CRISÁLIDA - parte VI

— Vai se atrever a passar por mim? — disse o monstro.

— O que você é...?

— Um vampiro, ora! — esbravejou Bernard. — Esta pode ser nossa forma mais pura, mas vejo que não é agradável aos seus olhos, não é?

Roger apanhou um castiçal e o aremessou contra a criatura, que desviou do objeto e com uma agilidade impressionante agarrou o rapaz pelo pescoço.

— Não seja tão tolo — disse Bernard.

— O que você quer comigo afinal? — indagou Roger, fraquejando, se entregando às lágrimas.

— Só quero que me ajude — disse Bernard, e nesse momento ele começou a se mutar outra vez, logo voltando a sua aparência humana. — Por favor.

O vampiro largou Roger e caiu ajoelhado no chão, ofegante, trêmulo, fraco. Estranhamente, Roger sentiu pena daquele ser que agora era apenas um esboço do que já fora um dia. Viu o quanto era miserável a situação daquele vampiro, pois a imortalidade não se tratava de uma dádiva, e sim de uma penosa maldição.

— Por que me trouxe aqui, Bernard? — indagou Roger. — O que significam aqueles sonhos com aquela menina. Como pensa que eu posso ajudá-lo?

O vampiro se levantou e ao perceber o novo fôlego que tomara a situação, sorriu.

— Você será de grande valor, Roger — disse o vampiro. — Eu o chamei aqui, porque Thamires assim quis. Ela por algum motivo acha que você pode ajudá-la e consequentemente ajudar a todos nós.

— Como assim? Me explique melhor essa história.

— Bem, começarei do iníco de tudo... Há mais de vinte anos eu conheci uma mulher chamada Justine, e ela tinha uma filha chamada Thamires. Tive vontade de beber o sangue de Justine, então a conquistei, mas quando chegou a hora percebi que não podia mordê-la.

— E por que não? — perguntou Roger.

— Ela tinha Sangue Doente — Bernard fez uma cara triste. — Leucemia, como chamam-na os mortais. Não podia beber daquele sangue envenenado, mas senti por aquela mulher algo que julgava estar morto em mim. Era carinho, era amor... um sentimento bastante estranho para uma criatura como eu, mas eu senti!

— Ela se curou?

— Não. Ela faleceu pouco tempo depois, mas antes disso pediu que eu ficasse com sua filha Thamires. Eu havia me revelado a ela em seu leio de morte, e por isso ela concordou que eu apenas a vigiasse de longe.

“A menina foi enviada a um orfanato, onde viveu de forma pacata, até que ela foi violentada e ferida com arma de fogo enquanto voltava da escola. O criminoso era o zelador da escola, que fugiu, mas eu o encontrei e o assassinei.”

— Espere, nos jornais diz que ele morreu de uma forma diferente — disse Roger.

— Pois os jornais estão errados. Thamires ficou muito mal, à beira da morte, então eu tomei uma atitude realmente inesperada. Eu a sequestrei e a mordi.

— Para ela virar uma vampira? — disse Roger, permanecendo um pouco confuso. — Pois se fez isso, creio que ela não deveria ser assassinada depois, afinal vocês são imortais, não é?

— Entenda que esse é um processo que demora sete dias, uma transformação lenta, dolorosa e impiedosa — Bernard estremeceu, como se relembrasse de sua própria tranformação. — Entretanto, antes que esse processo estivesse acabado, enquanto Thamires estava num estágio chamado de “Crisálida”, ela foi vítimada em um ritual antigo chamado de Opus Demian. Então nossa família foi obrigada a reinvindicá-la, e fingir um enterro.

— Fingir um enterro?

— Sim, porque elá ainda está aqui — disse ele apontando para o chão. — Deixe eu te explicar.

Bernard foi até uma prateleira abarrotada de livros antigos e retirou um exemplar grande. Abriu-o quase no meio e mostrou a ilustração de um rito macabro, onde uma pessoa era marcada com símbolos estranhos enquanto o sangue que escorria era bebido por um dos homens envolvidos.

— Esse é o Opus Demian — disse Bernard fechando o livro logo em seguida. — É um ritual que foi criado pelo Cardeal Augustino Demian, que consistia em reverter o processo de formação de um vampiro, mas logo se mostrou um processo falho. Quem era submetido a esse rito acabava se tornando um semi-morto, uma criatura terrível que caminha entre o mundo dos espíritos e o nosso mundo. Esse procedimento logo foi abandonado.

— Ela então foi vítima desse ritual?

— Exato — confirmou Bernard. — Ela se tornou uma criatura que permanece inerte, vivendo no mundo dos espíritos; mas a cada passagem de lua, ela acorda e sempre tenta escapar... Thamires se tornou um ser amaldiçoado.

— E onde ela está?

— Quer vê-la?

— Não sei...

— Venha rapaz.

Seguindo Bernard aos tropeços, Roger chegou a uma porta negra, trancada por várias trancas e cadeados. O vampiro abriu a porta e apertou um inerruptor na parede que ascendeu uma luz fúnebre, revelando uma escada que descia até o porão. Lá embaixo eles pararam diante de uma segunda porta; esta era de ferro maciço, e tão bem trancada quanto a primeira.

Então eles adentraram um pequeno cômodo e Bernard ascendeu as luzes. Roger levou um susto.

— Acalme-se — disse Bernard. — A passagem de lua é só daqui a dois dias, agora ela é inofensiva. Pode se aproximar se quiser.

O rapaz se aproximou daquela grande gaiola encostada à parede. Dentro havia um cadáver preso a várias correntes, e um cheiro de podridão exalava daquele corpo deformado e cheio de fissuras.

— Isso é horrível — disse Roger se sentindo enjoado. — Não consigo imaginar que isso ainda possa ter vida.

— Não considero isso uma vida — disse Bernard. — A alma dela fica perambulando por aí, e quando ela pode entrar no corpo, fica sob o controle de alguma força maligna além da nossa compreensão.

— E por que ela acha que eu sou capaz de ajudá-la?

— Sinceramente não sei. Ela insiste em não revelar a mim. A única coisa que eu sei é que ela “andava” por aí quando te encontrou, e que naquele momento soube que você poderia salvá-la. Como não conseguia manter contato com você sem que te assustasse, então decidiu pedir a mim que eu lhe induzisse a nos encontrar. Claro que contei com a ajuda dela, que disse que entraria em seus sonhos.

Roger ficou arrepiado.

— É, de fato ela entrou nos meus sonhos. Mas me diga Bernard... como vamos saber a forma como posso ajudá-la?

— Ela vai te visitar nos seus sonhos, e agora que sabe dela, peço que não resista e deixe-a entrar. Então ela vai te revelar aquilo que relutou em não me contar.

— Está bem... — o rapaz olhou para aquele cadáver e sentiu medo. — Só espero que ela não me peça algo impossível...

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 24/10/2009
Reeditado em 24/10/2009
Código do texto: T1885175
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