Nem todo céu é de brigadeiro

Tudo passa lento e morno e a noite vai tingindo o dia como Kurosawa pinta seus filmes.

Sentada no banco do parque, conto os tijolos vermelhos da calçada e acompanho o movimento nervoso das formigas que carregam ovos de dinossauros na cabeça.

Um vento travesso rouba o chapéu do seu Zé e o deposita no galho seco do ficus.

Ficus!

-Benjamim, chame seu pai pra dentro!

-"Papaiii"..!

Uma folha fugida do outono passa rodopiando e se acomoda no vão dos meus dedos cochichando que não tem medo do verão porque sabe de Caicó.

O pardal belisca o pão do mendigo que costura os seus sonhos numa mochila de lona verde tecida no tear que pai comprou em São Paulo e queimado por descuido de Dimas.

Seu Nozinho contorna a calçada pela quarta vez, montando sua velha bicicleta preta e assobiando "Hey Jude" porque é impossível atravessar esse Saara sem Beatles.

Um cão espanta as moscas da pata ferida e me olha pedindo licença para se deitar e ser triste. Ele se deita e eu fico triste.

Ao longe uma tv brilha na voz de algodão doce do menino Bonner que me lembra saudade, inverno e bolinho. De chuva.

Um relâmpago mostra um agora céu cinza.

Bem que mãe disse que ia chover!