A PERERECA E A CAMA-SUTRA...

A vida modorrenta que Dona Merenciana vivia, após seis meses de luto, devido ao falecimento do marido, já a estava deixando impaciente. Sempre fora uma mulher disposta, cheia de energia, pró-ativa na acepção da palavra. Não deixava barato para ninguém, sempre tinha uma resposta, um conselho e quando não um esporro tamanho do mundo.

Tudo o que lembrava ao finado, fora jogado fora, quando não queimado e alguma coisa de serventia doada para os pobres. Não que quisesse se desfazer da memória do homem com o qual viveram 28 anos. Era como um rito de passagem buscando a libertação com o passado, buscando um novo tempo.

Os cabelos que já davam sinais brancos, agora o colorido para louro com algumas mechas castanho claro. E não parou por ai, na visita ao novo médico ginecologista para exames de rotina, foi diagnosticado um afrouxamento natural dos ligamentos da bexiga.

Solução? Cirurgia. Nem pensar. Medicina alternativa. Fisioterapia com emprego de pilates. Mas por que um novo médico? Queria ouvir algo novo, sair da rotina dos diagnósticos e foi o que encontrou. Resolvida a mudar não só o estilo de vida, mas a vida como um todo, matriculou-se em uma academia recém inaugurada na pacata e conservadora cidade de Paracabiru, para resolver de uma vez por todas, esta frouxidão da bexiga.

Ao sair da academia, em uma ensolarada manhã de julho, encontrou com o compadre Telesforo, para os íntimos “seu Tele”. Homem sacudido, pele curtida pelo sol, um bronzeado natural, cabelos louros e ondulados, barba cerrada e um olhar instigante quando não penetrante.

Conversa vai, conversa vem Dona Mere (também para os íntimos) pergunta ao compadre Tele: E a vida como vai indo? Boa, muito boa, agora estou em outra. Não tenho mais aquele compromisso e aquela sofridão do dia a dia. A separação judicial deu um fim a este sofrimento de 22 anos. Enfim estou livre como um passarinho e irrequieto

como uma borboleta.

Surpresa com a tirada filosófica do compadre, Dona Mere perguntou: D’onde tirou este dito? Ora, no pára-choque do caminhão do Raul Banana. Ah! Está explicado. Uma vez que os limites intelectuais do compadre, não passavam do catecismo para a primeira comunhão, e olha lá.

Foram andando e o compadre se admirando cada vez mais com as curvas, agora destacada pelo agasalho de malha, justo que dava gosto, só em pensar o que tinha por baixo.

Conversa vai, conversa vem, Dona Mere pergunta curto e seco: O que vai fazer compadre Tele? Eu? Ora, quem mais está por perto? Lógico que é “ocê” o finado que não seria, pois nem “ispirita sou”. Bom,...nada. Então vamos lá pra casa para botar os papos em dia. Dona Mere recebera um dinheiro considerável do seguro de vida (ou de morte), algo como uns R$ 580.000.000,00. O finado era exagerado que só vendo, mas experto, pois havia feito outro seguro nos mesmos valores, no caso do falecimento de Dona Mere. Mas como um ato puxa um fato, comprou uma perua importada, tração nas quatro rodas, cambio automático, bancos de couro e etc e tal. Lá se foram então para o sitio Lua Azul, distante não mais que 10 quilômetros de Paracabiru. Estradinha estreita, areão puro, uma reta só. Era sair da cidade e não tinha erro, dava de cara com a porteira do sitio, no qual fora construído uma casa com amplas varandas, quartos ensolarados, todos voltados para o norte, piscina, churrasqueira e uma sauna. Por sinal fora ali que o finado se foi. Até hoje as más línguas dizem que foi congestão. Dona Mere viajara para a capital para resolver alguns assuntos dos apartamentos que imobiliária administrava e para adquirir mais cinco ainda em construção. Comprara na planta como diziam lá capital.

