O retorno da Rainha de Lugarnenhum

"Como fosse um par que

Nessa valsa triste

Se desenvolvesse

Ao som dos Bandolins...

E como não?

E por que não dizer

Que o mundo respirava mais

Se ela apertava assim..."

Ela caminhava em direção ao palácio. Os pés calejados, aos poucos foram ficando descalços. Voltar de Trevaterra não era tão fácil.

Tirou os sapatos rotos, aos poucos foi se livrando das saias que farfalhavam contra o vento. Estava com um vestido vermelho, e o cetim, com o pó da estrada, parecia opaco. O Rei a esperava na frente de seu antigo lar. Tirou os espartilhos que prendiam sua cintura. A peruca branca nem fazia mais parte de sua cabeça. Os súditos enfileiravam-se lado a lado do caminho de pedras cinzas que ia até a porta do castelo. Todos queriam saber o que a mulher de respiração ofegante, olhar fixo ao soberano e passos firmes queria. A Rainha não ficara nua tirando sua roupa. Por baixo tinha as roupas simples de tecido verde que usava quando menina. Deixava os cabelos negros cairem desalinhados pelas costas.

Quanto mais rápido caminhava, mais parecia demorar para chegar. Mas chegou. Era inevitável.

Frente a frente com o Rei, ergueu bem a cabeça. E olhou-o muito profundamente nos olhos.

Silêncio.

"Seu colo como

Se não fosse um tempo

Em que já fosse impróprio

Se dançar assim

Ela teimou e enfrentou

O mundo

Se rodopiando ao som

Dos bandolins..."

No olhar dela estavam todas as mágoas. A torre, as mentiras, o medo do Rei. As agressões aos seus ouvidos e seu corpo. Havia apenas silêncio entre os dois.

No olhar dele, havia temor. Temor de ficar sozinho em um mundo que não sabia (ou não queria) enfrentar. A consciência de que era apenas uma criança mimada com uma coroa na cabeça. A outra consciência de que o que estava na frente dele era uma mulher, não um fantoche. Nem a menina que ainda habitava dentro dela. Era uma menina que cresceu. E como um ovo, na fervura endureceu. E que tinha coragem de qualquer coisa.

Uma lágrima rolou de um dos olhos dele.

Ela virou as costas, mas não para ir embora. Juntou uma de suas saias e secou a face dele.

Silêncio.

Ele pedia perdão, em silêncio.

Ela perdoava, mas não aceitava, em silêncio.

Abriu um dos botões do corpinho e de lá tirou a sua coroa. E assim como silenciou até aqui, em silêncio jogou-a aos pés do Rei. E entrou no palácio. Saiu de lá com os principezinhos pela mão. Olhou para os dois e eles entenderam. Nunca ficariam longe do Rei. Mas a partir de agora não teriam mais um líder em casa, apenas um pai. E se tivessem que herdar o reino, que herdassem.

Os dois choraram, mas mágoas são como as horas. Passam com o tempo.

"Como fosse um lar

Seu corpo a valsa triste

Iluminava e a noite

Caminhava assim

E como um par

O vento e a madrugada

Iluminavam a fada

Do meu botequim..."

Entraram em uma casa de madeira velha. Mas muito limpa. Aliás, limpeza que a própria Rainha fizera questão de realizar. Matara a saudade de sentir o cheiro da água com sabão nas mãos. Cuidara de tudo, de como colocar cada agulha em seu lugar, pois a Rainha gostava muito de fiar e tecer. E de como colocar as coisinhas dos principezinhos em seu lugar também, inclusive os coraçõezinhos.

Quando tudo estava quase do jeito que ela queria, deitou-se na cama simples, mas que tinha apenas o seu cheiro,e olhou para tudo ao redor. Sem muito conforto, mas era seu lar. As paredes a lembravam de quando era apenas a filha da doceira com o sapateiro.

"Valsando como valsa

Uma criança

Que entra na roda

A noite tá no fim

Ela valsando

Só na madrugada

Se julgando amada

Ao som dos Bandolins..."

(Trechos entre aspas: Bandolins-Oswaldo Montenegro.)

Continuação de "O Retorno do Dragão de Trevaterra - Parte final"

Caroline Garcia Cruz
Enviado por Caroline Garcia Cruz em 11/08/2009
Reeditado em 28/12/2011
Código do texto: T1748385
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