A LENDA DE KÓRA & ALSVID - parte 11: A invasão de Elgartem
Annabelle só retornou na manhã seguinte, e quando chegou, já foi acordando Alsvid com pontapés.
— Acorde sua lesma! — disse ela.
Ele despertou.
— Calma! Já estou acordando!
— Vamos partir rumo a Elgartem imediatamente! — disse ela, pegando uma vasilha e atirando a água que tinha dentro contra Alsvid. — Caso sentir fome, comerá no caminho, agora venha!
Sem demora, ele a seguiu por longos e frios corredores que se tornavam mais largos. Aos poucos outras feiticeiras foram se juntando aos dois, todas armadas, carregando seus escudos; algumas com finas espadas, outras com arco e flecha. Seus rostos estavam com um semblante fechado.
— Você demorou Annabelle — disse Alsvid. — Cheguei a ficar preocupado, mas as feiticeiras me disseram que você iria buscar mais ajuda.
— Sim, a ajuda está lá fora.
Alsvid imaginou serem mais feiticeiras, então não questionou que tipo de ajuda era.
Ao finalmente saírem da escura caverna, apenas iluminada pelos pequenos vaga-lumes, Alsvid teve sua visão momentaneamente ofuscada pela luz do dia. Quando voltou a enxergar normalmente, tomou um susto.
Diante dele havia cerca de quarenta grandes lobos gigantes, que olhavam fixamente o grupo. Alsvid ficou trêmulo.
— Fique calmo — disse Annabelle. — Eles são a nossa ajuda.
— Eles? — indagou Alsvid.
— Sim, somos grandes amigas dos róz. Serão de grande valia nessa invasão.
A feiticeira se colocou à frente do grupo e reverenciou o maior dos lobos que encontrava-se logo na entrada da caverna.
— Está pronto Turlyson? — perguntou a feiticeira.
— Claro, Anna — respondeu o lobo. — Mas antes de partirmos, não vai me apresentar o seu amigo?
— Ah, sim, este é Alsvid — disse Annabelle apontando para ele. — Alsvid, esse é Turlyson, o mestre dos róz.
— Muito prazer, senhor — cumprimentou Alsvid ainda meio tenso.
— Fique calmo rapaz não vou te devorar... — disse Turlyson. — Mas bem, vamos então Anna?
— Vamos.
O lobo se abaixou e Annabelle montou o animal, como se fosse um simples cavalo. Outro róz se aproximou e se abaixou diante de Alsvid, que ficou sem saber o que fazer.
— Monte o lobo! — disse Annabelle. — Finja que é um cavalo ou um dragão. Onde está sua coragem?
Alsvid respirou fundo e então se agarrou aos pelos do pescoço do lobo. Subiu, chegando até a parte superior das costas, onde se sentou. O róz se ergueu e começou a caminhar.
No início ele se sentiu estranho, teve medo de cair, mas aos poucos foi se acostumando.
Outras feiticeiras subiram nos lobos que restaram, e seguiram à beira da praia que se estendia por vários quilômetros ao sul. Alsvid olhou para cima, e viu que além das feiticeiras montadas nos róz, haviam outras centenas delas montadas em dragões que acompanhavam pelos céus o grupo.
Ali começaram a caminhada rumo à batalha.
Kóra estava sentada em uma pedra, quando a comitiva do rei chegou. Victor desceu rapidamente do seu dragão e se dirigiu até ela.
— Minha rainha! — disse ele, fingindo estar emocionado com o reencontro. — Não imagina como temi perdê-la!
— Seu mentiroso! — gritou Kóra, não conseguindo se conter.
O general de Asgarnofe que estava ali perto disse:
— Ela está ainda em estado de choque. Achamos que ela sofreu lavagem cerebral... talvez não esteja raciocinando bem.
— Ah sim, entendo — disse Victor. — Acho que ela precisa descansar. Será que poderia segurá-la para mim general?
— Às suas ordens majestade.
O general se aproximou de Kóra e a segurou pelos braços.
— Me solte seu doido! — disse ela. — Ele é o vilão aqui!!
O oficial imobilizou Kóra e Victor pressionou contra o rosto dela um pano embebido numa substância forte. A moça se debateu por alguns instantes mas não resistiu por muito tempo e então desmaiou.
Quando voltou a si, Kóra já estava em Elgartem, deitada na cama dentro do quarto de onde fugira pela primeira vez. Ao seu lado, sentado em um banquinho, Victor parecia adimirá-la.
— Que bom que acordou, minha rainha — disse ele, com um sorriso sarcástico.
— Não precisa fingir, seu covarde! — disse Kóra se sentando na cama. — Logo a sua alegria vai acabar.
— Você vai fazer o quê? Contar pro conselho o que aconteceu?
— Vou sim — disse Kóra, numa tentativa de ao menos intimidá-lo.
— Ninguém vai acreditar em você Kóra. Afinal, você está louca! A pobre rainha sofreu lavagem cerebral em Ofidis, e pensa que o mundo conspira contra ela... lamentável mesmo — riu Victor.
— Está muito confiante, não é, Victor.
— Mas é óbvio minha querida. Deixe eu lembrar-lhe um trecho da lei desta singela nação: “No caso do rei e rainha estarem vivos, mas uma das partes se mostrar impossibilitada de governar, aquele que se encontrar sadio deve permanecer com a coroa, até que o outro volte a ter condições de exercer suas funções. O Conselho Escarlate em momento algum deve interferir. ” — Victor se aproximou de Kóra, encarando-a com seus olhos esbugalhados. — Sabe, quando é que você estará curada dessa sua “loucura”? Nunca!
