CRISÁLIDA - parte II
Roger acordou aos chacoalhões de sua mãe. Era quase meio-dia e ele teria de ir junto de seus pais ao enterro de um tio pouco chegado – mera diplomacia familiar.
O jovem rapaz se levantou sonolento (no dia anterior fora a uma festa da faculdade), se vestiu e saiu com seus pais rumo ao funeral de um tio que ele só vira uma vez na vida.
No cemitério, o cortejo levando o caixão passou lentamente pelas encruzilhadas formadas por centenas de túmulos cinzentos e tristes, que pareciam velar aquela procissão que se dirigia ao coração da necrópole.
Durante a breve caminhada Roger, entediado, passeava com o olhar vázio pelas lápides ominosas quando teve um sobressalto. Ele avistou um túmulo singelo, que poderia muito bem ter passado despercebido, e nele viu a foto de uma meinina franzina localizada numa placa de bronze, onde também havia o nome e a data em que ela nasceu e morreu. Esta última lhe causou um grande assombro.
Após o velório Roger foi para casa almoçar e logo depois foi à faculdade. Durante as aulas manteve-se desligado, aéreo, com pensamentos que voavam em outro lugar. Seus amigos perceberam, e o mais próximo deles - gustavo – resolveu perguntar o que estava acontecendo:
— Roger, você está desligado cara. O que houve?
— É que aconteceu algo muito estranho — respondeu Roger. — Hoje eu fui ao enterro de um tio distante...
— Ah, sinto muito cara — interrompeu gustavo. — Isso deve ter sido chocante pra você. Eu entendo.
— Não, não foi isso! Como eu disse, era um parente distante, com o qual eu não tinha afeto algum. O que me deixou assim foi um túmulo que eu vi. Lembra-se de um mês atrás, que nós estávamos no sítio do seu avô e vimos aquela menina estranha?
— Sim, lembro.
À memória dos dois veio a imagem daquela garota magrela. Era uma tarde cinzenta e eles caminhavam à margem de um riacho, quando avistaram uma menina vestida com trapos e que chorava agachada próximo a água.
Cautelosos, eles perguntaram de longe se a menina estava bem, mas ela nada respondeu. Por uns instantes ela se manteve calada, até que se virou na direção dos rapazes que se assustaram: seu nariz sangrava muito naquele momento. Eles tentaram ajudá-la, mas a garota gritou histéricamente e saiu correndo, se embrenhando na mata.
— Mas o que tem haver uma coisa com a outra? — perguntou Gustavo, emergindo de suas lembranças.
— Nesse túmulo, havia uma foto da garota que fora enterrada ali, e era muito parecida com a menina que vimos no sítio.
— Você está brincando, não é? — disse Gustavo em tom de zombaria. — Acha mesmo que o que vimos foi um fantasma?
— Não ria! — exclamou Roger, irritado — Só estou dizendo o que eu vi. A menina que foi sepultada naquele túmulo era muito parecida...
Gustavo parou de rir e por um momento ficou pensativo. Logo falou:
— Bem Roger, digamos que a menina lá enterrada seja a mesma que vimos aquele dia no sítio... talvez ela tenha morrido depois que a vimos. Simples!
— Não. Na lápide havia a data de nascimento e falecimento da menina: 1971 – 1984. Ela morreu há vinte anos atrás!
Mesmo depois disso Gustavo manteve-se descrente, olhando com descaso para a expressão aterradora no rosto do amigo. Ele era o mais cético dos amigos de Roger, e duvidava de tudo aquilo não pudesse ver ou tocar.
Durante a madrugada, a menina fez uma visita para Roger durante seu sono.
O rapaz estava numa estrada pavimentada com pedras negras, e a menina o chamava. Quando Roger deu uma piscadela, a menina desapareceu, mas um rastro de sangue vivo denunciava que ela havia saído da estradinha e subido por uma pequena colina à sua direita.
Roger seguiu a trilha de sangue, e à medida que subia a íngreme colina, ouvia cada vez mais próximo um lamento agudo horripilante, quase que um chiado. Quando chegou ao topo, um clarão ofuscou sua visão e ele acordou.
As pernas dele encontravam-se dormentes, e era como se um peso enorme estivesse sobre o seu corpo. Lentamente essas sensações foram passando e Roger voltou ao normal.
Era ainda de madrugada, mas depois do sonho ele não dormiu novamente.