Milagres existem?

Milagres acontecem?

Maju Guerra

Ela não sabia se estava sonhando ou em estado de vigília, tudo parecia estranho demais. Queria se mexer mas não conseguia, sentia-se paralisada. Apavorou-se de fato, será que estava morta? Aonde e como iria acordar? A terrível sensação de ter penetrado em uma espécie de vazio a cercava. Não lhe ocorria de que forma agir para sair daquela situação insolitamente desconhecida. O interessante é que não havia perdido a consciência.

De repente se viu em pé à beira de uma lagoa imensa, as águas sujas, o mato em volta semimorto, castanho amarelado. Ela não tinha a menor idéia do porquê, porém intuía que precisava mergulhar na água escura e fétida. Fechou os olhos enjoada e enojada, o medo tolhia seus movimentos, e se fosse engolida pela lagoa e não voltasse nunca mais? Embora não tivesse noção do que estava ocorrendo era mais aconselhável ficar fora da água e não dentro, não era peixe e nem tampouco ninfa. De novo a intuição chegou, ouviu uma voz próxima vinda do nada a lhe dizer: é preciso mergulhar e ir até o fundo, vá, não pense mais e confie. Não lhe restavam escolhas, estava ali parada sem saber pra aonde ir, o que mais poderia acontecer? Nunca fora medrosa, nas ocasiões de tensão sempre tomara decisões, seria apenas mais uma ou talvez a última. A certeza tornou-a corajosa e ela se jogou de cabeça nas águas densas, mergulho inevitável. Escuridão, não enxergava coisa alguma, uma espécie de lama fina e mal cheirosa em volta, plantas se enroscavam nas suas pernas e braços, o coração acelerado, a água e ela. Notou que tinha bastante fôlego, podia respirar sem grandes dificuldades, então foi afundando o mais rápido que conseguia, era urgente tocar no fundo, sentir o chão.

Depois de vários metros abaixo do nível da terra, sem possibilidades de mensurar, calculava uns seis ou sete metros, começou a aparecer uma luz bem mais abaixo. O temor espalhado por dentro dela começou a desaparecer. Mais alguns metros e surgiu a luz, a água se tornou clara e transparente, o fundo da lagoa era extremamente bonito, pedras brilhantes e de todas as cores. Ela foi tomada por uma sensação agradável e reconfortante, que lugar incrível e surpreendente, ninguém imaginaria a lindeza do fundo daquela lagoa imunda. E aí viu o cristal bem no meio de tudo, límpido e rosado, irradiava beleza e paz. Ela soube na hora que era seu, estava lá há muito tempo esperando que fosse buscá-lo. Em pé no chão de pedras ela abraçou o cristal, surpreendentemente leve para o seu tamanho, cabia certinho no colo. Ela refletiu: como levá-lo para cima sem que ficasse coberto de lama? Queria preservá-lo, apenas não poderia ficar eternamente no fundo da lagoa. Sentou um tempo, descansou o que pôde e decidiu subir, receosa e resignada. Encontrara o seu cristal e o levaria para onde fosse. Quando começou a nadar percebeu que toda a água suja e a escuridão não existiam mais, agora a água da lagoa era limpa e transparente. Ao chegar à superfície a folhagem em torno também estava diferente, viçosa e verdejante. Ela deitou-se na relva com o seu tesouro e suspirou aliviada. Não se interessava por maiores explicações, ela sabia o que tinha vivido, ninguém poderia privá-la dessa emoção tão sua. Descobrira respostas para os questionamentos aparentemente sem solução por causa do momento de vida que vinha atravessando. Saiu do estado de torpor se sentindo outra mulher. Mistérios existem? Existem sem dúvida, ela pensava, portanto só lhe cabia agradecer o seu milagre de todo o coração.

Maria Julia Guerra.

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