Montagem reginaLU
Tubes de:
Aclis (paisagem)
Nikita (mulher)
Luz Cristina (homem)
Nikita (mulher)
Luz Cristina (homem)
JANTE COMIGO ESTA NOITE
Ela havia jurado que nunca mais sairia com os pais e naquele início de noite seguia irritada, obrigada a ceder. Vingara-se, entretanto, no modo de se vestir. E logo depois que eles chegaram ao imenso salão, ela não se conformou em permanecer à mesa vendo o pai tomar do wisk, puxando assuntos desinteressantes. Não! Ela achou um modo de sair e foi rodear a churrasqueira.
Os discursos enfadonhos começaram logo depois da chegada do governador. Quando o homem chegou houve aquele burburinho, as pessoas se puseram em pé, riram e aplaudiram. Enquanto o governador permanecesse no salão estaria se esforçando para descer de seu pedestal mostrando-se um homem comum. E no sentido contrário os outros, cada um ao seu modo, estariam se esforçando para que os outros os vissem elevados às alturas, participando da mesa do mandatário.
Sem o menor interesse pelo que pudesse haver naquele salão ela arrumou uma desculpa e dispondo-se a brincar com uma criança saiu para o jardim. Foi quando pela primeira vez pôs os olhos sobre aquele moço. Ele não disse nada. Apenas olhou e permaneceu em pé. Ela passou por ele. Passou segurando na mãozinha da criança a quem agora usou como quem se apóia em uma muleta emocional. O coração estava batendo forte, uma sensação estranha a dominava. Depois que passou por ele segurou a vontade de olhar. Queria ter um comportamento natural, mas suas reações não estavam sendo comandadas por sua mente . Até no modo de falar com a criança sentia que todas as suas atitudes brotavam de uma incontrolável vontade de chamar a atenção sobre si.
A noite estava bonita. Ela, intranqüila, andou conversando em voz alta e excitada com a criança que mal sabia falar. Sentou-se finalmente em um dos bancos de ferro deixando a criança brincar sobre as pedrinhas brancas.
– Que ódio! Ele não virá!
Não foi mesmo. Do banco ela viu quando a moça se aproximou dele, houve um beijo no rosto, um sorriso, um dedo de prosa. E juntos desapareceram daquela porta imensa que dava acesso ao jardim.
Ela queria morrer.
Voltou ao salão, deixou a criança com alguém e foi perguntar à mãe sobre quando voltariam para casa. E lá estava o rapaz, em pé, sem a moça, conversando com o pai dela.
O pai a chamou.
-- A chance que você queria para seu estágio. – disse-lhe o pai. – ele tem acesso à moça que chefia o cerimonial.
O rapaz sorriu para ela. Um sorriso, um aceno. Um olhar discretíssimo que, no entanto, a perturbou ainda mais. Ela não soube o que dizer, nem ele. Mas assim como ela viu nitidamente que ele estava bem vestido, com as unhas feitas e levemente perfumado, também ele certamente a viu naquelas roupas inadequadas para o ambiente, destituída de adornos, descuidada e feia.
Nos próximos dias ela passou por diversos corredores até que finalmente sentou-se diante da psicóloga para a entrevista. Precisou explicar os motivos que a levaram a escolher a faculdade de jornalismo. De onde havia tirado a idéia de percorrer a África. E tantas outras questões sobre as quais nunca havia pensado a fundo.
A moça que chefiava o cerimonial era a mesma a quem ela havia visto aproximar-se do moço de unhas bem feitas e sorriso danado. Aquele o dos olhos bonitos. A moça que chefiava o cerimonial falava sempre com ele pelo telefone. Eles dois tinham a bem dizer todo o controle sobre todos os passos do governador.
Depois de seis meses de estágio ela foi transferida, deixou o cerimonial. Começou a trabalhar no palácio, lotada no gabinete do vice-governador. E depois de várias semanas intermináveis, pontilhadas por encontros ocasionais no interior do palácio, com chance apenas para a troca de olhares, o moço formulou o convite para um jantar.
Maneira esquisita de formular tal convite. Ele entregou-lhe um cartão sobre o qual escrevera:
-- Jante comigo esta noite.
Ela não sabia o que fazer. Se chorar ou sorrir. Faltava-lhe o chão onde pisar. Vestiu o que de melhor havia em seu guarda roupa, arrumou os cabelos, perfumou-se. Foi um jantar inesquecível, em um restaurante de hotel de luxo.
O namoro durou dois anos, prolongando-se, portanto, além do tempo que ela permaneceu no estágio. Ele era educado, bom, atencioso, gostava muito dela, mas seu tempo era alugado ao gabinete do governador e a função que exercia o expunha a todos os olhos femininos mais famintos. Ela morria de ciúmes.
Quando o governador trocou de trono foi se sentar em uma ponta de mesa no senado. E ele também foi morar em Brasília. Ela estava quase se formando em jornalismo. Os encontros entre os dois ocorriam com a ajuda de uma tela de computador. Ela morria por ele. Ele estava morto por ela.
E apareceram outras pessoas. E ela se sentiu atraída por outras estampas.
Formada em jornalismo ela nunca foi à África.
Doce, gentil, disposto a receber a todos que o procuram, ele nunca mais encontrou olhos iguais aos dela, nem jamais deixou a mulher alguma um cartão contendo as inscrições ‘jante comigo esta noite’.
A vida faz dessas brincadeiras com muita frequência. Separa duas pessoas que mutuamente se amam. E faz isso por birra, desejando irritar escritores que escrevem contos de amor com finais felizes.
Vez por outra a brincadeira machuca bastante.