EU E O DRAGÃO
Certa vez, estava eu triste e me pus a meditar no alto de uma colina.
Olhei a volta e tudo me parecia tão cinza, apesar do vilarejo, logo abaixo de mim ser recortado por um lindo vale, eu não conseguia vislumbrar além das nuvens que me cortinavam a visão.
O sol parecia estar enfraquecido e sua luz era parca pra me aquecer naquela manhã.
Foi quando uma sombra densa cobriu toda a colina, acreditei ser uma nuvem que cobria parte do céu, então olhei pra cima e o céu estava limpo com poucas nuvens. O que estaria provocando então aquela enorme sombra? Devagar me virei e meus olhos mal puderam crer no que viam. Ali estava postado, atrás de mim uma gigantesca criatura. Reparei no seu dorso alongado e escamoso, na cauda com o formato de lança na ponta, no corpo robusto. Fui subindo com meus olhos ainda incrédulos, crispados de uma reação mista de medo e curiosidade, continuei a subir por cima de seu longo pescoço até chegar à cabeça daquele incrível ser mitológico. Estava eu, diante de um dragão.
Me deparei com um par de olhos amarelados. Olhos que me olhavam com uma docilidade que contrastavam com aquela aparência monstruosa e pitoresca.
Reparei em sua asas. As asas eram enormes e abriram feito um leque mostrando sua imponência, entre hipnotizada e descrente, pensando estar diante de uma visão psicótica, ainda sem conseguir acreditar no que meus olhos viam, num esforço quase que involuntário de mim mesma, fiquei de pé e cheguei mais perto, quanto mais próximo maior se fazia aquela criatura. Levantei os braços e sem desgrudar os olhos dos olhos da criatura,toquei de leve seu dorso. Reparei que ele não manifestou nenhuma resistência ou repulsa ao meu toque, então prossegui em minha investida, sentindo sob minhas mãos de pele fina e macia, a aspereza e rudeza daquela pele, fechei os olhos e me deixei guiar pela sensação esdrúxula de tocar naquela figura de aparência monstruoso e olhar fragilizado. Não sei explicar o que senti, ao invés de medo senti paz, ao invés de repulsa uma atração irresistível e num impulso quase que instantâneo e dominador subi em seu dorso e o abracei, senti o contato de meu corpo frágil de encontro aquele corpo robusto.
Como que entendendo os meus pensamentos e desejos segredados apenas numa troca de olhares, ele abriu as longas asas e correu pela colina chegando ao precipício, fechei novamente os olhos, apesar do medo que senti, eu me deixei guiar.
Ele ganhou os céus, eu montada em sua costas. Segurei com força, de início achei que pudesse cair, mais a segurança que ele me passou foi tão grande, que aos poucos fui abrindo os olhos e me deixando ver o mundo através da ótica dele.
Senti o vento e o pulsar do dia, abri os braços confiante. O calor do sol atingiu-me tão inesperadamente e me senti tão viva e como nunca, me senti tão eu.
A paisagem foi se descortinando a minha frente, enquanto o meu adorável monstro, sobrevoava o vale deixando o rastro da sua presença. Reparei que aquele vale aos meus olhos nunca havia sido tão belo, cercado pelas montanhas e colinas, o céu nunca me foi tão azul. Percebi que durante muitos anos, eu havia estado cega, e diante de minha cegueira temporária e longa eu jamais havia vislumbrado a beleza do mundo a minha volta.
Notei que muitas vezes por trás do feio e do monstro está a beleza sutil e pura, por trás do cinza, existe o azul e por trás da aparente morte esta a verdadeira vida.
Foi preciso sentir o medo para provar a coragem, a ira para encontrar a paz, o grito para entender o silencio. Tudo a minha volta de repente pareceu-me tão claro. Entendi o quanto é preciso viver e acreditar nos sonhos, nos olhos e no coração.
Eu comecei a ver a vida de uma maneira diferente, através dos olhos meigos e as asas gigantes do meu amigo Dragão.
FIM!
Patrícia Mackowiecky Carpes.