Mas voltando ao assunto, dizem o finado morria de tesão por uma empregada, loirona, tipo italiana, com uma coxas de dar inveja e sem falar nos seios. Imagine então o conjunto... Pois então encontraram o dito esticado na sauna. Até ai nada de mais, mas o que complicou a situação foi à calcinha que encontraram junto ao corpo. E logo a cidade inteira ficou sabendo do acontecido. Até que alguém lembrou de ter vendido umas calcinhas muito sexi, para a tal empregada, por sinal uma calcinha imitando pele de onça (eta mau gosto...). Dona Mere nunca ficara sabendo de tal fato, e se tal o soubesse sua galhardia não iria permitir que ficasse perturbada.

Mas enfim chegaram. Dona Mere, pediu licença para o compadre e foi tomar um refrescante e merecido banho. Um grito, não um berro. Ou os dois juntos. Era Dona Mere a gritar sem parar. O compadre que conhecia bem a casa saiu tropeçando em tapetes e mesinhas em direção ao quarto. Correu para o banheiro e lá estava ela assustada, pelada, arrepiada, olhos esbugalhados e com os dedos apontando em direção a uma perereca. Uma simples e inocente perereca, deixara Dona Mere com a sua a amostra.

O compadre Tele a estas alturas, não sabia o que fazer. Ou pegava a perereca ou olhava para a outra perereca.

Mas o inusitado aconteceu. Dona Mere desmaiou. Não se sabe se foi do susto da perereca no box do banheiro, ou pelo fato do compadre encontra-la desprevenida..

O que fazer? Abriu de vez a porta do box e com todo o cuidado pegou a comadre no colo e levou-a para o quarto. Deitada na cama era algo imaginável, uma situação que nunca antes havia pensado. Com todo o cuidado foi enxugando o corpo da comadre, que a altura dos acontecimentos começava a voltar do desmaio.

Abriu os olhos e de forma direta e impositiva gritou: O que está esperando?Tome uma atitude de homem. O compadre Tele embasbacado, não sabia o que fazer. Mais uma vez Dona Mere impositiva ordenou: Vai ficar vendo com os “zóios” e lambendo com a testa? Vai tomar um banho e volta logo. Ao entrar no box, deparou com a inocente perereca, acuada em um canto, assustada em razão da gritaria. Com cuidado apanhou a pequenina e inocente causadora do inusitado e jogou pela janela do banheiro. Ao sair do banho, enrolado em uma toalha, notou que algo destoava da linha reta vertical do corpo. Mas o que fazer?

Encontrou a comadre toda perfumada e sorridente. Jamais ocorrera em seus pensamentos que um dia algo desta natureza viria a acontecer. Mas estava acontecendo.

O finado compadre que perdoasse, mas o espírito e carne eram fracos por demais.

Após horas de verdadeira explosão de paixão e loucura, resolveram tomar banho de hidromassagem. Algo que jamais havia visto de perto. Ouvira falar a respeito da dita cuja banheira, não tinha a menor idéia como funcionava. Banheira cheia, espuma perfumada, água morna e foi aos poucos entrando. Quando conseguiu sentar levou um enorme susto, os jatos dirigidos o assustaram de tal forma que ficou de pé, com o corpo todo coberto de espuma. Foi o máximo para Dona Mere, que ao ver o novo companheiro naquela situação, não conteve o riso. E ali ficaram o tempo suficiente para recompor as energias e gasta-las por várias vezes.

A noite já vinha dando adeus para o dia e algo além da fome de amor e sexo, deveria ser providenciado. Que tal um jantar? Dona Mere, há muito tinha dispensado os empregados do sitio. Só mantinha na casa da cidade duas antigas colaboradoras.

A fome agora era de algo sólido. Sólido? Não havia experimentado... Deixa pra lá. Que tal um macarrão a Putanesca? Puta o quê? Perguntou o atrapalhado, mas competente compadre. O mês de julho era frio em Paracabiru, na lareira a estas alturas o fogo fazia o seu papel, enquanto o casal aos poucos sentia os efeitos da reposição de energia e ação direta do vinho tinto. Todas as luzes apagadas e só o clarão do fogo iluminava os dois corpos sobre o tapete macio de lã de carneiro, projetando sombras lindas e de uma sensualidade incrível.