Victor ia continuar a se vangloriar de seu plano perfeito, quando a porta foi escancarada e Norwell adentrou o quarto acompanhado dos dezesseis conselheiros.
— Senhores, o que fazem todos aqui? — indagou Victor surpreso.
— Ora — disse Norwell —, viemos ver como está a rainha. É nosso dever enquanto conselho, verificar o estado de saúde da família real de Elgartem.
— Bem, mas acho que Kóra ainda não está em condições de receber visitas — disse Victor então abaixando o tom de voz. — Sabe, ela está um pouco transtornada, não diz coisa com coisa, acha que o mundo todo está contra ela.
— Não importa, queremos falar com ela a sós por alguns instantes. Será que poderia se retirar um pouco?
Diante dos olhares de todo o Conselho Escarlate, Victor cedeu ao pedido, mas saiu receoso.
— Olá Kóra — disse Norwell. — Está bem?
— Sim, senhor. Mas com certeza não se deve ao Victor.
— Não? Me conte o que aconteceu.
— Alsvid não me sequestrou! Eu fui por conta própria!
Essa afirmação fez o conselho rir, com exceção de Norweel, que manteve sua expressão serena.
— Ela está sob o efeito da magia dos ofidianos — disse um dos conselheiros.
— Não estou não! — exclamou Kóra se levantando da cama. — Victor enganou a todos, e foi ele quem matou meu pai! Ele usou Friga da feiticeiras de Skog para envenená-lo, e agora está planejando unir Elgartem a Asgarnofe. Isso tudo faz parte da vingança dele!
Os conselheiros olharam para ela, como se tivessem pena.
— As coisas que ela diz são tão absurdas, que chego a sentir pena da pobre Kóra — disse um conselheiro de barba ruiva. — Acho que Victor estava certo, pois ela ainda se encontra muito confusa.
Houve uma concordância quase geral sobre a “loucura” de Kóra, e os conselheiros decidiram se retirar do quarto para deixar ela descansar.
— Podem ir — disse Norwell. — Eu vou ficar mais um minutinho para conversar com ela.
Mesmo achando estranho, o resto do conselho assentiu e saiu do quarto.
— Não acho que o que diz é loucura — disse Norweel quase que num sussuro. — Mas sabe, que apesar de líder, eu sozinho não posso fazer nada. Contudo, se encontrarmos provas suficientes para acusarmos Victor, o conselho será unânime em tirar a coroa dele.
— Não sei se eu conseguiria provas suficientes... — lamentou Kóra.
— Vamos ao menos tentar! Aliás, me diga, o que houve com Alsvid? Estava mesmo com ele?
— Sim, estava. Agora ele está com as... — Kóra parou. Quase revelara o plano de invasão.
Apesar de Norwell acreditar nela, não achava que ele continuaria com a mesma opinião se soubesse que ela se aliara com as feiticeiras de Skog (coisa que agora, nem ela própria conseguia crer que fizera).
— Ele está morto — mentiu ela.
— Morto? Ah, isso é uma pena mesmo. Conheci ele quando era apenas um garotinho. Mas também acho que assim talvez tenha sido melhor.
— Melhor? — indagou Kóra.
— Bem, não sei se devo contar — disse Norwell.
— Conte! — incentivou.
— Esta bem. É a mãe de Alsvid. Ela morreu por causa de um incêndio acidental em sua cabana. Não conseguiu escapar.
Essa notícia infelizmente era velha para Kóra, mas ela tentou se mostrar suspresa com a notícia. Em seu interior, Kóra fervia de ódio de Victor.
— Agora vou indo — disse Norwell. — Volto amanhã para falar mais uma vez com você.
Norwell foi embora e Kóra permaneceu ali, trancada como antes. Recebeu comida e água, mas nada além disso.
A noite foi fria e passou lenta. Kóra cochilou uma vez, mas ficou quase a noite inteira acordada; faltavam poucas horas para a invasão de Elgartem.
O dia amanheceu e o silêncio pairava sobre aquele castelo. Nenhum barulho que indicasse que uma invasão estivesse acontecendo. Kóra começou a ficar nervosa, e começou a imaginar coisas terríveis.
“As feiticeiras me enganaram!” — pensou ela. “Deviam estar trabalhando para Victor, e tudo saira como combinado: ela se entregara, e agora talvez Alsvid estivesse morto!”
De repente ela ouviu um estrondo ensurdecedor. Logo em seguida várias trombetas soaram e não demorou para que Victor aparecesse. Ele adentrou o quarto com os olhos flamejantes.
— Me diga, Kóra — disse ele agarrando-a pelo braço. — Por que tem um exército de feiticeiras invadindo Elgartem?
— Elas vieram me ajudar! — exclamou Kóra, quase que sorrindo de alegria.
— Ajudar? Você enlouqueceu? Não se pode confiar em feiticeiras!
— Então vou confiar em quem? Em você?
O chão começou a tremer e as paredes começaram a rachar. Kóra e Victor se afastaram e de repente um róz arrebentou a parede, colocando sua enorme cabeça para dentro do quarto. O coração de Kóra disparou ao ver aquela criatura encarando-a...