgiram imagens de outros tempos, mostrando as pessoas que tornaram possível a ligação entre os dois. Anos passaram num piscar de olhos, e Roger viu que o que a menina falara era verdade.

— Não entendo mesmo assim o porque percisa de mim.

— Por que só você pode me matar.

— Te matar? — indagou Roger surpreso. — Pensei que queria que fosse salva!

— Não posso ser salva — disse Thamires. Nesse momento seus olhos ficaram tristes. — Apenas posso ser liberta, e isso só será possível se você matar aquele meu corpo.

— Bernard não permitiria!

— Foi exatamente por isso que eu não quis revelar meu plano a ele. Faça o que eu lhe peço.

— E como acha que eu vou conseguir entrar lá e te matar?

— Bernard saiu em uma breve viagem.

Então aquele paraíso repentinamente se desfez, e os céus se tornaram negros e o ar abafado.

— Eu entrei nos sonhos de Bernard e pedi para que ele viajasse para sua antiga terra natal. — disse ela. — Eu disse que lá ele encontraria algo que iria me ajudar. Também disse que ele deveria alertar aos seus filhos de que você iria até lá a meu pedido... Não se preocupe, pois eles vão deixá-lo entrar.

— Não sei se posso... — disse Roger.

— Não só pode, como deve. Pois tudo que Oscar quer é me ver sofrer.

— Oscar ?

— Sim, foi aquele maldito garoto quem fez o ritual...

No céu escuro foi projetada a memória mais trágica de Thamires.

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Suzana e Bernard haviam saído para se alimentar, deixando Oscar e Thamires sozinhos no casarão. Ela encontrava-se em seu quarto, muito debilitada, sofrendo muito com as dores e sensações insuportáveis que faziam parte da tranformação dela em um vampiro.

O garoto entrou no quarto e trancou a porta. Encarava Thamires com um olhar de ódio.

— O que houve Oscar? — perguntou ela.

— O que houve? Pois eu vou te dizer o que houve: você tem sido extremamente incômoda para mim.

— Eu? — indagou Thamires, não entendendo a situação.

— Sim, você. A menina bonitinha que conquistou o meu pai e que o faz amá-la mais do que a seus próprios filhos!

— Escuta Oscar, não sei do que você está falando! Não existe esse negócio de que seu pai me ama mais que você e a Suzana.

Oscar bufou, tomado pela raiva.

— Cala a boca! Cala a boca!

Thamires se assustou com a agressividade do menino.

— Deve haver algum engano Oscar — disse ela. — Você está totalmente equívocado.

— Não estou não, sua humana desgraçada. Sua imunda!

Ele então começou a se contorcer e se transformou num grande e monstruoso morcego.

— Agora você vai sofrer — disse Oscar com uma voz distorcida, demoníaca.

— O que vai fazer? — perguntou Thamires assustada, temendo que ele a matasse.

— Não se preocupe. Não vou matá-la — disse ele se aproximando da garota. — A morte seria algo muito vantajoso para você.

Oscar agarrou Thamires, prendendo-a com uma força da qual ela não poderia se defender. O vampiro abriu a janela e voou com ela em seus braços rumo a uma área erma da cidade.

Entretanto, logo depois que ele alçou voo, o poder que estava sendo formado na menina se manifestou e ela conseguiu parcialmente se soltar, golpeando Oscar.

Os dois despencaram do alto, se engalfinhando, esbarrando nos edifícios até caírem no meio de um bosque na área central da cidade. Ali no chão ambos lutaram e Thamires viu uma força descomunal despertar em seu interior, conseguindo temporariamente neutralizar o inimigo.

Assim que Oscar caiu no chão sentindo muita dor, Thamires se desvincilhou dele e correu o mais rápido que pôde para longe daquele vampiro.

A cada passo dado, Thamires sentia a sua transformação cada vez mais próxima de se concluir. Desceu uma ladeira íngrime e parou no meio de uma praça, exausta e sem fôlego. A meia-noite se aproximava, e ela já podia sentir o forte aroma da imortalidade que começava a se instalar em suas veias.

Quando tudo parecia estar ao favor dela, Thamires foi golpeada pelas costas e caiu no chão, sendo rapidamente imobilizada por Oscar.

Ela até tentou lutar, mas o poder de Oscar era maior, principalmente agora que ele estava sendo movido pela ira.

O vampiro usou suas garras para fazer uma marca na testa de Thamires, proferindo em seguida algumas palavras numa língua estranha; tudo num ritmo alucinado e insano.

Não demorou para que as forças de Thamires se esvaíssem e ela se entregasse ao inimigo. Ela ficou paralisada enquanto Oscar começou a fazer outras marcas por todo o corpo da menina, rasgando sua carne, bebendo do sangue quente que jorrava de seus cortes.

Thamires sentia toda a dor, mas nem sequer conseguia gritar. A tortura demorou um minuto, mas para ela aquele momento parecia ir além da eternidade. Quando ela achou que a morte viria, Thamires se deu conta de que estava fora do próprio corpo, observando Oscar ir embora, deixando ela ali, multilada no meio da praça.

Apesar de estar fora de seu corpo, Thamires viu que não estava morta. Não, certamente não... Podia sentir todas as reações de seu corpo, podia sentir a dor e o vento gelado que penetrava em seus profundos cortes. Ela fora amaldiçoada.

A imagem que Roger via no céu desapareceu e Roger acordou sem fôlego, todo suado e muito cansado. No fundo não queria fazer aquilo, muito menos despertar a ira de um vampiro. No entanto agora ele sabia que a inveja e o ciúmes de Oscar estavam por trás de tudo isso, e praticamente sentiu o terrível sofrimento de Thamires que se arrastava por anos. Decidiu que a mataria.

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 31/10/2009
Código do texto: T1897779
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