O dia amanheceu e era tempo de agir, de pensar no que fazer e no agir. Mas Dona Mere comandava tudo. Vamos ficar aqui pro resto da semana. “Seu Tele” fez as contas nos dedos. Ontem era segunda-feira, hoje terça-feira... então faltam mais cinco dias. Tomadas às providências: telefonar para as colaboradoras avisando que resolvera viajar Maricupú, para tratar de alguns negócios. Resolvida esta situação. A porteira foi fechada com cadeado e pronto. Agora era a imaginação que tomava conta do casal de compadres. A provisão de alimentos era mais do que suficiente. Mas quem se importaria em comer, se algo melhor e mais apetitoso estava sendo literalmente degustados pelos dois amantes, unidos pela perereca. A do banheiro, melhor explicando.

Era uma verdadeira recuperação de tempo perdido. Jamais “Seu Tele” imaginara algo assim na vida, ainda mais com aquele vulcão em forma de mulher. Explodia em paixão, em gozo e aos gritos de quero mais, arranhava as costas do compadre-amante. No inicio se assustou com as iniciativas e comportamento um tanto selvagem e agressivo. Mas não conseguia entender por que o compadre morrera vitimado na sauna, em companhia de outra mulher. (Assim comentavam na cidade). Tendo uma mulher daquela competência. E que competência..

Mas uma coisa o incomodava. Uma não duas. A mania de fazer amor e sexo nos tapetes da sala em frente à lareira, no quarto e até na sala de televisão. Era duro e nada confortável, uma vez era ele quem ficava com as costas no chão duro. Dona Mere sempre comandava e tomava à iniciativa. Outra era a dita cama. Rangia que só. Parecia entender e querer compartilhar dos gemidos e gritos. Acompanhava o vai e vem dos movimentos, com uma sintonia incrível.

Já era domingo. Dia cheio de neblina. As forças e as energias agora precisavam de uma reposição, isto para os dois. Em praticamente uma semana, todos os sonhos, fantasias, ilusões, vontades e gostos, até então nunca experimentados foram colocados à prova e apreciados de todas as formas e maneira. Era hora de voltar à realidade.

Mas antes de se despedir, Dona Mere comentou laconicamente: Vamos ter fazer como fazem no Kamasutra. Para não passar por ignorante, “Seu Tele”, nem perguntou.

De volta a cidade, “Seu Tele”, com umas olheiras bem pronunciadas, foi fazer uma pesquisa sobre camas.

Como só havia uma loja na cidade, que comercializavam móveis, resolveu pesquisar a respeito de tipo, modelo e preço de cama. Mas esta única loja pertencia a um primo, cujas filhas estudavam na capital e estavam passando as férias em companhia dos pais.

Ao entrar foi logo abraçado pelas filhas do primo e conversa vai, conversa vem, uma das filhas perguntou ao primo Tele, o que ele desejava?

Mas antes de responder surge o primo Braz e se abraçam e então volta à pergunta:

Mas o que o primo deseja? Pois é, as prima me fizeram a mesma pergunta, quando você chegou.

Acontece que estou procurando uma cama, para a comadre Dona Mere. Cismou que não quer mais dormir na cama que dormiu por muitos anos com o finado compadre.

E ela me pediu, para ver se o primo não tem um modelo da “cama-sutra”?

O primo foi logo respondendo: Tenho cama de casal, meio casal, solteiro e beliche. Mas espera um pouco só. Oh! Meninas vem cá me ajudar.

Repete para as meninas que tipo de cama que você está procurando para a sua comadre.

Inocente e ingênuo o primo Tele repetiu: A comadre Mere, cismou que não quer mais dormir na cama que dormiu por muitos anos com o finado compadre e me pediu, para ver se o primo não tem um modelo de “cama-sutra”?

Foi uma explosão de riso das primas que fazia gosto. Uma delas se contorcia de tanto rir, outra quase se urina nas calcinhas. A cena era hilariante. Os dois primos um olhando para o outro e as moças a rir sem parar.

Riso passado, situação controlada e então tem ou não tem este tipo de cama?

Até hoje Dona Mere, continua com a mesma cama.

Só que sobre esta mesma cama se coloca em ação e prática toda a Kamasutra, sob os desejos e comando da comadre Mere...

E “Seu Tele”, já se acostumou com o ranger sincopado da velha cama..sem entender patavina sobre o que aconteceu na loja e porque as primas riram tanto de uma simples pergunta: O primo tem uma cama modelo cama-sutra para vender?

Romão Miranda Vidal.