A boneca
Ele apertou a linha preta com mais força. Contrastava bem contra a superfície clara. Um tecido branco, agora perfurado pela agulha e transpassado pela linha escura. A costura deixava-as sempre mais belas, as bonecas.
Sim, ele preferia as de pano. Achava as “barbies” e bonecas de plástico um verdadeiro lixo. Onde estava a arte em fazer aqueles brinquedos sem vida, que tinham milhões de iguais espalhados pelo mundo afora? Ele preferia exclusividade.
Seguiu sua costura, tomando cuidado para que a perfeição fosse cirúrgica.
Ela era macia e suave, uma obra de arte, diferente do lixo de plástico que a mídia impunha as crianças. Era bela. Os cabelos de um tom cor de mel, agora não estavam mais lisos, como no começo, iam até seus ombros em cachos grandes e perfeitos.
Os olhos estavam fechados naquele momento, mas quando se abrissem iriam revelar orbes castanhos e lustrosos.
Terminou a costura. Calçou as longas meias brancas e os sapatos negros. O vestidinho branco, de babados, foi colocado em seguida, com algum esforço porque ela era pesada.
Ele guardou a linha e a agulha, virou-se e viu dois orbes castanhos encarado-o, perplexos.
Ela tentou falar, mas a boca agora estava unida caprichosamente por linha vermelha.
Uma série de grunhidos indefinidos foi ouvida.
-Sch, quietinha. - Ele disse sorrindo. - Uma boa boneca não fala. E você não quer estragar a costura, quer?
Ela tentou dar um berro, que saiu por suas narinas de forma espectral.
Lentamente, o sangue começou a verter em filetes muito finos. Oriundos das costuras, os fiozinhos vermelhos começaram a manchar o vestido de babados e as meias.
Ela continuou tentando berrar, produzindo apenas os sons fantasmagóricos.
Ele sorriu. Logo ela aprenderia a se comportar.
Saiu do quarto.
Ela tentou segui-lo, mas as costuras prendiam suas articulações, e, além disso, ela sentia-se mole.
Era, de fato, uma boneca, um brinquedo a mercê daquele estranho.