Entrevista com o Destino

Andava nervosa, de um lado para o outro, com o gravador na mão. As mãos suavam, sentia calor e tremia, da cabeça aos pés.

Se sentia vitoriosa, receosa, temerosa. O estômago embrulhava de nervosismo.

Sem contar para ninguém, a jornalista estágiaria de um dos maiores jornais da cidade, arranjou um tempo com o mais misterioso perfil da eternidade. O Destino.

Não queria contar para ninguém, daria um grande furo e garantiria seu lugar fixo na empresa. Enquanto esperava impaciente os minutos passarem, pensou no que aconteceria quando soubessem: já se imaginou ao lado de Brad Pitt, recebendo o oscar pelo filme "Entrevista com o Destino", um dos maiores filmes sobre entrevistas com seres sobrenaturais ou coisas temporais, empatando com "Entrevista com um vampiro".

Sorriu, era besteira pensar nisso. Então, sentiu o ambiente mais fresco, ventilado. Instintivamente, se sentou e olhou para frente, a porta do pequeno hall de apartamento se abrindo...

Se sentou numa poltrona à sua frente, não era possível dizer se era um contorno humano ou uma esfera disforme, mas era brilhante, emanava uma luminosidade como uma lâmpada branca. Na sua superfície, haviam centenas, milhares, bilhões de pequenas imagens que se moviam, pequenos vídeos.

Ela reparou em três: num deles, uma mulher dava a luz, no outro havia um acidente de carro e em outro, apenas um jovem andava pela rua.

Queria procurar o seu, mas parecia inútil, diante de tantas vidas, tantas histórias.

"Quanto poder" pensou.

Pegou o gravador e procurou olhos, mas não os via fisicamente, somente sentia, imaginava, sabia que estavam ali. Se dirigiu ao centro da figura, sem saber de onde sairia o som, que só havia ouvido e confiado pelo telefone.

-B-bem...-ela começou.-Deve imaginar que tenho muitas perguntas, não?

-Sim.-Uma voz masculina, forte, porém tranquila, que inspirava poder e experiência, disse.-Eu já esperava.

-Hum, então... Vamos à primeira. Você que controla a vida das pessoas?

Ela ignorou a pauta, o tato, as palavras que havia ensaiado há dias. Sua presença preenchia o ambiente e ela tinha medo que algo pudesse estragar, que ela não pudesse tirar suas dúvidas mais íntimas. E não se sentiu egoísta, eram íntimas e universais. Não se preocupou se o assustaria.

Ele começou a resposta com um suspiro.

-As pessoas têm que entender, que elas mesmas, através de suas escolhas, me traçam, me dão forma. Não há um modo de se prever algo, pessoas são imprevisíveis! Mas necessitam de um pretexto para por a culpa, se a vida dá voltas! É necessário entender que... Eu, Destino... Não sou eu que crio as histórias. Eu apenas as narro.

Ela parou o gravador e refletiu, por alguns minutos. A revelação poderia desmentir várias religiões, criaria inúmeros conflitos. O mundo não estava pronto.

-Senhor, eu...-sua voz tremia- Acredito que tenho o suficiente.

Ele pareceu surpreso. Ela, tentou guardar aquele momento como fotografia na memória. Surpreender o destino é façanha para poucos.

-Depois disso, muitas perguntas foram respondidas e novas surgiram.

-Não quer saciar toda a curiosidade?

-Não. Me disseram que o mundo é movido por perguntas, não? E além do mais... Não estou preparada. Nem eu, nem o mundo. Me desculpe se o fiz perder tempo, mas eu não me perdoaria se fosse culpada por uma revolução histórica. Não fui feita para isso. Mas foi um prazer imenso.

Ele continuou imóvel, como se esperasse algo.

-Eu simplesmente não posso...-ela se levantou e colocou a mão na maçaneta. Ele se despediu:

-Tudo bem.-e sem saber de onde vinha, apenas sentiu, um sorriso aconchegante e sábio.- Eu já sabia.

Walrus
Enviado por Walrus em 01/09/2009
Reeditado em 22/10/2009
Código do texto: T1787031
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